domingo, 30 de novembro de 2008

  • “Só pela compaixão se pode ser bom”, Joseph Joubert

  • PORQUE SOU NEGRO ©
“O vinho novo é melhor”, li na Bíblia que tenho no meu telemóvel. E lembro-me de um livro que li há alguns anos – parece que foi há uma eternidade – a conselho do Bernardo Sá (um bom amigo desaparecido da vista mas perto do coração): «O Vinho Novo é Melhor» de Robert Thom. Entretenho a alma a relembrar a obra e a sua substância quando sou interrompido.

— Concordas com isso, VB – pergunta-me o meu poeta.
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Olho para ele, percebo a sua pergunta e respondo-lhe:

— Meu poeta, concordo com o meu Mestre, segundo a sua perspectiva. Mas, falando do fruto do mosto em si, não é verdade. Aí, que me perdoe o meu Mestre!, não concordo. Quando não azeda, o vinho curado pelo tempo é melhor; mas isso o meu Mestre sabe, pois em Canaã o que se bebeu foi o néctar dos tempos subtraído dos socalcos prenhes de seiva e de alma.

O meu poeta, ainda amuado, sorriu. Agarrou num copo de água e voltou a sorrir. Volto a perceber a sua pergunta silenciosa, a larvar insinuação a desafiar-me, e, para evitar uma conversa infinita e curar a sua maleita de alma, pergunto-lhe:

— Sabes, meu poeta, que a culpa de eu ser negro, é da água e do vinho tinto?
— Repete lá isso! — gritou o meu poeta, espantado. — Repete lá isso!
— Sabes, meu poeta, que a culpa de eu ser negro, é da água e do vinho tinto? — repeti.

O meu poeta – de volúpia rindo – disse-me:

— Oh, VB, conta lá isso! Só pode ser gozo teu…
— Não meu poeta, não é gozo, não... É teologia subliminar. Mas não te conto até deixares de estar amuado – afirmo, sentencioso.
— Amuado, eu? Onde foste buscar essa ideia absurda? Ah, não importa! Mesmo que estivesse, já não estou. Vá lá, VB… conta lá o que a água e o vinho tinto têm a ver com o facto de seres negro?

E contei ao meu poeta de como a Bíblia diz que a causa de eu ser negro, preto e quejando é primeiro da água e depois do vinho tinto. O meu poeta ficou abismado, mas divertido. E resolveu convidar-me a beber um copo de vinho tinto com ele. Aceitei. Com duas condições – que aceitou prontamente: falarmos da poesia vinícola de Li Po e bebermos vinho tinto não novo mas com história.
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  • Imagem: Escola em Angola, durante o período colonial

Figure on Blue Background, Max Ernst

  • LI PO (701-762 AD)
III
If High Heaven had no love for wine,
There would not be a Wine Star in the sky.
If Earth herself had no love for wine,
There would not be a city called Wine Springs.
Since Heaven and Earth both love wine,
I can love wine, without shame before God.
Clear wine was once called a Saint;
Thick wine was once called a Sage.
Of Saint and Sage I have long quaffed deep,
What need for me to study spirits and hsien
At the third cup I penetrate the Great Way;
A full gallon — Nature and I are one...
But the things I feel when wine possesses my soul
I will never tell to those who are not drunk.

O olho de Horus na mitologia Suméria

sábado, 29 de novembro de 2008

  • A JUSTIÇA E A CORRUPÇÃO DOS JUÍZES ©

A ideia que corre Mundo, em particular na Europa – nomeadamente em Portugal (efeito pernicioso das telenovelas?) – é de que o Brasil é uma espécie de República das Bananas, em particular no plano jurisdicional. Nada poderia estar mais longe da realidade, e quem assim pensa é porque não conhece o sistema jurisdicional do país – com as suas particularidades, é certo, como todos os sistemas – e o esforço que defensores probos da República, da Constituição e da Justiça fazem para moralizar e elevar a dimensão ética dos sistemas político e judicial.

Neste plano, a
radio justica do Supremo Tribunal Federal anunciou a instauração de Acção Penal contra cinco magistrados suspeitos da venda de decisões judiciais à vários empresários. Assim como se eventa a possibilidade de se responsabilizar a Administração do Estado de Santa Catarina pela catátrofe – causada pelas cheias – que causou vários mortes, feidos e um número considerável de desalojados.

Neste caso, poderá haver responsabilidade por omissão. Desde que se verifique que a catástrofe fosse previsível e as autoridades públicas omitiram as acções devidas, estar-se-á perante responsabilidade civil por negligência e o Estado é responsável não somente civilmente mas até criminalmente, por homicido negligente. É, sem dúvida, coisa de um país evoluido na perpecção do juridico e da aplicação das normas.

Magistrados corruptos? Existem em todos os países, assim como em todas as profissões; coisa própria de seres humanos. Na Europa, que costuma exibir uma espécie de “superioridade moral“ aos países do sul e da América do norte, também acontece. Onde houver tentação e quem seja tentado ou em condições de ser pressionado por qualquer razão, estas coisas acontecerão.

E o poder jurisdicional, aliado ao estatuto de poder dos magistrados, permite a existência destas realidades. E existem muitas formas de comprar decisões judiciais, quer pela corrupção em sentido amplo, quer através do tráfico de influências ou de favorecimento pessoal para o bonnus de um sujeito processual ou para o malus de outro.

Países há onde «a livre convicção do julgador» é um mecanismo que permite estas coisas, em particular o tráfico de influências e o favorecimento pessoal, directa ou indirectamente. É um meanismo de extrema utilidade na ética jurisdicional mas que tem este infeliz efeito boomerang que, felizmente, só raras acontece ou se descortina pois, em regra, é utilizado em cadeia ou através de pessoas sombra em rede social.

Mas tal só acontece – como na corrupção tout court – se os magistrados forem permeáveis a isso, se se desviarem da sua função de distribuir a Justiça de forma objectiva. Isto é, em termos funcionais, não darem a cada um aquilo que lhe é devido para, de forma directa ou indirecta, favorecerem ou prejudicarem outrém. E, desta perspectiva da ética jurisdicional, essas pessoas que assim agem não podem nem devem exercer a função de juízes pois não o são. É-se Juiz antes de se sê-lo, pois tal é uma função de razão ética e não uma função de trabalho de tout court.

  • Imagem: Supreme Court, Washington DC, United States of América

Ele, ela e o café...

Há cafés que são, mais do que margosos, de amargos de boca – diz-me o meu poeta.




















O MEU POETA E A FESTA BRAVA

O meu poeta convidou-me a ir à festa brava. Recusei. Acho um crime o que fazem aos touros, a desigualdade de armas que enfrentam os desgraçados, a dor que sofrem... e o meu poeta sempre pensou assim; não percebo o seu convite.

– Olha que, segundo o Albino Forjaz de Sampaio, tudo tem um preço VB – diz-me o meu poeta, tentando convencer-me.

– Não meu poeta, não é assim… volvo, pensativo mas convicto.

Então o meu poeta agarrou numas fotos e mostrou-mas.
E cá fiquei a pensar se não deverei ir ver esta nova festa brava… mas chego à conclusão natural de que o Albino Forjaz de Sampaio não tem razão e que estará a contaminar o meu poeta com ideias cínicas. Digo não, novamente.

– Mas VB... e o teu princípio de natureza, a tua ideia de belo... – assalta-me o meu poeta.
– Meu poeta, contra a vida não há príncipios, como sabes.

Amuou, o meu poeta. Sabe que este não é definitivo.

O esternocleidomastoideo

Se, como diz o Primeiro Ministro José Maria Neves, Cabo Verde está a criar mais negócio aéreo para o país, como se explica a crise dos TACV? – perguntou-me o meu poeta.

Electra, William Blake Richmond

"Mas esta manhã, finalmente, descobri a causa de tudo", Dostoiévsky, Noites Brancas

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Reclining Nude, Toulouse Lautrec , 1897


II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
. Fernando Pessoa, O Guardador de Rebanhos

Mara Carfagna, Ministra da Igualdade de Oportunidades, Itália


Ramsey Clark; Benazir Bhutto

Human Rigths Watch

Dennis Mukwege; Dorothy Stang

Carolyn Gomes; Louise Arbour







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“These awardees constitute symbols of persistence, valour and tenacity in their resistance to public and private authorities that violate human rights. They constitute a moral force to put an end to systematic human rights violations,” Miguel D’Escoto, Presidente da Assembleia Geral da ONU

  • A JUSTIÇA DO PRÉMIO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU ©
A Organização das Nações Unidas anunciou os premiados para o Prémio de Direitos Humanos da ONU, a ser entregue no dia 10 de Dezembro de 2008, dia em que se celebra o 60º. Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Os galardoados são o ex-Procurador Geral dos Estados Unidos da América, durante a Administração de Lyndon Johnson, Ramsey Clark; o médico congolês e activista dos direitos humanos, nomeadamente na defesa das mulheres vítimas de violação, Dennis Mukwege; Dorothy Stang, a cidadã brasileira de origem norte-americana que dedicou cerca de quatro décadas da sua vida à defesa dos pobres e dos sem terra da região amazónica brasileira; Benazir Bhutto, ex-Primeira Ministra do Paquistão e defensora da democracia e dos direitos das minorias; Carolyn Gomes, activista jamaicana para os direitos humanos e a Justiça, Louise Arbour, ex-Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos e Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal do Canadá e a organização Human Rights Watch.

Benazir Bhutto e Dorothy Stang, ambas assassinadas, serão homenageadas a título póstumo.

De todos estes premiados pelo seu trabalho em prol da humanidade e de cidadãos em concreto, aquele que parece merecer algumas dúvidas e que, eventualmente, será objecto de algumas críticas será Ramsey Clark que, no exercício da sua profissão de Advogado, tem defendido figuras controversas, nomeadamente Shadam Hussein – cujo julgamento considerou um “travesty” (não sem razão, diga-se de passagem) e foi expulso da sala de audiências por um Juiz que tinha decidido condenar o ditador antes ainda de o ter começado a julgar.

Mas essas críticas emergirão de quem não entende a natureza da função do Advogado, sendo certo que – mesmo considerando o aspecto de simulacro de Justiça do julgamento do ditador iraquiano – poderá, eventualmente, ter ido longe demais nas suas alegações de defesa de Shadam Hussein. Mas a defesa é um papel que alguém deve desempenhar, e cabe ao Advogado fazê-lo. E se o faz, deve fazê-lo no limite de valores éticos definidos e com todas as armas dialécticas e racionais possíveis.

Há quem entenda que Ramsey Clark terá ido para além do admissível por estes valores éticos, que colocou a paixão da defesa além dos valores da humanidade e da ética da defesa ao justificar determinadas acções reactivas de Shadam Hussein...
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É uma perspectiva, respeitável de todo, mas que vê o homem como demasiado perfeito, sem paixão e, de certo modo, sem as fraquezas que nos tornam humanos. No entanto, entendo que Ramsey Clark não procurava nem procurou uma justificação para os actos criminosos de Shadam Hussein mas sim uma causa de justificação de um dado acto ilícito; mas isso já é outra conversa.
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Estes prémios são justos e merecidos, sem política e favorecimento de género pelo meio.

A Independência…, segundo o meu poeta.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

  • SENDO ADVOGADO DO DIABO. AINDA A RESOLUÇÃO SOBRE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De repente ocorreu-me que, com o post anterior, posso ter sido injusto com a bancada do MPD e resolvi fazer de "Advogado do Diabo". E lembro-me do que disse o Deputado David Hopffer Almada durante a discussão desta matéria na Assembleia Nacional. «Não há nenhum texto neste país que diz que a Resolução deve ser tomada por 2/3», afirmou David Hopffer Almada, antes de ler o Artº.290º., nº.1 da Constituição da República. Mas o Deputado não leu o nº.3 do Artº.290º da Constituição da República. Diz esta norma:

«3.
Quando a composição do Supremo Tribunal de Justiça for de sete juízes:
Um é nomeado pelo Presidente da República, de entre magistrados ou juristas elegíveis;
Dois são eleitos pela Assembleia Nacional, de entre magistrados ou juristas elegíveis, por dois terços dos votos dos Deputados presentes desde que superior à maioria absoluta de votos dos Deputados em efectividade de funções;»


É que, assim fazendo, teria trazido alguma luz à nascença da discussão. Os senhores deputados sabem, certamente, que esta norma, além de constitucional, é especial em razão desta matéria específica. Existirá para evitar a falta de quórum, para que algumas matérias, nomeadamente urgentes, não deixem de ser apreciadas pela Assembleia Nacional.

Isto é, a maioria exigida é uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, mas uma maioria qualificada dos deputados presentes na Assembleia Nacional no momento da deliberação, desde que estes sejam a maioria absoluta mais um. Há uma diferença substancial entre estas duas realidades. É, assim, uma questão em que, sendo devidamente justo com a bancada do MPD, ambas os sujeitos parlamentares podem ter razão (teses que podem ser perfeitamente defendidas, sendo que defendo a que deixei claro no post anterior).

A mens do legislador constituinte – como que a prever situações deste género – terá sido a de haver uma representação popular alargada nesta votação (aqui a ideia de consenso do MPD pode(rá) ganha(rá) substância), mas nunca uma maioria absoluta em termos absolutos, passe o pleonasmo necessário. Por essa razão refere-se a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (Artº.290º., nº.3 da CRCV in fine). Isso é, a Constituição quis garantir uma maioria de deputados em efectividade de funções, mas não uma maioria qualificada destes - tão somente de deputados presentes igual ou superior a 2/3 dos presentes, nunca inferior a maioria mais um.

As soluções são simples: ou o PAICV aprova a Resolução (e bem, a meu ver) e o MPD recorre para o Tribunal Constitucional (com os juízes eleitos a terem de se pronunciar sobre a sua própria nomeação em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade) ou as bancadas chegam a acordo sobre os nomes dos juízes… Em caso de aprovação da Resolução, o Presidente da República poderá ter um papel neste aspecto, pois pode(rá) requerer a fiscalização preventiva da Constitucionalidade (neste caso, ao contrário de outras vezes, não necessário), o que travaria a posse dos juízes eleitos até o actual STJ, enquanto Tribunal Constitucional, se pronunciasse.

Mas tivesse a Comissão de Direitos Humanos feito o seu trabalho de casa – com a elaboração de um Parecer fundamentado e não uma Acta de reunião deliberativa (lido na Assembleia Nacional como se fosse um Parecer) com telegráfico Parecer conclusivo e este problema teria sido evitado. Como digo, trabalho de casa precisa-se – quer analisando previamente as questões quer estabelecendo consensos prévios.

A declaração de voto do MPD – caso a Resolução venha a ser aprovada – poderá vir a fazer toda a diferença no futuro destino desta Resolução; se chegar à foro jurisdicional. Uma coisa é certa: os juízes eleitos neste contexto são, de algum modo, afrontados e levarão sobre eles o peso de uma aprovação com uma possível leitura (admissível, mas errada do meu ponto de vista) de deliberação contra a Constituição.

Sendo certo que, na minha opinião, a melhor leitura será a de que a maioria exigida é a da maioria absoluta acrescida de um voto; não uma maioria qualificada tout court. Mas esta questão, sendo. para mim, clara em termos hermenêuticos, ainda vai fazer correr muita tinta e queimar alguns neurónios.

  • TRABALHO DE CASA PRECISA-SE, SENHORES DEPUTADOS
Ouco a discussão na Assembleia Nacional sobre a proposta de Resolução para alargamento do STJ... e divirto-me, confesso. Ouço algumas barbaridades jurídicas, preciosidades...

Não é uma evidência que é uma maioria simples, uma maioria absoluta e não uma maioria qualificada? A interpretação é tão clara que entra pelos olhos!

Não bastará ler o Artº.290º., nº. 3 da Constituição da República de Cabo Verde?

O que está em causa é quem são os juízes (os nomes) a serem eleitos... o que só será possível se houver consenso no âmbito de uma maioria qualificada. O que, confesso, é triste de constactar. Os deputados não fazem o trabalho de casa!, é outra triste constatação.

O PAICV vai aprovar a Resolução, com razão e respeito pela Constituição. O país precisa disso, agora. A Constituição não está errada, é o que temos e ponto final; e neste caso é clara e precisa no quê e como se deve fazer. As negociações são feitas no momento próprio...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Aitutaki Lagoon at Sunrise, Cook Islands

  • DÚVIDA EXISTENCIAL ©
«Em cinco anos não era possível fazer mais do que fizemos....» afirmou, por três vezes, José Maria Neves, Primeiro Ministro de Cabo Verde, hoje, na Assembleia Nacional. Um momento de rara sinceridade política, em qualquer parte do Mundo, mas também de sujeição à uma retórica implacável da Oposição. Mas não aconteceu. A Oposição, para mal dos seus pecados, parece que não estava lá, na Assembleia Nacional, e não ouviu esta espantosa afirmação.

Será porque não sabe o que se poderia fazer para além do que o Governo fez nos útimos anos? Ou será porque não ouviu mesmo? Ou, ainda, só vê o que faz mal para criticar? Algumas das muitas dúvidas simples que me ocorrem, agora.

Se calhar até sou capaz de concordar com Primeiro Ministro, pois, como tenho dito várias vezes, gerir um país com as fragilidades de Cabo Verde é um exercício continuo de recriação de milagres. Mas, pergunta-me, de repente, o meu poeta:

– Se não era possível fazer-se mais, não era possível fazer-se ou fazer melhor?.

E sou, abruptamente, assaltado por uma espantosa dúvida existencial.

A Prostituta e o Gigante, William Blake

  • USURPADORES DE PROPRIEDADE ALHEIA EM CABO VERDE: AQUI d´El REY ©
Se, como disse o Primeiro Ministro José Maria Neves na Assembleia Nacional, vai haver a lugar à construção de mais hoteis em Cabo Verde, será conveniente que o Governo, os órgãos autárquicos e o Ministério Público estejam atentos. E atentos para que não aconteça que esses hotéis não venham a ser construidas em propriedade alheia, como aconteceu no Porto Novo, Santo Antão – em hotel inaugurado com pompa e circunstância pelo Governo e a própria liderança da oposição.

É que, falo com razão e causa, no Porto Novo aconteceu isso mesmo em terrenos da minha família. E, posso garantir, se a situação não for resolvida da forma que penso que venha a ser feita, isto é, com bom senso e cumprindo-se a lei, serão propostos os competentes processos judiciais, quer cível quer penal, a fim de se apurar as responsabilidades devidas. Existem limites para a paciência e a tolerância, mesmo para o mais paciente dos mortais

É que propriedade alheia não pode e muito menos deve ser vendida pelas autarquias a investidores estrangeiros como se fossem coisa sua ou pública. Propriedade alheia não é da Joana, não; é direito fundamental do cidadão titular do título de propriedade. Tornou-se uma evidência que existe alguma leviendade – o adjectivo não é acintoso nem aplicado de ánimo leve – na forma como se vê e se trata a propriedade privada em Cabo Verde. E isso num país que arvora a bandeira do liberalismo...

Saberão algumas pessoas – que fazem gato sapato da coisa alheia – o que é e qual é a função estruturante da propriedade privada no pensamento liberal? – pergunta-me o meu poeta, meio abismado.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

  • ORÇAMENTO DO ESTADO OU DELÍRIO POLÍTICO? ©
Estive durante o dia a trabalhar com a rádio, RTC, ligada para poder ouvir a discussão do Orçamento do Estado de Cabo Verde e o que os deputados iriam decidir sobre o alargamento – previsto na Constituição – do Supremo Tribunal de Justiça.

Fiquei a saber três coisas. A primeira é que alguns deputados na Assembleia Nacional só pugnam pelo respeito pela Constituição quando esta lhes dá jeito, quando não é o caso, a mesma já não serve. A Constituição é o que é e não o que gostariamos que fosse; e deve ser respeitada como tal. Parece simples, mas, pelos vistos, não tão simples como isso. Tenho para mim que o respeito pela constituição é um dever que ultrapassa os direitos dos sujeitos parlamentares e que não é a Constituição que deve se adaptar à agenda política mas sim a agenda política que deve se adaptar à Constituição.

Não percebi, de todo (ou se calhar não quero perceber...), a abstenção do MPD na votação da questão da urgência – objectiva – do agendamento da discussão do alargamento do Supremo Tribunal de Justiça. Se calhar tenho uma ideia simplista da responsabilidade política dos deputados e não entendo a arcana perspectiva do MPD. É, se calhar sou eu que sou naif mesmo...

A segunda coisa é que o Orçamento do Estado esteve ausente da Assembleia Nacional. Sendo certo que tenho o maior apreço pelos deputados da nação, a verdade é que o que ouvi hoje, na forma e na substância, está muito, mas muito longe... de ser uma representação que faz jus à sociedade cabo-verdiana. A pobreza dialéctica foi franciscana e o Orçamento do Estado esteve ausente; se calhar foi beber um groguinha e comer uma pombinha assada pelos lados do Plateau. Não a censuro, de todo. Não se acrescentou nada ao bem estar da sociedade cabo-verdiana, pelo contrário; sinto que, com esses discursos vazios e de lana caprina, estamos, hoje, mais pobres. Mas, como dizia Scarlet O´hara, tommorow is another day.

Ah! A terceira coisa é que fiquei saber que muitos deputados curam mais da sua honra externa do que da Constituição. Não é que seja mal curar da honra, não; mas é que deveria ser uma honra interna e externa defender a Constituição acima dos interesses pessoais. Mas devo ser eu, outra vez, a ser naif – dir-me-ia o meu poeta se estivesse por perto, certamente.

Vox populi: Roma e Pavia não se fizeram num dia...

OS DEPUTADOS PUSILÂMINES

Espero que os deputados na Assembleia Nacional atentem que é necessário resolver a questão do Supremo Tribunal de Justiça, pois o alargamento do STJ de 5 para 7 juízes, além de resolver um problema estrutural do sistema judicial cabo-verdiano (esse, sim – parafraseando o Primeiro Ministro José Maria Neves sobre os TACV –, um cancro sistémico), é uma obrigação constitucional.

Ó M.I. deputados da nação, deixai para lá «os pacotes» e atentai nos problemas objectivos que são precisos resolver. Como cidadão tenho alguma dificuldade em entender algumas coisas, e não conseguiria entender as (não) razões para não se aprovar o alargamento do STJ.

Sinceramente, há que ter a percepção que o povo espera que na Assembleia Assembleia Nacional haja menos poetas e mais pedreiros. Sim, pedreiros para construir a nação, não eternos pusilâmines da acção necessária a matarem o verbo cordato da razão. O povo, ainda esperançoso, agradece.

  • Imagem: Shadus modernos

OS MORTOS QUE VOTAM

No outro dia, vendo as notícias na TV Record, soube de uma coisa extraordinária e que pensava impensável: fraude eleitoral no Brasil. Mesmo tendo um sistema informatizado que se deve considerar modelar nas actuais democracias, pois evita a dupla votação e, se bem estruturado, resulta impermeável a fraudes. Mas tem alguns problemas.

A informatização do sistema eleitoral pode ajudar, em dados contextos, a viciar as eleições; de uma forma massiva, inclusive. Um exemplo acabado é o da votação dos mortos. Basta ter um documento de uma pessoa falecida e não expurgada dos cadernos eleitorais para se poder votar por «ela». Assim, os mortos votam.

Aconteceu em alguns sitios no Brasil, nomeadamente nos Estados do Pará e da Bahia, ouve mortos que votaram nas últimas eleições. Sim, mortos que votaram. Para os cabo-verdianos isso de morto votar não constitui novidade; novidade em Cabo Verde é o facto de que quem faz estas coisas ser tão honesto que vem a público dizer que o fez.

Sim, isso fez-me lembrar de um cidadão cabo-verdiano que ameaçou dizer os nomes de quem o corrompeu para viciar umas dadas eleições caso não lhe pagassem «o devido» pela sua façanha ilícita. Como não disse os nomes até agora, será de inferir que recebeu o que lhe era devido ou que andou a vituperar publicamente quem não devia?

Alguma coisa aconteceu, mas o quê? Sim, o que foi?
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  • Imagem: Tuthankamon, filho de Amenofis IV, Faráo do Egipto

domingo, 23 de novembro de 2008

A POESIA DE BARACK OBAMA

De Karl Marx a José Maria Neves, passando por Barack Obama. Os políticos gostam de poesia, isso já se sabe. Barack Obama não é excepção e, além de político, cultiva esta arte. Segue estes dois poemas, Underground e Pop, publicados na juventude do Presidente eleito dos Estados Unidos da América, então com 19 anos.

  • UNDERGROUND, Barack Obama
Under water grottos, caverns
Filled with apes
That eat figs.
Stepping on the figs
That the apes
Eat, they crunch.
The apes howl, bare
Their fangs, dance,
Tumble in the
Rushing water,
Musty, wet pelts
Glistening in the blue.

  • POP, Barack Obama
Sitting in his seat, a seat broad and broken
In, sprinkled with ashes,
Pop switches channels, takes another
Shot of Seagrams, neat, and asks
What to do with me, a green young man
Who fails to consider the
Flim and flam of the world, since
Things have been easy for me;
I stare hard at his face, a stare
That deflects off his brow;
I'm sure he's unaware of his
Dark, watery eyes, that
Glance in different directions,
And his slow, unwelcome twitches,
Fail to pass.
I listen, nod,
Listen, open, till I cling to his pale,
Beige T-shirt, yelling,
Yelling in his ears, that hang
With heavy lobes, but he's still telling
His joke, so I ask why
He's so unhappy, to which he replies . . .
But I don't care anymore, cause
He took too damn long, and from
Under my seat, I pull out the
Mirror I've been saving; I'm laughing,
Laughing loud, the blood rushing from
his face
To mine, as he grows small,
A spot in my brain, something
That may be squeezed out, like a
Watermelon seed between
Two fingers.
Pop takes another shot, neat,
Points out the same amber
Stain on his shorts that I've got on mine,
and
Makes me smell his smell, coming
From me; he switches channels, recites
an old poem
He wrote before his mother died,
Stands, shouts, and asks
For a hug, as I shink, my
Arms barely reaching around
His thick, oily neck, and his broad back;
'cause
I see my face, framed within
Pop's black-framed glasses
And know he's laughing too.

sábado, 22 de novembro de 2008

  • John F Kennedy, Lyndon Johnson, Jackie Kennedy and others at the White House watching flight of Astronaut Alan Shepard on television, 05 May 1961

· Levemos a natureza ao psiquiatra – disse-me o meu poeta.

  • MUDAR O MUNDO. DE KENNEDY A OBAMA ©
Estou a trabalhar. Sinto-me, verdadeiramente, um adivinho. Faço uma pausa para beber um chá, penso que deveria estar às portas do paraíso mas não estou e passo os olhos por «John F. Kennedy on Leadership – The Lessons and Legacy of a President» de John A. Barnes.

E não é que hoje, faz 45 anos que John Fitzgerald Kennedy, então com 46 anos de idade, foi assassinado em Dallas, Texas? Ao dizer ao povo americano «não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, mas o que podes fazer pelo teu país» responsabilizou, para sempre, todos os cidadãos americanos pelo destino social e moral da América.

Barack Obama, nasceu no mesmo ano em que John Fitzgerald Kennedy – descendente de imigrantes irlandeses, lembro – foi eleito Presidente dos Estados Unidos da América e, como ele tem pela frente a tarefa de recuperar a alma da nação americana. Kennedy lançou o desafio da afirmação da América no Mundo e abraçou o sonho – propósito direi – de chegar à Lua. A América lançou-se ao trabalho e chegou lá.

Há 45 anos matou-se uma parte do sonho americano, o Don Sebastião americano, mas, paradoxalmente, criou-se o maior mito político da América, depois de Abraham Lincolm. Mito que Bill Clinton tentou recriar e que, em verdade, falhou (o genocídio do Ruanda será uma mancha terrível da história da sua Administração, mais do que o escândalo de natureza com Mónica Lewinsky), é, agora e numa escala planetária, exigido a Barack Obama: mudar não somente a América mas o Mundo. Mas é sábio o Obama… sabe que não é nem nunca foi um «I can», mas sim um «we can», um desígnio colectivo. Parafraseando Kennedy, não é o que o que podem fazer por nós, mas o que podemos fazer para o bem-estar de todos que está sempre em causa. Por vezes esquecemos…

E nem é preciso chamar o Rei Lear ou as andorinhas da primavera para percebermos isso – diria o meu poeta, se não estivesse no Catujal ou algures por Lisboa a navegar na sua alma.
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Post Scriptum: Ah, Kennedy tinha as suas coisas más... o embargo a Cuba, por exemplo, é uma vergonha que a América ainda não conseguiu ultrapassar e que mina a autoridade moral que almeja ter no concerto da nações.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

  • O DREAM TEAM POLÍTICO

Os americanos, não da forma como muitos desejariam, têm, na actual conjuntura, o seu dream team político. Hillary Clinton, anuncia o New York Times (jornal de referência do Estado de que Hillary Clinton é Senadora), terá aceite ser a Secretária de Estado da Administração Obama.

É, a confirmar-se, uma decisão política corajosa – como já tinha referido aqui no blog – e que revela que o próximo Presidente dos Estados Unidos da América não tem medo da competência e não vê o adversário político como inimigo. Só falta(rá) na sua equipa uma figura de referência da constelação republicana para começar a reconciliação da América pelo plano político, antes ainda de tomar posse...

  • Imagem: Barack Obama e Hilary Clinton durante a campanha presidencial

EL ARTE, Théophile Gautier

Sí, es más bella la obra trabajada
con formas más rebeldes, como el verso,
o el ónice o el mármol o el esmalte.

¡Huyamos de postizas sujeciones!
Pero acuérdate, oh Musa, de calzar,
un estrecho coturno que te apriete.

Rehúye siempre cualquier ritmo cómodo
como un zapato demasiado grande
en el que todo pie puede meterse.

Y tú, escultor, rechaza la blandura
del barro al que el pulgar puede dar forma,
mientras la inspiración flota lejana;

es mejor que te midas con carrara
o con el paros duro y exigente,
que custodian los más puros contornos;

o pídele quizá a Siracusa
su bronce en que resalta firmemente
el rasgo más altivo y delicioso;

con la delicadeza de tu mano
descubre dibujando en una veta
de ágata el perfil del dios Apolo.

Huye, pintor, de la acuarela y fija
el color demasiado desvaído
en el horno de los esmaltadores.

Haz que sean azules las sirenas
y retuerzan de cien modos distintos
los heráldicos monstruos sus figuras;

en el lóbulo triple de su nimbo,
la Virgen con el Niño, en cuya mano
hay la esfera con una cruz encima.

Todo pasa. Tan sólo el arte fuerte
posee la eternidad. Únicamente
el busto sobrevive a la ciudad.

Y la moneda rústica y austera
que un labriego ha encontrado bajo tierra,
recuerda que existió un emperador.

Hasta los mismos dioses al fin mueren.
Mas los versos perfectos permanecen
y duran más que imágenes de bronce.

Artista, esculpe, lima o bien cincela;
que se selle tu sueño fluctuante
en el bloque que opone resistencia.

  • Imagem: Verónica Zemanova

  • POLITICOS E BANQUEIROS
Oliveira Costa, antigo Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais do primeiro Governo de Aníbal Cavaco e Silva e Presidente do Conselho de Administração do Banco Português de Negócios, está desde ontem a noite a ser ouvido em sede de primeiro interrogatório de arguido detido por um Juiz de Instrução no Tribunal Central de Investigação Criminal de Lisboa.

O ex-governante e administrador bancário será suspeito de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais e, ao que eventa em Lisboa, o processo terá as suas origens em informações do Banco de Portugal e do Banco de Cabo Verde. Isto é, nos negócios entre a Sociedade Lusa de Negócios, O Banco Português de Negócios e o Banco Insular com sede em Cabo Verde.

Se a Procuradoria da República em Portugal sabe destas coisas, o Ministério Público de Cabo Verde não sabe nada? Não é crível, até porque o Banco de Cabo Verde, ao ter notícia de factos ilícitos com epicentro ou com participação do Banco Insular teria de informar a Procuradoria da República de Cabo Verde, antes de o fazer à sua congénere portuguesa. Esperemos para ver o que acontece(rá) no tempo próximo, pois estas coisas têm contornos que não passam, nem devem, pelo conhecimento público e muito menos pelo mediatismo.

Mas que ingenuidade, VB! Não sabes que os furacões nascem sempre em Cabo Verde mas nunca passam por lá? – diz-me o meu poeta.

Talvez. A verdade é que enquanto Oliveira Costa é interrogado no Tribunal Central de Investigação Criminal de Lisboa há muita gente com pupu pertôd nas terras da morabeza pois, em regra, quando chove é para todos. Se a montanha não parir um rato, pode-se estar perante a ponta de um iceberg e muitos titanic´s estarão a acender as luzes e a mudar de direcção. Oliveira Costa pertence à uma geração de políticos que passaram da política para a banca, não como bancários mas como banqueiros; o que intriga grande parte da sociedade – a que vive apertando o cinto. Mas só a estes… até agora.

Em casa que não há pão todos ralham e ninguém tem razão – vox populi. Wall Street efect, indeed.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

  • JUSTIÇA PARA TODOS? JUÍZES CONSELHEIROS VITALICIOS NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Parece que não foi desta, na última sessão parlamentar da Assembleia Nacional, que os parlamentares nacionais discutiram e aprovaram ou não as propostas do Governo para a reforma da Justiça. As razões – de uns e de outros – envergonham o sistema democrático e demonstra, claramente, que não são os relatórios externos de x, y ou z que deverão dizer qual é o estado, estádio ou a qualidade da nossa democracia, pois esta situação é de juízo lapidar, fala por si e remete-a para o grau zero. Mas dos males o menos, pois parece-me que – entre outras normas – uma merece uma particular atenção e que deve ser ponderada com alguma parcimónia. É a norma que determina o mandato vitalício dos juízes conselheiros no Supremo Tribunal de Justiça.

É uma solução que, salvo melhor opinião, deve ser explicada, e bem; sim, há que dizer-se qual é a razão de tal opção e não de outras possíveis. E nem é por causa da limitação do direito fundamental (não se trata de meras expectativas jurídicas e legítimas magistrados, não) dos juízes mais novos poderem ou não aceder ao Supremo Tribunal de Justiça; o que já seria e é bastante para não se optar por essa solução.

Criar um Tribunal da Relação como «instância de consolação» é, de todo, criar um limbo de “esperas” que criará, sem dúvidas, uma desmotivação profissional entre os magistrados que em nada abonará a favor da qualidade da justiça (há quem diga – noutras paragens que não em Cabo Verde –, e se calhar com razão, que os juízes gerem mais as suas carreiras que a justiça). Um profissional limitado – ainda que nas suas ambições, se calhar em particular neste aspecto – é o pior que se pode ter em qualquer função. Qualquer gestor, da coisa pública ou privada, sabe ou deverá disso.

Esse direito fundamental de promoção na carreira é, de todo, afectado no seu conteúdo essencial, pelo que briga com a Constituição da República de Cabo Verde; mesmo neste sistema perverso de maioria qualificada exigida para a aprovação da norma em causa. É, de todo e ostensivamente, uma injustiça a criação de uma norma com essa natureza.
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Os juízes, não nos podemos esquecer disso, são cidadãos como os demais e, assim como podem ser injustos, também podem ser vítimas de injustiças; mesmo que não percebam isso ou pensem que não. Mas percebo o silêncio dos juízes sobre esta matéria, é o silêncio da mulher de César e de respeito pelas instituições democráticas – é digno, mas imprudente. Mas existe um outro ponto de vista, sim... mas isso é pensar que o silêncio conspira consigo mesmo e guardo-o, por ora, para mim; mas é um juízo naturalmente inferível.

Além deste aspecto e outros, existe um que é de ordem sistémica e que deve ser levado em consideração: O perigo de haver uma cristalização doutrinária e jurisprudencial no Supremo Tribunal de Justiça que, em alguns casos, pode levar à injustiças ou à leituras menos adequadas das normas e a sua adequação à sociedade.

Um órgão com a natureza do STJ deve renovar-se e poder renovar-se, não ser um corpo cristalizado de juízes por um período geracional ou transgeracional. As resistências que se verificam, por exemplo, no Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América à determinadas questões – muitas vezes com leituras obtusas da realidade – é aviso mais do que bastante para se ter uma particular atenção nesta matéria. E – reitero a pergunta –, quais são as razões, a exposição de motivos, para fundamentar tal decisão? É que tal, de certeza, não foi inspiração do Anjo Azrael nem em parecer de nenhum conselho de sábio e prudentes.

  • O DESPERTAR PARA A CULTURA? ©
A dotação orçamental para o Ministério da Cultura será de 3% do Orçamento do Estado de Cabo Verde. Parece-me bem e nada de extraordinário em si mesmo. Mas alguém consegue me dizer qual foi a dotação do ano passado, da última década para a cultura cabo-verdiana? A mudança passa por aí, ou pode-se esperar mais da cultura e da sua promoção efectiva pelo Estado? É uma medida sutentada ou um sustentáculo de epifania para o Fórum sobre a Economia da Cultura?

– O Governo acordou para o valor económico da cultura – diz-me o meu poeta.

Sinceramente, espero que o meu poeta tenha razão e que o Governo, também, acorde para a dimensão social, humana e formativa da cultura. É que, convenhamos, não é uma questão de dinheiro mas sim de política ou de falta de política para a cultura. Agora que já ninguém acredita em revoluções, o pragmatismo é a palavra de ordem. Entendo, mas venham de lá as políticas de e para a cultura.
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  • Imagem: Mao Tze Tung, Andy Warhol

  • Perguntar não é não saber, é colocar o outro a pensar na(s) resposta(s) que pensa que sabe ou que pensa que precisamos saber. Perguntar é levar o outro a descobrir que, afinal, não sabe – disse-me o meu poeta.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

  • SUSPENDER A DEMOCRACIA PELO MANUELISMO? ©
Mas como é possível falar-se na possibilidade de suspensão da democracia para se «por tudo em ordem»? Onde estamos, afinal?... Se em alguma coisa se cumpriu o 25 de Abril foi a ideia de democracia, mesmo com as suas vicissitudes e limitações.

Certamente que a M.I. Manuela Ferreira Leite não pensou na velha Atenas, onde, em momentos de crise, se suspendia a vontade da cidadania, o sistema político e as liberdades para se eleger um ditador para “por a casa em ordem”. Não… não pode ter pensado nisso, pois nem estamos no Século de Péricles nem me parece que, assim, venhamos a inaugurar uma era Manuelina – desta, seja dito. Não se mudam as vontades, mas os tempos, esses sim. Há quem não entenda isso, de ambos os lados da barricada…

Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em conferência proferida na Faculdade de Direito da Wilhelms Universität, em Münster, Alemanha, sentenciou, assertivamente, que “onde os direitos e garantias fundamentais não são efectivamente protegidos, não há como se falar em Estado de Direito e tampouco em democracia”.

É…, o que a M.I. Manuela Ferreira Leite disse é que é equacionável a suspensão dos direitos fundamentais dos cidadãos para «por as coisas em ordem». E, imagine-se, no contexto da justiça! Não importam as boas intenções subjectivas da líder do PSD, o que importa é que quem anseia Governar o país não pode pensar em tal possibilidade e muito menos dizê-la. É de inferir que se a M.I. Manuela Ferreira Leite pudesse «suspender a democracia» e tudo o que representa por seis meses, fá-lo-ia. O pior é que seis meses de poder nunca chegam. E isso é de temer; e se é de temer, como diria Thomas Jefferson, é tirania.

Sim, é legitimo inferir que se está perante uma mensagem subliminar transvestida de infeliz ironia de quem se sentirá herdeira da história portuguesa de ex-Ministros da Finanças providenciais. A história não é aterro sanitário da memória. Lembro.

Da crise de 1929 ao Estado Novo, da crise dos anos oitenta ao cavaquismo e, agora, na crise do liberalismo selvagem – pensará Manuela Ferreira Leite –, porque não o Manuelismo com o enterro necessário do 25 de Abril e da sua conquista maior por seis meses? Sim, se calhar, portugueses, deveríamos pensar nisso… – eu estou aqui para Vos salvar.

Por incrível que possa parecer, o povo ouve estas coisas. O mesmo povo que, há pouco, muito pouco tempo, considerou António de Oliveira Salazar a figura do século XX português, que escuta rumores de “descontentamentos” de militares com complacência e não resiste a regressão escandalosas dos direitos económicos, sociais e culturais conquistados com o 25 de Abril.
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O que vale é que a democracia do Portugal da Europa já tem músculos bastantes para aguentar intemperanças verbais e/ou de intenções plasmadas em actos falhados. Valha-nos isso, pois não creio que S. Thomas Morus interceda ou faça alguma coisa a favor de certas coisas e pessoas, não…

  • VOZES DE ATENTAR
“A verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição constitucional”, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em conferência na Universidade de Münster, Alemanha (18 de Novembro de 2008)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

  • ACORDA A CIDADANIA SILENCIADA

O site africanidade anunciou o que se sabia e era esperado há muito: um cidadão de origem cabo-verdiana será candidato à Câmara Municipal da Amadora. Ao caso, Francisco Pereira.

Em Lisboa, haverá um outro candidato de origem africana. Odivelas, Loures e outros locais improváveis, também… vai-se sabendo, devagar. É uma revolta contra na não inclusão dos afro-descendentes nos quadros e nas listas dos partidos políticos, se ser para colorir.

Aplaudo a candidatura de Francisco Pereira, com a sensação de que não andei, durante anos, a pregar no deserto. E fico à espera das outras candidaturas, necessárias. E não se pense que se está perante qualquer mimetismo, não…

DESPERTANDO OS FANTASMAS

Há coisas que se vestem de aparente singularidade mas que nos revisitam diariamente. Adolfo Hitler é adágio desta realidade. Adolfo Hitler, que queria uma “raça pura”, era deficiente físico causado pela doença de Parkinson – como se pode ver pela forma como sustem o seu braço esquerdo – e não preenchia os requisitos de qualquer ideia de «superioridade», quer física quer moral.

Ah, e o grande defensor da Alemanha para os alemães, o xenófobo mor do ocidente, o pai do nacional-socialismo alemão e de todos os xenófobos deste Mundo era… austríaco. Sim, um cidadão austríaco naturalizado alemão.

Perseguimos os nossos próprios medos, os nossos fantasmas – diz-me o meu poeta.
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  • Imagem: Adolfo Hitler em parada militar

  • A RESTAURAÇÃO DA POLÍTICA
Barack Obama anunciou que irá fechar a prisão de Guantánamo em Cuba e que os Estados Unidos da América sairão do Iraque no prazo de 16 meses a contar da sua tomada de posse em Janeiro. Ao mesmo tempo encontrou-se com John MacCain, o seu adversário nas eleições presidenciais, para auscultá-lo sobre matérias de interesse nacional.

Para alguns políticos atentarem. As promessas devem ser cumpridas e os interesses das nações estão acima das divergências e da cor política. Os adversários políticos não são, de todo, inimigos. Começou a restauração do estatuto moral da América? Creio que sim, mas será um longo, muito longo caminho.
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  • Imagem: Prisão de Guantánamo

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

  • O NOVO GENOCÍDIO CONGOLÊS ©
A República Democrática do Congo, antigo Zaire, era, durante o período colonial, chamado de Congo Belga, e os belgas se sentiam tão donos do Congo que, durante o período colonial, se cifra em 20 (vinte) milhões o número de vítimas da barbarie colonial que desenvolveu à saciedade.

E um genocídio histórico esquecido. Assim como o que se passa em Darfur (lembram-se das tragédias do Ruanda e do Burundi?) e, de novo, no Congo. A ONU diz que os criminosos não ficarão impunes, que serão levados a Tribunal. Mas, entretanto, não faz nada de sustancial para acabar com as violações em massa, as mortes gratuitas de civis, a escalda inusitada do conflito armado e o desatre humanitário que, necessariamente, se seguirá.

Ah, e pensava a ONU e a UE que o exílio silencioso de Jean-Pierre Bemba em Portugal (mais tarde gorada, ao que parece...) pudesse resolver alguma coisa na complexa rede de poder e de interesses que têm minado a estrutura social do país. Quantos mais africanos terão de morrer para o Mundo «desenvolvido» perceber que nós, os africanos, não aguentamos mais genocídos ? Todos nós?... Será ?

Agora que Angola emerge do caos provocado pelo conflito armado, que começa a mostrar capacidade de desenvolvimento, eis que aparece nas suas fronteiras o conflito armado congolês, para travar, uma vez mais, o desenvolvimento do país. Cansa-me, azucrina-me a alma estas coincidências espúrias. E que, do ponto de vista técnico jurídico, trata-se de um conflito armado interno, de uma questão interna da República Democrática do Congo e fora do foro do Direito Internacional – o que legitima a «não ingerência» da comunidade internacional.

O pedido de ajuda à Angola é admissível – pela vizinhança e solidariedade, mas somente por isso –, mas mais ainda à comunidade internacional que fica calada, quieta, a ver que despojos restarão e que «exemplos» mais terão para a Justiça do Tribunal Penal Internacional. Mas e a outra justiça, a verdadeira justiça que manda não fechar os olhos à iniquidade, onde, onde está?

As vezes, sinceramente, chego a pensar que a Justiça não é para África mas que a justiça repressora foi feita para os africanos. Nestes momentos, peço a Deus para me dar a graça de estar sinceramente errado.

  • Imagem: Darfur, Sudão


O poder é o dinheiro da alma – disse-me o meu poeta.

  • SOBRE A INDUSTRIA CULTURAL
«La industria cultural defrauda continuamente a sus consumidores respecto de aquello que continuamente les promete. La letra sobre el placer, emitida por la acción y la escenificación, es prorrogada indefinidamente: la promesa en la que consiste, en último término, el espectáculo deja entender maliciosamente que no se llega jamás a la cosa misma, que el huésped debe contentarse con la lectura de la carta de menús.

Al deseo suscitado por los espléndidos nombres e imágenes se le sirve al final sólo el elogio de la rutina cotidiana, de la que aquél deseaba escapar. Tampoco las obras de arte consistían en exihibiciones sexuales. Pero, al representar la privación como algo negativo, revocaban, por así decir, la mortificación del instinto y salvaban —mediatizado— lo que había sido negado. Tal es el secreto de la sublimación estética: representar la plenitud a través de su misma negación. La industria cultural, al contrario, no sublima, reprime.

Al exponer siempre de nuevo el objeto de deseo, el seno en el jersey y el torso desnudo del héroe deportivo, no hace más que excitar el placer preliminar no sublimado que, por el hábito de la privación, ha quedado desde hace tiempo deformado y reducido a placer masoquista. No hay ninguna situación erótica en la que no vaya unida, a la alusión y la excitación, la advertencia precisa de que no se debe jamás y en ningún caso llegar a ese punto. El Hays Office no hace más que confirmar el ritual que la industria cultural ha instituido ya por su cuenta: el de Tántalo. Las obras de arte son ascéticas y sin pudor; la industria cultural es pornográfica y ñoña. Así, ella reduce el amor al romance; y de este modo, reducidas, se dejan pasar muchas cosas, incluso el libertinaje como especialidad corriente, en pequeñas dosis y con la etiqueta de «atrevido».

La producción en serie del sexo opera automaticamente su represión. La estrella de cine de ¡a que uno debería enamorarse es, en su ubicuidad, por principio una copia de sí mismo. Toda voz de tenor suena exactamente como un disco de Caruso, y los rostros de las chicas de Texas se asemejan ya, en su estado natural, a los modelos exitosos según los cuales serían clasificados en Hollywood.

La reproducción mecánica de lo bello, a la que sirve tanto más ineludiblemente la exaltación reaccionaria de la cultura en su sistemática idolatría de la individualidad, no deja ningún lugar a la inconsciente idolatría a cuyo cumplimiento estaba ligado lo bello. El triunfo sobre lo bello es realizado por el humor, por el placer que se experimenta en el mal ajeno, en cada privación que se cumple. Se ríe del hecho de que no hay nada de qué reírse.

La risa, reconciliada o terrible, acompaña siempre al momento en que se desvanece un miedo. Ella anuncia la liberación, ya sea del peligro físico, ya de las redes de la lógica. La risa reconciliada resuena como el eco de haber logrado escapar del poder; la terrible vence el miedo alineándose precisamente con las fuerzas que hay que temer. Es el eco del poder como fuerza ineluctable. La broma es un baño reconfortante. La industria de la diversión lo recomienda continuamente. En ella, la risa se convierte en instrumento de estafa a la felicidad. Los momentos de felicidad no la conocen; sólo las operetas y más tarde el cine presentan el sexo con risotadas. Baudelaire, en cambio, tiene tan poco humor como Hólderlin.
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En la falsa sociedad la risa ha invadido la felicidad como una lepra y la arrastra consigo a su indigna totalidad. Reírse de algo es siempre burlarse, y la vida, que, según Bergson, rompe en ella la corteza endurecida, es en realidad la irrupción de la barbarie, la autoafirmación que en todo encuentro social que se le ofrece se atreve a celebrar su liberación de todo escrúpulo.

El colectivo de los que ríen es una parodia de la verdadera humanidad. Son mónadas, cada una de las cuales se entrega al placer de estar dispuesta a todo a costa de todas las demás y con la mayoría trás de sí. En semejante falsa armonía ofrecen la caricatura de la solidaridad. Lo diabólico en la risa falsa radica justamente en el hecho de que ella parodia eficazmente incluso lo mejor: la reconciliación. El placer, en cambio, es severo: res severa verum gaudium.» In, Max Horkheimer y Theodor W. Adorno, Dialéctica de la Ilustración - Fragmentos filosóficos, Valladolid, 1998, p.184-185
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  • Imagem: Acrópole, Atenas, Grécia

VER, VERDADEIRAMENTE VER

Sei que não verás que o piano foi feito em Paris… nem que o verniz do tampo do teclado é tão transparente que se consegue ver o reflexo e a cor das teclas projectadas na sua superfície. Deve ser verniz celuloso marítimo, quatro ou cinco camadas aplicas em ambiente de estufa... Se o tocasses, sentirias o mesmo frio desesperante e consolador que emana do mármore.

O verdadeiro conhecimento vem de coisas simples, de sermos capazes de ver em nós o que nela existe – digo ao meu poeta.

  • Imgem: Viviane Araújo

domingo, 16 de novembro de 2008

  • O MAL RADICAL

Em Shangai, China, esta deseja peixe fresco...

Em Darfur, Sudão, esta deseja poder comer...

«A barbárie reaparece, mas desta vez ela é engendrada no seio da própria civilização e ela é parte dela», Karl Marx

  • O MEU POETA
Sou um grande admirador dos três sagrados Miguéis; a saber, Miguel Servet, Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno.

– E o Miguel de Daniel, o querubin vingador, o que dá o nome a estes todos? – pergunta-me o meu poeta.

– Ando a procurar razões de admiração, meu poeta. Ando a procurar…
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  • Imagem: Egipto ao anoitecer

  • SE TE ATRAEM OS MAUS RAPAZES – Theodor Adorno

Se te atraem os rapazes maus. - Há um amor intellectualis pelo pessoal de cozinha, a tentação dos que trabalham teórica ou artisticamente de afrouxar a exigência espiritual em si mesma, de descer abaixo do seu nível, de seguir no seu tema e na sua expressão todos os possíveis hábitos que, enquanto atentos conhecedores, rejeitavam.

Visto que nenhuma categoria, nem sequer a cultura, já está dada ao intelectual e milhares de exigências da actividade comprometem a sua concentração, o esforço para produzir algo razoavelmente sólido é tão grande que já mal resta alguém dele capaz. Além disso, a pressão do conformismo, que pesa sobre o produtor, diminui a exigência sobre si mesmo.

O centro da autodisciplina intelectual enquanto tal entrou em decomposição. Os tabus, que constituem a categoria espiritual de um homem e são, muitas vezes, experiências sedimentadas e conhecimentos inarticulados, dirigem-se sempre contra os próprios impulsos que ele aprendeu a reprovar, mas estes são tão fortes que só uma instância inquestionável e inquestionada os consegue deter. O que é válido para a vida pulsional não o é menos para a vida espiritual: o pintor e o compositor que se interditam esta e aquela combinação de cores ou de acordes como vulgar, o escritor que se enerva em razão de certas configurações linguísticas por banais ou pedantes, reagem tão intensamente porque neles próprios há estratos que nesse sentido os atraem.

A recusa da inessência dominante da cultura pressupõe que nela se participe o suficiente para a sentir, por assim dizer, palpitar entre os próprios dedos, mas que ao mesmo tempo dessa participação se extraíram forças para a denunciar. Mas tais forças, que emergem como forças da resistência individual, não são de índole meramente individual.

A consciência intelectual em que elas se concentram tem um momento social, tal como o superego moral. Constitui-se ele numa representação da sociedade justa e dos seus cidadãos. Se tal representação alguma vez esmorecer - e quem poderia entregar-se a ela com uma confiança cega? -, o impulso intelectual para baixo perde a sua inibição e vem à luz toda a imundície que a cultura bárbara depositara no indivíduo: a semi-formação, a indolência, a credulidade grosseira, a brutalidade.

Na maioria dos casos, racionaliza-se também ainda como humanidade, como a vontade de buscar a compreensão dos outros homens, como responsabilidade cheia de experiência do mundo. Mas o sacrifício da autodisciplina intelectual torna-se demasiado fácil para aquele que o assume, de maneira que nele se possa acreditar que se trata de um sacrifício.

A observação torna-se drástica para os intelectuais cuja situação material se alterou: logo que conseguem de algum modo persuadir-se de que ganharam o seu dinheiro a escrever e não de outra forma, deixam que permaneça no mundo, até ao pormenor, o mesmo lixo que outrora, como acomodados, tinham veementemente proscrito. Assim como os emigrantes, que um dia foram ricos, são amiúde, no estrangeiro, tão complacentemente avarentos como já de bom grado o teriam sido na pátria, assim os empobrecidos no espírito marcham com entusiasmo para o inferno, que é o seu reino dos Céus.». in Theodor W. Adorno, Mínima Moralia, Edições 70, Lisboa, s/d, p.22-23

  • Imagem: Amedeo Modigliani, Portrait of the polish poet and art dealer Leopold Zborovski (1889-1932)