quarta-feira, 16 de julho de 2008

  • CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA
Dulcineia del Toboso does not exist!
So, where are you, Don Quixote de la Mancha?

I heard you cry at the water margin´s:

Se não és, ó pomba madruga,
a alma prima do Deus da espera
és a mãe do desejo a preparar-me
o ninho recosto do meu berço voado.


Hoy, Yo no te encontro en las espaldas del tiempo... desgraciado tiempo, insensato e olvidado tiempo! Hay que meditar; sí, es verdad mi amigo. El viaje me ocupará más de una vida, pero sí no voy me volveré loco como los demás.

  • TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PERSEGUE TUBARÕES AFRICANOS
Depois de Charles Taylor, ex-Presidente da Libéria – que está a ser julgado por um Tribunal especial da Serra Leoa e da ONU por crimes contra a humanidade (arrepiam-me os “tribunais especiais”, ainda possam parecer necessários e muitas vezes são) –, é a vez de Omar Al-Bashir, Presidente em exercício do Sudão, ser acusado pelos procuradores no Tribunal Penal Internacional (TPI) de genocídio, crimes contra a humanidade e genocídio.

Serão por estas razões que muitos Estados não ratificaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ou o medo de estar-se a criar e a alimentar um poder judicial – com competências penais – supra estatal que contorne os princípios de soberania e não ingerência constantes da carta da ONU?

O inominável incidente acontecido com Thomas Lubanga Dyilo no TPI é a prova mais do que suficiente de que, infelizmente, há razões para temer e desconfiar-se do sistema de justiça do Tribunal Penal Internacional.

Mas, pergunto: porquê é que não se vai, também, atrás dos “outros” Senhores da guerra – nomeadamente os que manipularam a verdade para destruir um povo e uma nação milenares, somente, como se verifica agora, por amor ao poder e à ganância?

Pois..., os que poderosos que disseram não ao TPI e ao seu Estatuto e que não há força capaz de os subjugar (e quando o poder se junta à mentira...). A justiça não é justa, não. Ah, dói-me a alma! Apetecia-me dizer que ser “pobre é fodido”, mas como não dá para dizer, escrevo: ser pobre é fodido!

Ou será que devo ou deveria dizer, to be rich and powerful is great? Espero ver os procuradores do TPI a perseguirem os grandes tubarões, além dos tubarãozinhos africanos. Alguns dos medos que eventados aquando da discussão do Tribunal Penal Internacional parecem emergir. É que a justiça é feita de homens e nós somos o mais cruel predador do planeta; a ambição move-nos mais do que qualquer outra coisa; infelizmente.
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Estou, deveras, curioso em saber como é que os procuradores do TPI irá conseguir executar o mandato de detenção internacional (que o Tribunal deverá emitir) contra o Omar Al-Bashir para o fazer presente ao Tribunal Penal Internacional. O telefonema do Presidente sudanês ao Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon – e a resposta deste, remetendo para a independência dos procuradores junto do TPI – é prova de que o mesmo será sujeito a um isolamento forçado dentro do seu próprio país.

E as consequências dessa acção? Alguém terá pensado nelas? Ah, é Sudão!... – pensarão, certamente. Não me admiraria muito se Omar Al-Bashir fosse objecto de uma acção análoga à captura de Manuel Noriega, ex-Presidente do Panamã, pelos Estados Unidos da América. A ver vamos...
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  • Salvador Dali, Hitler Masturbating (1973)

terça-feira, 15 de julho de 2008

  • A TORMENTA DO MEU POETA
Ontem, o meu poeta aproximou-se de mim ao anoitecer e, com os olhos ludibriados pela Fortuna e por Fama, disse-me lamentoso:

– Confessor, ando angustiado...

Angustiado..., o meu poeta! Mas isso não é coisa natural num poeta? – pensei em sossego de escuta. Cônscio de que não poderia dar-lhe nenhuma penitência (até porque já não devo fazer isso), fosse qual fosse a razão, resolvi escutar o meu poeta; como é, aliás, longa consuetudine.

– Que tens, meu poeta? Diz-me o que te apoquenta, pareces ter os olhos e a alma em ruínas. Sim, diz-me o que pastoreias...
– Ah, nada; nada confessor. É a minha alma; inclinou-se e não sei o que fazer com isso. Estava certo de que nunca haveria tempestades, que todos os portos eram de partida; mas vejo que não e a minha alma está, agora, golfando incontroláveis chamas. Mas tu; sim, tu confessor; deves saber o que fazer...
– Se o dizes, meu poeta; se o dizes é porque terás as tuas razões...

[...]

Oh! Consternou-me, o meu poeta...
Entre Lisboa, Londres, Paris, S. Nicolau, Mindelo, o Sul, finisterra... nasceu um sonho madrugador na alma do meu poeta. E que faz, o meu poeta? Faz tudo, menos o que sonha; mas sonha, dia e noite, fazer tudo o que sonha. A alma do meu poeta nasceu no mar, inclina-se – naturalmente, diz – ao mar e sonha morrer com o sorriso dos gemidos dos oceanos como consolo (há dias em que – confessou-me – sonha com o sal da sua vida e acorda, no ventre da noite, para descobrir que tem o aroma da terra verve inundando o seu corpo). Por isso navega no sonho em vez de transportar o Sol para a madrugada, cogito.

Ah, o meu poeta!... Pela primeira vez não entendi o meu poeta. Parecia-me (hoje constatei a mesma coisa) um menino que, em tempos idos, os pais me levaram para baptizar. Disse aos previdentes progenitores: «Oh, deixem-no! É demasiado pequeno e são para saber o que é o pecado.» Assim vejo o meu poeta – demasiado simples para perceber que o seu necessário silêncio não é pecado somente para ele que não entende que o mundo e a sua alma querem tudo no seu berço.

Ah, coitado do meu poeta!... Não percebe o meu poeta, mas encontrou a única coisa invencível na existência; que não lhe caiu um manto negro sobre o coração mas sim que lhe foram retiradas as vestes do seu verbo cimba – um raio de luz saiu das suas entranhas e vicejou o seu ser. E não entende, o meu poeta...

Transitou do silêncio do sonho para o silêncio da morte – quer falar e é recém-nascido; o Mundo da palavra silente entrou, em avanço mandibular, no seu planalto. Ah, sim; que dizer ao meu poeta? Só sei que se não segue o seu sonho (acrescentei-lhe severamente, mesmo sabendo que não me entendia) irei ao seu enterro e sobre a sua sepultura escreverei como epitáfio: «jaz aqui o poeta que fugia do sonho».

O que a tormenta aferrada fez ao meu poeta! Salvai-vos da poesia!, digo – eu que fui contaminado pelo meu poeta e escrevinho umas letras primárias para libertar a alma dos dias e o reboar da noite erma.

Quase estive para dizer ao meu poeta que o que precisava não era de um conselho, não; precisa, sim, é de um coração com olhos. Mas seria injusto com o meu poeta, pois esse é o seu problema, a razão da sua tormenta. Mas, porque devo abrir os olhos ao meu poeta? Sim, para quê ajudar um cego voluntário a ver a dor teleológica da sua condição? Livre arbítrio – dir-me-ão. Ah, não! Este anda bem sem pesares e navega mal à bolina.

Bem, não sei porquê mas contei ao meu poeta uma história Mindelense com a sua idade e mandei-o ouvir Melody Fair. Sinto que; não!, sei que fui injusto com o meu poeta; mas, com o tempo, irá entender. O meu poeta não sabe, mas tornámo-nos irmãos não de sangue e ventre mas de alma; prostrámo-nos perante o mesmo mistério – o Deus visível com o coração.

Mas, então, o que custa ser solidário com o silêncio do meu poeta? Nada como descobrir... Ademais, o meu poeta foi passear e desejou-me o mais belo céu azul à eira das estrelas, deu-me um manto de sonhos e um abraço com toda a sua esperança.

  • Salvador Dali , The happy unicorn


  • Salvador Dali...

Amaba todo lo belo, pero descuidaba su belleza y vestía de cualquier manera. No soportaba los requiebros de los jóvenes, pero en los livros releía únicamente las páginas que hablaban de amor.
in Iván Turgueniev, Clara Mílich, Madrid, 2007, p.63
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  • La pietá, Salvador Dali

  • PEDRO PIRES, O CONDECORADOR
A propósito do decreto presidencial de Pedro Pires que condecorou algumas associações em Portugal, uma pergunta que me persegue há dias: As associações de imigrantes que têm trabalho em prol da emigração cabo-verdiana só existem em Portugal?

Diz o Presidente da República que essas associações "têm grandemente contribuindo para o desenvolvimento da solidariedade social entre os emigrantes e para manter viva a sua ligação à Terra-Mãe". Mas será que a Presidência da República tem a mínima, mas a mínima ideia, sobre o que se passa em Portugal e sobre o trabalho que se faz e quem o faz em prol da comunidade?

A resposta é, claramente, não!

A Associação Cabo-verdeana (ACV) – pela sua história e ser a mais antiga associação de imigrantes em Portugal e provavelmente a mais antiga do associação de cabo-verdianos do planeta – há muito que merecia uma distinção honorífica do Estado de Cabo Verde.

Mas agora, sim, agora não era nem é o momento adequado para isso. E se a Presidência da República não sabe isso, o que fazer? Creio que a própria Direcção da ACV deverá estar perplexa (parece que os condecorados não foram previamente ouvidos, antes da publicação do Decreto presidencial...), pois há muito que espera mais do Estado de Cabo Verde e, com ou sem razão, deverá pensar que merecia um outro momento. Como sócio da instituição é o que penso, e não me encontrarei só, não.

Mais ainda. O quê é que o Congresso de Quadros Cabo-verdianos na Diáspora fez em concreto, até hoje, em prol das comunidades imigradas em Portugal e para Cabo Verde para merecer tal distinção? Quem souber, que me diga. Sou 1,85 cm de ouvidos! Quem souber, merece que lhe pague um jantar na Casa da Morna, ah, merece! Se for preciso equipamento de garimpeiro, avise...

Voltarei ao assunto, quando for oportuno; e vai haver tempo para isso. O certo é uma coisa: Mascarenhas Monteiro ficou conhecido como um presidente corta fitas, o Presidente Pedro Pires – que já teve muitas oportunidades para ser um Presidente para a história de Cabo Verde – arrisca-se, infelizmente pois é um bom homem, a ficar conhecido como Pedro Pires, o Condecorador; é que, assim, não restará quem condecorar no futuro, dir-me-ão.

O pior é que isso não é verdade, pois muitos que mereciam e merecem ser condecorados não o são. Mas a história dar-lhes-á razão; não podemos fugir do juízo da história. Além do mais, para responder à questão inicial, esta decreto presidencial arrasta um quê de injustiça (e é mais do que um parecer) para com as demais associações da diáspora que, abnegadamente, trabalham em prol das comunidades cabo-verdianas.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

«[…] And it seemed to me, too, that the violence which rose all about us as my father left the world had been devised as a corrective for the pride of his eldest son. I had declined to believe in that apocalypse which had been central to my father's vision; very well, life seemed to be saying, here is something that will certainly pass for an apocalypse until the real thing comes along.

I had inclined to be contemptuous of my father for the conditions of his life, for the conditions of our lives. When his life had ended I began to wonder about that life and also, in a new way, to be apprehensive about my own."
in James Baldwin, Notes of a Native Son, 1955
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  • Knights of Death, 1937, Salvador Dali

A IDENTIDADE NACIONAL E A IDENTIDADE CABO-VERDIANA DIASPORIZADA in Liberal on line

  • Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde. Foto de Nuno Pombo Costa

  • GRITOS DE SÉFORA

Eli, Eli…
É um grito compartilhado contigo
nazareno de eros
como eu – frutos.

A superfície frontal da mãe-terra
suporta as raias e os fundamentos
do mundo,
diz a margarida landa,
o grito silencioso na noite quente,
tu, na baía reconstruída
pelo chá.

Sabes que Eneias
gritou no funnus dos amigos
nas margens da minha outra mãe
banhada de lua
e crepitar de alma ardente
só para hoje me lembrar de ti?...

Que Calvino sentou em Genebra
uma orta cansada de Origenes,
Valentiniano e um Saulo alexandrino
para retirar uma seiva de sangue
a lavar rosas na assomada
do teu beijo?

E – maldito dia de comissões –
que Longino depois da hora nona
embalou o seu filho adulterino
e deu-lhe um nome semita e redentor
enquanto escutava,
e escutava como tu: Eli, Eli…

Que o segredo de Jefferson –
para contrariar a gramática com a vida –
não era negro, mas negra?

Dizem que era opulenta,
jorrava luz da pele
e manava sardónias na voz
quando sentia nas costas o algodão
que lhe calejou as mãos
nos dias que também gritava: Eli, Eli…

Dizia-lhe o Senhor para redimir-se
(estávamos lá para escutar):
«És uma Séfora dos dias,
filha dilecta e lado esquerdo de Deus
a ver-te
quando ainda sem nome
tua mãe era Mauritânia, Lybia,
Egipto, Numídia e Cartago…»

Sei, isto tudo és tu,
roda dia de ácido desoxirribonucleico,
minha pátria, dádiva mátria
que escutas sem voz o teu ventre antigo
gritar; ali, ali mesmo,
nas tardes intrigo do Sudão…
Lisboa, 13.06.2006

  • Boris Vallejo, Torch

  • DESCOBRIMENTO
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trémulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando para mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
Muito longe de mim
Na escuridão activa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
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Esse homem é brasileiro que nem eu.

Mário de Andrade

  • Imagem: Three women, Nikos Hadjikyriakos Ghikas

domingo, 13 de julho de 2008

Yes, it happened!... And it must be remmebered as an advise to everyone.

  • Imagem: Auschwitz-Birkenau Concentration Camp. Selection of an arriving transport of jews from Hungary.

Visabato in virga iniquitatis eorum et in flagellis peccata eorum; misericordiam autem mean non dispergam ab eis. Salmos, LXXXVII.33-34
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  • Imagem: Thor and the Midgard Serpent

«A sedução da vida é breve sonho.»
Petrarca

  • O INVISÍVEL LÁTEGO
Invisível látego
este matiz de dia que te aflige
de sonhos.

Manto desordenado
este que paira em teus lábios
sedentos de manjares inominados...

E não há voz que te acuda!
Só olhos canibais,
desejos redesenhados,
mãos ciganos
te procuram
– em ti há mais chá e mel que oiro...

A verdade,
sabemos, tu e eu:
Só os pobres cantam
«riqueza não dá felicidade»
e somente os feios arvoreiam
que «beleza interior é que importa.»
Não têm olhos sem Eros,
não são mãe,
nem pai
ou tu.

E de ti,
cortesã de mãe terra e ideia,
as mossas das auroras
salpicam o dizer:
«Sou filha do pródigo,
em dia de festa reclamada,
desdenhada e não lida,
mas sou uma Laura negra,
com oiro como véu,
semblante angélico,
prole viajante
e céu, sim céu
com aroma de alecrim do Porto Novo
pois ontem choveu
e na minha pele germinou
hoje, outra vez,
este matiz de vida...»
.
  • A pedido de um amigo, fica aqui a republicação de mais um dos meus poemas.
  • Imagem: Desejo, Luis Royo

Being beneath and not above is a curse.
Jerry Savelle, Godly Wisdom for Prosperity, Tulsa, 1980, p.85
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… No, no! It´s not that you´re thinking…
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  • Imagem: Selva negra

  • SEPULCRO DE JASÓN, EL ARGONAUTA. HABLA EN ÉL UN PEDAZO DE LA ENTENA DE SU NAVE, EN CUYA FIGURA SE SUPONE ESTÁ PROSOPOPEYA

Mi madre tuve entre ásperas montañas,
Si inútil con la edad soy seco leño;
Mi sombra fue regalo a más de un sueño,
Supliendo al jornalero sus cabañas.

Del viento desprecié sonoras sañas,
Y al encogido Invierno el cano ceño,
Hasta que a la segur, villano dueño
Dio licencia de herirme las entrañas.

Al mar di remos, y a la patria fría
De los granizos velas; fui el primero
Que acompañó del hombre la osadía.

¡Oh amigo caminante, oh pasajero,
Dile blandas palabras este día
Al polvo de Jasón mi marinero!
Francisco de Quevedo

  • Imagem: La pietá, Miguel Angelo Buonarotti

sábado, 12 de julho de 2008

The daughters of Martin Luther King Jr., Malcolm X, Johnnie Cochran, Muhammad Ali and Sidney Poitier in their first conversations together.

  • Watch "Daughters of Legacy," Saturday & Sunday 6 p.m. and 11 p.m. ET on CNN

I am not the source of all the evil and sin in the world.
[…] they maintain that good and evil do not exist because everything emerges from God, and even I am part of Him.
The Devil´s complains in Orhan Pamuk, My Name is Red, London, 2001, p.351

. Um livro extraordinário, uma obra para a história da literatura. Merecedora de ser lida com a alma toda. Além de um escritor fabuloso, Orhan Pamuk é um dos escritores mais cultos da moderna história da literatura, e revela-o nesta obra fabulosa. A espera de conhecer edição em Portugal, como sempre... E depois venham cá queixar-se do nível cultural dos cidadãos!

  • Imagem: Luis Royo, People of the island (detail)

Basta que haja um só homem que transcenda a classe para que todos os homens sejam susceptíveis de a transcender também. In Eduardo Lourenço, Heterodoxia I e II, Lisboa, 1987, p.36

  • O ESCRAVO CRISTIANO RONALDO
O Presidente da FIFA, Joseph Blatter, afirmou que o jogador Cristiano Ronaldo «deve poder deixar o Manchester para ir para o Real Madrid, se é isso que deseja". Sem mais. Então, e os contratos – já não valem de nada?

Bem, segundo o mesmo dirigente da FIFA a «compra e venda» de jogadores, é uma «escravatura moderna». O jogador, mortinho para ir para Madrid – sua (bela) namorada é espanhola, além de engrossar a sua conta com mais alguns milhões de euros – não se fez rogado e disse a um canal de televisão português:

- "Concordo completamente com aquilo que o presidente da FIFA disse hoje."

Isto é, o milionário Cristiano Ronaldo sente-se escravizado; é um escravo do Manchester United! Trabalha cerca de 3 a 4 horas por dia, recebendo aproximadamente 800.000 euros por mês – qualquer coisa como cerca de 25.000 euros por dia – e sente-se escravizado! O cidadão português comum nem imagina o que isso é, e, recebendo cerca de 600 euros/mês, trabalha 8 horas por dia sem se sentir escravizado, ainda que seja, muitas vezes (em particular os estrangeiros), explorado.

Mas saberão o Cristiano Ronaldo e o Joseph Blatter que o conceito de escravo não é tão linear como pensarão? De certeza que não conhecem a figura do escravo de orelha furada da sociedade hebraica patriarcal e, muito menos, o de escravo em Roma e o que isso significa na modernidade (aliás, parece-me que não sabem o que é isso da “modernidade”...). Mas, como se diz, cada um sabe o que sabe.

Um homem livre podia, em Roma, vender a sua liberdade para pagar as suas dívidas; sujeitando-se à condição de escravo. Era, então, um negócio jurídico lícito; hoje não. O Sr. Blatter confunde uma relação contratual – que pode ser constituída com jogadores de futebol, gestores ou chefs de cozinha – em que as partes assumem determinadas obrigações; inclusive com regras determinadas pela própria FIFA!

Uma dessas obrigações, a primeira, é cumprir com o contrato. Se uma das partes não quiser cumprir com o contratado, existem, naturalmente, cláusulas penais, chamadas em futebolês ou, se se quiser, direito desportivo, de clausula de rescisão (que na verdade é uma cláusula penal). Se for o clube, terá de pagar os valores do contrato, se for o jogador, terá de pagar (ou um clube por si, em regra) a cláusula do contrato que o deixa desobrigado perante a sua entidade patronal ou outrem que pode ser um empresário.

Dizer que isso é escravidão é não saber o que se está a dizer; melhor seria estarem calados. Escravo na “modernidade” é outra coisa – em forma inventada pelos europeus conquistadores quando iniciaram a prática do rapto de homens livres entre os povos indígenas de África para os forçar a trabalhar para as suas roças e fazendas sem salário nas Américas e no Novo Mundo ou, ainda, como fizeram com os nativos sul-americanos.

Isso, sim, é a “escravidão moderna”. Na época pós moderna ou contemporânea (em que vivemos) subsistem, em alguns países, algumas dessas formas de escravidão. Sim.

Saberão o Cristiano Ronaldo e a FIFA que os produtos da Nike (promovido por Ronaldo, a troco de milhões) e a Adidas (sponsor oficial da FIFA) são feitas por pessoas (inclusive crianças) que trabalham em condições que só se pode considerar de escravidão? Que, na Indonésia, essas pessoas são sujeitas a abusos, de toda a ordem, desde sexuais a trabalhos em horários excessivos – análogos a trabalhos forçados – e sem direito a um único dia de férias anual? Isso, sim, Joseph Blatter, Cristiano Ronaldo, é escravidão! E contribuem, ambos, para isso – ao promoverem essas empresas! Logo, indirectamente, são coniventes com essas realidades.

Assim como existem novas formas de escravidão humana, como a sexual ligada ao criminoso tráfico de seres humanos; e uma outra – por sinal florescente entre os milionários: a da ignorância!

Ao contrário dessas pessoas (na Indonésia e outras partes do Mundo) – que são obrigadas a aceitar os contratos de trabalho precários, o Cristiano Ronaldo tem um contrato de excelência e com mais do que tudo o que queria e sonhava. Se quer sair do clube onde está tem de negociar a sua saída nos termos do contrato; são as regras aceites por todos e, parece-me, justas e justificadas; de outro o mundo do futebol seria uma selva.

Ah, mas o Cristiano Ronaldo não se sentirá um escravo no Real Madrid? É que, paradoxalmente, foram os portugueses e os espanhóis que inauguraram o comércio de escravos e dos últimos a abandoná-lo; sob pressão inglesa!

Ocorreu-me agora a seguinte pergunta.
Será que o Cristiano Ronaldo é mais esperto do que parece e o que queria mesmo era que o Manchester United lhe desse “carta de alforria” e, assim, livre, procurar um novo Senhor e ser escravo de orelha furada? Ah, ninguém pode ser assim tão esperto! Nem o cristiano Ronaldo...
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  • Imagem: Escravo morribundo, Miguel Angelo Buonarotti

  • A SEGURANÇA DE CABO-VERDE EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA OU CATÁSTROFE NATURAL
Poetas..., estes há bons e maus (e depende do subjectivo), mas todos os pedreiros têm de ser bons; senão a construção fica deficiente e conhecemos bem a parábola do homem que construiu a sua casa na areia

No outro dia tive notícias de que um grupo económico constituído de cabo-verdianos-americanos irá investir na ligação das ilhas através de ferryboats. É, verdadeiramente, de aplaudir; o País precisa destes investimentos estruturais – ainda que insuficientes para as necessidades. Que venham mais, desde que beneficiem a nação e nos aproxime como comunidade – que a interioridade seja cada vez um facto do passado.

Louve-se a iniciativa privada; pois o Estado..., este tem pecado pela ausência crónica de investimento nesta área (mesmo considerando as fragilidades da economia do país e a “reserva do possível” da acção governamental).

Estes privados, assim como outro operador existente no País, têm uma perspectiva económica – normal e compreensível – ligada ao turismo e ao transporte de passageiros. Mas o Estado deve pensar numa outra perspectiva – bem mais importante que o turismo: a da segurança dos cidadãos nacionais.

Sim, somos um país vulcânico e arquipelágico que precisa de ter um sistema de segurança e de protecção civil capaz de evacuar – de forma rápida e eficaz – os cidadãos de qualquer ilha caso seja sujeita às incidências e caprichos da natureza. Mas quanto a isso ninguém fala, e o país vai sofrendo de uma pobreza franciscana em termos de meios para enfrentar situações de emergência. É nestes aspectos que se sê (ou deveria ver-se), verdadeiramente, quem é e não é “parceiro” de desenvolvimento e quejandos. Mas para isso...

Cabo Verde deve (sim, é um imperativo) estar preparado para emergências, pois o Mundo não é feito somente de coisas boas; e o Governo, a oposição e os membros do Parlamento têm de pensar nisso. Poetas..., estes há bons e maus (e depende do subjectivo), mas todos os pedreiros têm de ser bons; senão a construção fica deficiente e conhecemos bem a parábola do homem que construiu a sua casa na areia.

Na última sessão da Assembleia Nacional esta questão, de interesse fundamental para a nação, não foi tratada nem, ao menos, aflorada ao de leve; é como se não existisse. E houve oportunidade para falar-se disso, pois falava-se da ligação entre as ilhas; sim, mas de uma perspectiva de “luta de galos” políticos em busca da atenção dos eleitores e não da perspectiva do interesse objectivo da segurança da nação e dos seus cidadãos.

Se é verdade que, como diz Horácio, «o homem não pode prever nunca, por mais avisado que seja, o perigo que o ameaça cada instante» (Horácio, Epistolas, II.2.126), não é menos verdade que a nossa condição de ilhéus obriga-nos a ser especialmente prudentes. O povo agradece, sim.

Ah, e pergunto: onde estão os planos nacionais de emergência e os meios necessários à sua concretização prática? O cidadão não só tem direito a saber isso como precisa de saber isso. A segurança é um valor fundamental; é um direito e uma garantia fundamentais que cabe ao Estado prezar (os europeus e os norte-americanos inauguraram – ilegitimamente, do meu ponto de vista e na perspectiva em que colocam a questão – uma crise da liberdade em nome da segurança). A segurança do amanhã constrói-se hoje; o imprevisto não é suportável ou admissível nesta matéria que não pode ser deixado para «amanhã».

Há remédios que são sempre maus; a prevenção evita estes males.
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  • Imagem: Trabalhadores, Sebastião Salgado

sexta-feira, 11 de julho de 2008

  • "E O SOL TODAVIA NASCE..."
Se não acontecer nenhuma emergência, hoje não farei mais nada. Vou passear os meus pensamentos à beira-mar e ver o pôr do Sol. Talvez – assim, de algum modo –, consiga esquecer as atrocidades do Mundo.

Deixo aqui (ah, pudera que pudesse ser verdade...) a testemunha de uma dessas afrontas. Se mais razões não existissem, acabar com esta guerra hedionda seria, é, uma boa razão para se votar em Barack Obama.
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  • Vitíma da guerra no Iraque. Victim of war in Iraq. Vítima de la guerra en Iraq.

  • O CASTELO DO MUNDO
Vive num castelo de mel azul
o meu amor – dizem-me as nereidas.

Têm razão, as ninfas da hora.
O meu amor espreita todos os dias,
(na aurora de todas as calendas horas),
pelas ameias do meu coração
e vê-nos de mãos dadas
num jardim de girasóis picados
pela Lua junina e presos num beijo
nascido antes da fundação do mundo.

Só vós, deuses da minha pátria, só vós sabeis que espectáculo que ali se me deparou a vista! In Chateaubriand, Átala, Lisboa, s/d, p.51
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  • Imagem: O Assassino, Ticiano

Imagem: Soap, Boris Vallejo

quinta-feira, 10 de julho de 2008

  • O PRAGMATISMO EUROPEU SEGUNDO SARKOSY

Vivemos tempos inquietantes para o deontos – sim, dúvida. A humanidade, que hoje se mede pelo que se tem ou não tem, está a saque; há que ganhar e aparecer (quem não aparece não existe?...) a tudo custo, parece ser a nova bandeira.

De cidadãos comuns a políticos, passando pelo sistema judicial – veja-se o que aconteceu com os procuradores do Tribunal Penal Internacional que sonegaram informações importantes e fundamentais à defesa no caso do rebelde congolês Thomas Lubanga Dyil, só para ganharem o processo – tudo parece ser predatório.

Alguns dizem-se defensores dos valores e direitos humanos (como o Presidente francês, Nicolas Sarkosy); até serem confrontados com outro tipo de valores, mais mensuráveis, mais próximos do seu Mundo. É...

Parece que bastou meia hora de conversa, num hotel no norte do Japão, entre Sarkosy e Hu Jintao para que o Presidente francês esquecesse as suas ameaças de boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim por violação dos direitos humanos do povo do Tibete.

O Presidente francês, e actual Presidente do Conselho Europeu, irá estar na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, segundo nota de imprensa do Palácio do Eliseu que, naturalmente, nem se referiu ao Tibete.

É impressão minha, ou a situação no Tibete (que tem contornos não devidamente explicados ao Mundo) não mudou durante, antes e depois da conversa com Hu Jintao?... Não se sabe o teor da conversa, mas dá para adivinhar!

Ao ser criticado no Parlamanto Europeu (PE) – nomeadamente por Daniel Cohn-Bendit, vice-Presidente do grupo dos Verdes no PE, que considerou vergonhoso o Presidente francês e do Conselho Europeu pensar sequer em ir à Pequim – Sarkosy, que não esteve com meias medidas, disse que tinha consciência que era uma questão difícil, mas que «não é humilhando a China que poderemos ter esperança em que venha a respeitar os direitos humanos».

Isto é, boicote é sinónimo de humilhação. Mas então, e Cuba? O que acontece com Cuba? Humilhada é a palavra, não? Chega-se ao respeito dos direitos humanos em Cuba com a humilhação do país? Bem, quero ver o Presidente Sarkosy a dizer a mesma coisa sobre Cuba (mesmo considerando que não compra aviões aos magotes), a defender o fim do vergonhoso e humilhante boicote!

E, acrescentou o Presidente Sarkosy: «Veja-se o que a China fez, pragmaticamente, acerca das questões de Hong Kong e Macau que se resolveram pelo diálogo». Então, quixotesco e esperançoso no diálogo, diz que «quero ir e quero falar acerca dessas questões chaves, como os direitos humanos». Sim, mas o Eliseu esqueceu o Tibete na sua comunicação; quer ir falar, mas não fala. As vítimas podem esperar, sim; têm todo o tempo do Mundo para sofrer. Pragmatismo, sim; do mais puro.

Mas, como se já não fosse muito mau o que disse, acrescentou: «há determinadas coisas que não podemos dizer à China, mas também há coisas que a China não pode dizer-nos».

Ah, pois! Não se pode falar de Direitos humanos de forma incómoda, sim; entendemos... Assim como não se pode dizer à China o que deve ou não deve fazer no seu território (parece que os assessores jurídicos do Presidente Sarkosy, pelos vistos, abriram os olhos e despertaram para o que diz o Direito Internacional Público no que concerne à situação no Tibete – e eu que, não raras vezes, critico os assessores jurídicos dos governantes da minha pátria amada!...). Neste último aspecto estamos de acordo; daí a China não poder, também, dizer à Europa quem deve ou não receber, pois... Uma mão lava a outra – vox populi vox Dei.

Pragmatismo, sim. A que custo? Dos valores civilizacionais da Europa, sem dúvida. E à China, quanto custará? Depois da ida à Pequim (para os Jogos, claro!), saberemos do volume de negócios a realizar entre a China e a França. Então, sim; então tudo ficará explicado. E depois venham cá dizer-me que diplomacia de hotel não funciona! Sim, depois venham cá dizer-me – qual caserneiros – que, na Europa, human righs matters.

Oh, God! Give me a break, please!
  • .Foto: Hu jintao e Sarkosy

A floresta fechou-se atrás dela e deixou-a livre.
In John Steinbeck, A Um Deus Desconhecido, Lisboa, 1979, p.127

  • imgem: Les femmes, Milo Manara

  • O MUNDO DE POUCOS
O meu poeta, que quando não está preocupado com o coração é bem atento, telefonou-me há minutos (na verdade acordou-me) e disse-me que os senhores do Mundo estão a deixar o planeta "ir pelo cano abaixo" para poderem, como solução derradeira, promover um democrático governo mundial.

– É..., meu poeta; se não é assim, parece – respondi-lhe.

E assim nasceu, esta manhã – como uma indesejável pústula –, uma imagem do apocalipse joanino na minha alma. O meu poeta poderia ter-me poupado disso, hoje. Mas que o Mundo está pejado de bestas humanas a decidirem o destino dos mais pobres e desfavorecidos, lá disso não tenho dúvidas. Afinal, quem tem? Sim, quem?...
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  • Sahara´s desert after rain

Assaltou-me à alma este pensamento:
O dever decide o destino ou, pelo contrário, o destino é viver de acordo com o dever?
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  • Imagem: A reunion, Boris Valejo

quarta-feira, 9 de julho de 2008

[...]

O essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.
In Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Lisboa, 1999, p.203
  • Imagem: Emperor penguin colony, Cape Roget, Ross Sea, Antarctica

  • MUGABE. O DERROTADO ANUNCIADO

Robert Mugabe esteve na Cimeira da Unidade Africana há cerca de uma semana sem, desta vez, lograr o apoio incondicional que esta entidade sempre lhe deu. Tempos de mudança nas mentalidades? Não creio, infelizmente.

Depois de umas eleições marcadas pela desistência do seu opositor, Morgan Tsvangirai (que foi uma decisão de política e política e não por amor ao povo, ao contrário do que quer fazer crer), e por um clima de medo e intimidação que demonstram uma realidade hoje insofismável: pelo exercício – ainda antes das eleições – Robert Mugabe é um presidente ilegítimo; um ditador imposto ao povo pela força das armas e pelo medo; ainda que escudado na democracia formal que seria aplaudida se Tsvangirai tivesse vencido as eleições.

Agora, não venham os Europeus dizer que por ter ido sozinho às urnas na segunda volta as eleições estas não são válidas. Hipócritas! As regras são para todos, não é somente para aqueles que gostamos ou nos agradam; e o ocidente parece ter uma inclinação pelo pragmatismo nesta matéria – e não deveria. Morgan Tsvangirai não foi à segunda volta por opção sua – por determinação política conjuntural –, por isso não pode contar.

O que tenho por certo é que as eleições no Zimbabué não foram eleições livres e feitas no quadro dos valores do sistema democrático, por isso – além da questão substancial da intimidação e do uso da força da ZANU-PF contra os seus adversários – essas eleições não podem nem devem ser reconhecidas ao nível internacional. Não é por se gostar do Robert Mugabe ou pelo Morgan Tsvangirai e o seu MDC se recostar na Internacional Socialista que as coisas são assim, são-no por causa dos valores e das regras democráticas que regem o Estado de Direito.

O silêncio da Grã-Bretanha é prova de que a decisão de Tsvangirai é, de todo, uma forma de «golpe de Estado» democrático diferido com o apoio dos Estados que vêm Robert Mugabe como um perigo aos seus interesses económicos. É que não me parece que estejam, verdadeiramente, preocupados com o povo mártir do Zimbabué; pois se estivessem não teriam estrangulado de morte a outrora próspera economia do país (ah, e porque não travam o genocídio silencioso que ocorre em Darfur?).

A verdade é que as eleições no Zimbabué tinham um derrotado anunciado: Robert Mugabe. E nada poderia ser contra isso; mesmo que tivesse cumprido todas as regras democráticas não poderia vencer. Tsvangirai não arriscou a que pudesse ser o contrário e é agora, na verdade e na mente do ocidente, o presidente anunciado e desejado do Zimbabué. E a que custo, Morgan Tsvangirai; a que custo, Mundo? Veremos, a seu tempo.

Mugabe é, hoje, um pária internacional; uma espécie da Frente islâmica argelina de há uns anos. Lembra-se? A questão do Zimbabué está para além da Democracia; infelizmente para o povo é um problema de interesses externos ao país. São, na verdade, os custos de ser-se pobre e ter-se o atrevimento de desafiar o Mundo rico e civilizado. Entretanto, o povo definha, morre lentamente.

  • Imagem: Titulo de um dos meus livros favoritos - As I lay Dying, William Faulkner

  • O MEU POETA E UM AMIGO

Amici esse fortunae est.

– Gostaria de ser Deus rico e foder com o universo – disse o amigo ao meu poeta.

O meu poeta, conhecedor de parte substancial das raízes da Via láctea e do coração dos novos Elohim, olhou para ele, aumentou o som do Concierto de Aranjuez tocado por Miles Davies e respondeu-lhe:

– Eu, não. Os homens mataram Deus por ser Deus e ambicionam ser ricos...

[...]

  • Imagem: Planeta Vénus

terça-feira, 8 de julho de 2008

"Amo-te, é a vontade do céu."
In Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Lisboa, 1999, p.106

  • Imagem: Rio de Janeiro, Brasil

"Insani sapiens nomen ferat, aequus iniqui, ultra quam satis est, virtutem si perat ipsam" (Horácio, Epistolas, I.6.15).
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"O sábio já não é sábio, e o justo já não é justo se o amor que professam pela virtude for exagerado."

"The wise man is no longer wise, the just is no longer just, if they seek to carry their love for wisdom or virtue beyond that which is necessary."
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  • Foto: Adriana Lima

  • OS NOVOS NARCISOS

Espanta-me sempre essa coisa extraordinária de haver pessoas que pensam que têm direitos e que, consequentemente, exigem deveres correlativos dos outros; mas que não pensam no contrário – isto é, que têm deveres para com os outros e que estes têm, também, direitos que deve cumprir.

O mundo está cheio de gente assim, que olha o outro como objecto e meio para alcançar os seus fins. Confundem educação e cordialidade com medo, bondade e solidariedade com parvoíce; o que torna o meu espanto ainda maior. Certamente desconhecem o aforismo de Propércio: Fortunae miseras auximus art via, isto é «nós próprios trabalhamos para aumentar a miséria da nossa condição» (Propércio, III.7.44).

Ah, triste existência! É..., falta sempre o respeito pelo outro para humanizar a pessoa. E o estranho é que quase todos os cidadãos do Mundo com acesso à informação conhecem a máxima do filósofo de Königsberg...

  • Salvador dali, The great masturbator

segunda-feira, 7 de julho de 2008

  • PETITIORIUM

Nada peço
pois certamente nada receberei
– peço muito mais do que nada
e a alma do caos.

De ti quero a nudez
do teu corpo verve
e da tua alma simplicidade possível
em salva de prata
de açucenas e malmequeres
enfeitada; sim,
com um sim de escândalo verdadeiro
que só incomoda quem não vive.

De Deus e do Universo
peço compreensão, paz possível
e tudo o que há em ti
que me encanta.

Sábio não é quem sabe mais, mas sim quem sabe melhor.

  • Imagem: A million tears, Luis Royo

  • HUMANA CONDITIO

# 4. FILOSOFAR É AMAR

Cícero, dizias que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. Santiago Nino deve ter levado este juízo à risca; mas, na verdade, melhor seria viver como Matusalém e ter os prazeres de Abraão ou, melhor ainda, ser assim e depois seguir os passos de Enoch e Elias.

Mas, Cícero, filosofar como fizeram Santiago Nino e Sócrates ou como faz o povo, ao viver o dia nu – pelo que é e não pelo que deve ser? É o “dilema da velha” de Voltaire e, na verdade, prefiro escolher o melhor do juízo precedente.

Mas não posso, pela natureza das coisas. Pela mesma razão, escapa-me o destino da velha. Então, Cícero, tens de estar errado. E se é assim, filosofar tem de ser mais do que filho mas amar a sabedoria; e esta diz-nos, sem sombra de dúvida: «comamos e bebamos que amanhã morreremos». Bem comido, bem bebido e bem amado; sim.

Ah, e os outros? Sim, alimentar quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e assim amar todos como a nós mesmos. Isso sim, é filosofar. Prometer isso é poesia, oiço pelas bandas da terra do meu umbigo. Sim, filosofar é viver; filosofar é ajudar a viver; filosofar é amar o bem. Filosofar, meu bom Cícero, é viver, sim, viver; mesmo que viver seja aprender a morrer, como faz
o nosso corpo a cada segundo. A nossa alma deveria aprender isso, não achas Cícero?

– Sei, Cicero; sei...

  • Imagem: De Chirico, The vexations of the thinker

domingo, 6 de julho de 2008

  • DA MINHA ALDEIA
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
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Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro
  • Andy Warhol, Venus de Botticelli (detalhe)

Hoje, 6 de Julho, às 21 horas (hora de Portugal) a RTP-África emite o concerto que a bela e extraordinária Maria de Barros deu em Lisboa, na Casa do Artista. A não perder!

  • Foto: Maria de Barros

  • SISTER´S TALK AT WIMBLEDON
At Wimbledon court, England, the Williams sisters were talking. My poet was listening to…

– Sister, what´s we gona do, with these chicks? – whispered Venus.
– Oh, sister, we are going to kick their ass! You know… – Serena said.
– Ya! You´re right… And then, Serena? – Venus said doubtfully.
– Well, then I have to show how pretty I am; you know…. You do not mind, I thing?... – said Serena.
– Oh, sister!... What´s in your mind ? – said Venus.
– Doesn´t matter! – said Serena.
– What is matter?
– Oh, sister, never mind… They will look at me and understand it; and then, then, sweet sister, they just will lose their mind.
– Oh, sister!... Let´s win this Wimbledon stuff – said Venus.

And they win Wimbledon. And, was Serena right? I will have to ask my poet (he loves them).
  • Venus and Serena, sisters talk at Wimbledon

  • Serena Williams after tennis court

Post scriptum: Para os amantes do ténis, a final de pares do torneio de Wimbledon de 2008, jogada ontem 5 de Julho (Raymond/Stosur versus Serena /Venus Williams), pode ser vista e apreciada aqui: http://wimbledon.mediazone.com/other/ladies_doubles.html

  • «A coisa de maior extensão no mundo é o universo; a mais rápida é o pensamento; a mais sábia é o tempo e a mais cara e agradável é realizar a vontade de Deus.» Tales de Mileto

sábado, 5 de julho de 2008

  • ACORDANDO A HISTÓRIA

O silêncio ou a verdade? A verdade, deve primar sobre tudo; custe o que custar. Não podemos nem devemos esquecer e esconder o mal, para não se repetir. Atentem no discurso de paz, de firmeza e de modelo de sociedade de Adolfo Hitler que a verdade histórica dos seus actos hediondos e criminosos infirmaram. Devemos ser solidários e firmes, não ceder ao laxismo... perante a imigração - escutamos em toda a Europa. Depois, depois sabemos o que acontece; o que se faz e se deseja.

A juventude alemã foi enganada, por um homem mau e manipulador; os europeus, hoje, são engandos por seres desalmados que só vêm riqueza e não humanidade. A sociedade actual deve estar atenta aos sinais de autoritarismo social e moral que grassa na Europa que quer extirpar a União Europeia de uma casta (os imigrantes «sem papéis», uma espécie de novos judeus acantonados em campos de detenção como Melilla, Lampedusa e outros pela Europa fora) que não quer ver crescer no seu seio. O mal é o mal, pode ter dimensão – mas é mal!

Na Europa de hoje, há que perguntar: por onde andarão os novos e silenciosos tocadores de tambor? Andam por aí, sim; andam por aí.

A história não pode morrer no esquecimento, nem podemos namorar o silêncio do mal que se constrói na Europa; a conspiração contra os pobres do Mundo é evidente. Caramba, europeus, aprendei algo com os erros do Vosso passado! Quem fez - em nome da paz e do bem -, até hoje, as maiores guerras e atrocidades de que temos memória?

  • Video: discurso de Adolfo Hitler à juventude alemã.

«Não queres ver contrariados os teus desejos? Não desejes senão aquilo que depende de ti.» Epicteto, Máximas, 13

  • Luis Royo, Whirlpool

Field of tulips, Island of Mainau, Germany

Promessa de 5 de Julho ao Daniel Rendell

  • PÁTRIA MINHA

Ah! Pátria minha, és um adágio
na alma dos meus dias-menino aí,
na Matiota com cavalo marinho dançando
pés descalços na Praça Nova
e com este sonho que agora és tu.

Ó, minha morena morna!, lembraste
do meu primeiro beijo sonhado,
do meu deserto primeiro amor,
da minha letra alfa desenhada com espanto,
da descoberta da hora rotunda, santa,
do conhecimento do oriente feminino,
do palmilhar a terra como um Deus de odores
e das tardes infindas de partir sentado
com asas que herdei de ti? Sim...

Lembre-te comigo, amada minha,
dos dias verdes que sonhávamos
e que vemos adiados,
petrificados como Monte Cara
o canto primo das nonas de Julho.
– Ah, como queríamos ver os seus olhos!

... As manhãs de amor-de- um-dia e Sol
nascendo e morrendo na tarde e no Mar,
todos os dias; sim, todos os dias
como a dor que nos afagava a alma
a modo de hímen complacente, novidade...
– Oh, que benfazejo matiz nos engolia!...

Ao longe, procuro-te na extensão do teu sim
e trazes-me, amante minha, o teu mel
e dou-te o meu leite. Sim, somos, tu e eu,
terra prometida na dádiva. Aunados.

Somaste de perfeição a tua idade,
não és o Alexandre vingador que sonhamos
nas lágrimas das tardes desabrochas de dor,
nas noites escuras de gongons fardados,
nas areias negras do teu corpo mouro,
no pão duro, rochoso e nosso de cada dia,
no bife de caneca de oração tardia...

Ah!, pátria minha, amada amante prima,
o teu destino de Messias no madeiro
não me consola o sonho brado de nós.

Ó minha pátria amada! És tchom
de Nossa Senhora d´boca vrôde pá tchom,
primaterra final, umbigo planar.
Sim, doce amada minha, bordão de espera,
Mãe-córnea de sonho
farelhão, és
e serás sempre e para sempre, o amor,
a bruma da raiz funda dos meus amores.

Luis Royo, Silence

sexta-feira, 4 de julho de 2008

  • CHUVA AMIGA

Chove na cidade da Praia. A capital é abençoada com a bendita e amada chuva. Como dizia Amílcar Cabral «a chuva amiga já falou mantenha e bate dentro do meu coração». Sim, sim.

Espero, como diz o poeta de pena e arma, que a ilha e o país se tornem um jardim e se cubra de esperança. Esta mantenha do céu será prelúdio de desejo do poeta em vésperas do Dia da Independência em ano mítico? Talvez, depende do que tivermos na alma.

O meu poeta diz-me que Amílcar Cabral ouviu os deputados da Assembleia Nacional falar tanto em poesia que resolveu lembrar-lhes o sentido do seu legado em vésperas do 5 de Julho. Nada como a chuva à porta para lavar as ruas e despertar as almas em terra seca - diz-me.

Eu, espero que os dirigentes deste nosso caminho de independência tenham este sentido de alma e percebam que a Independência é, ainda, um caminho de esperança e de obra necessária a serem percorridos.
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Cabral, para sempre.

  • LIBERDADE OU LIVRE NECESSIDADE?
Hoje é o Independence Day nos Estados Unidos da América.
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Apraz-me, a este propósito e neste dia que não será de festa para todos, lembrar o que diz a Constituição do país na sua VIII Emenda: «Excessive bail shall not be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual punishments inflicted.»
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É claro este enunciado. No entanto, o Supremo Tribunal Federal continua a caucionar a pena de morte ao considerar que a mesma não é uma pena cruel nem degradante. O enforcamento, por exemplo, já não é utilizado porque o executado, ao morrer, tem uma reacção física post mortem e ejacula. Tal é considerado degradante e, há muito, foi retirado do elenco das formas de matar o representado por decreto dos representantes. Descobrem-se forma limpas, higiénicas, de matar.
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Nos EUA existem, neste momento, 3,264 à espera de serem executadas. Muitas delas passam anos no corredor da morte, esperando o dia em que serão escoltados à sala de execução. Isso, claro, não é desumano... Alguns têm a sorte de serem achados inocentes a tempo, outros são executados e depois se descobre que eram, na verdade, inocentes.
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Os juízes não são responsáveis pelas suas decisões e a vida não é ressarcível; o erro é eterno – como uma mentira. Lembro-me de um caso absurdo em que o Advogado de um afro-americano –acusado de homicídio e enfrentando a possibilidade de ser condenado à pena de morte – adormeceu (!) na audiência. O Juiz do processo disse que «a Constituição garante a qualquer pessoa o direito a ter um Advogado, mas não garante o direito a que o Advogado esteja acordado durante o julgamento».
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Que dizer? Paradoxos de um país que defende a liberdade individual e a democracia mas que, na verdade, a sacrifica de um modo ilegítimo sempre que condena uma pessoa à morte. Espinosa, com razão, nos ensina que existe uma diferença substancial entre liberdade e livre necessidade; e, na verdade, nem sempre a necessidade dos que governam o povo ou querem continuar a governá-lo coincide com aquilo que é a natureza humana ou das coisas.

  • POBRE JUSTIÇA, NUA JUSTIÇA
O Tribunal Penal Internacional decidiu ontem libertar o líder das milícias rebeldes do Congo – que está a ser julgado por crimes de guerra, nomeadamente por recrutar crianças para a luta armada – por considerar que o mesmo poderia não ter um julgamento justo na situação em que se encontrava.

O Tribunal decidiu suspender o julgamento depois de descobrir que os Procuradores no tribunal sonegaram cerca de 200 documentos à defesa de Thomas Lubanga Dyilo e que tais provas poderiam, em tese, provar a sua inocência.

Assim, o mesmo não estava impossibilitado de ter um julgamento justo. O arguido continua, no entanto, em preso até que a decisão transite em julgado. O que, em verdade, é um sistema anacrónico.

Este acontecimento demonstra que algo de muito mau se passa no Tribunal Penal Internacional, nomeadamente na Procuradoria do Tribunal que procura a condenação a tudo o custo. Os fins, na verdade, não justificam os meios. Assim, o Tribunal Penal Internacional irá marcar passo. Agora é de perguntar: e no passado, quem foi vítima de acções semelhantes?

Assim, poderemos ter um culpado a escapar da Justiça porque quem a deve defender a faz á margem das regras do Estado de Direito Democrático. Infelizmente, este tipo de prática não é coisa nova. É caso para dizer: pobre justiça; nua justiça.
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  • Imagem: Salvador Dali, Justice from a tarot deck