terça-feira, 23 de setembro de 2008

  • AINDA A DISCRIMINAÇÃO POR RAZÃO DE GRAVIDEZ

Ontem telefonei à Ana Rodrigues (lembram-se?... aquela menina do Paul que foi forçada a sair da escola por causa da sua gravidez...) e fiquei a saber que está bem e – contrariando a ideia de que a «gravidez precoce prejudica o desempenho académico» – melhorou a sua média e já sonha em conseguir uma bolsa de estudos e prosseguir estudos superiores.

Sim, fez os exames, não perdeu o ano escolar, a esperança de uma vida melhor nem o ânimo de estudar e isso importa – muito! Para ela, para a sua família e para as demais e situação análoga. É a “prova provada” de que as pessoas são mais do que “objectos” de politica ou da política e que o silêncio é cúmplice do mal.

Na quarta-feira lia o El País e vinha lá uma notícia deveras interessante: o Juiz Ricardo Bodas, magistrado da Secção Social nº.31 de um Tribunal madrilenho, decidiu que o despedimento de uma mulher grávida é discriminação – isto é, constitui «discriminación directa por razón de sexo todo trato desfavorable a las mujeres relacionado con el embarazo o la maternidad» e que, nesta situação o empregador deve(rá) provar que tal não ocorreu por causas relacionadas com a maternidade; ou seja, inverte o ónus da prova (quem invoca um facto deve provar o mesmo).

É uma sentença sem precedência nos tribunais espanhóis – ainda que esse seja o sentido inequívoco da Constituição de 1978 e esta matéria seja intensa e extensivamente tratada na doutrina espanhola – e que representa um passo em frente na protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais das mulheres; quer no trabalho quer na escola. Que sirva de inspiração – pois é boa doutrina e ius prudência – a outros, pois assim poderemos pensar em ter um Mundo melhor.

Ah!, e para quando o anunciado – na Assembleia Nacional – estudo sobre a situação das grávidas nas escolas cabo-verdianas? Aguardo, eu e toda a sociedade cabo-verdiana, pelos resultados do mesmo (alguém sabe me dizer quem foi a entidade incumbida – se é que já se tomou a necessária iniciativa – de realizar o estudo em causa?).

As universidades são entidades idóneas e capacitadas para este tipo de estudos. O CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, v.g., é pródiga em estudos análogos – e esta seria uma boa matéria e oportunidade para o envolvimento prático da Universidade de Cabo Verde em questões sociais pertinentes, pois, sem desprimor para os técnicos do Ministério da Educação, competentes, certamente, esta é matéria para ser objecto de estudo externo à acção governamental – até porque é iniciativa parlamentar. A não ser que o mesmo seja feito por Comissão Parlamentar, o que se torna, do meu ponto de vista e salvo melhor opinião, de certo modo, inviável, e poder ser «politizado» ou objecto de «consensos». Que esta não seja, mais uma vez, uma questão remetida à prescrição da memória e que o estudo (necessário, mas visto – tive essa percepção e espero estar sinceramente errado – como uma forma de contornar o problema) não fique para as calendas gregas.

A talho de foice, sempre direi que não tenho dúvidas de que se a jovem Ana Rodrigues tivesse processado o Estado cabo-verdiano pelos danos então causados (por agentes do Estado) teria sido ressarcida pelos danos extra patrimoniais que lhe causaram à data. Mas não o fez, e bem; pois tem outras coisas em que pensar – e não é só nela, felizmente. Perdoar e saber perdoar são acção e qualidade definidores da pessoa; nisto a Ana Rodrigues revela não estar contaminada pelo mal que grassa pelo Mundo; que continue assim!

Se serve de consolo aos meus compatriotas que defendem a «medida» de afastamento das grávidas das escolas, esta notícia de que existem discriminadores na União Europeia (em Portugal, v.g., uma mulher que fica grávida vê perigar e em regra perde o seu emprego – não será esta, aliado aos baixos salários e ao egoísmo materialista, uma das muitas razões mediatas da baixa taxa de natalidade das terras lusas?) pode(rá) ser um paliativo para a alma; pois se sentirão, certamente, «bem acompanhados».

in Liberal on line

  • Imagem: The awakening of Adonis, John Williams Waterhouse (1900)

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