REFLEXÃO: OS BÁRBAROS E O DIA 6 DE FEVEREIRO
Lia o texto do e-mail sobre as resoluções futuras do Primeiro Ministro José Maria Neves que, segundo o mesmo, pondera a derrota do PAICV no Domingo (que deveria ser inevitável, um desígnio de cidadania) e já pensa no futuro. A origem do texto pode ser uma incógnita para a maioria, mas não para muitos: pode-se fazer um tracking do mesmo e chegar à sua origem…
Conheço alguns desses endereços de e-mails... e o que está escrito no texto não é nada que não faça sentido; pelo contrário. Agora (sendo certo que não aprecio a publicação de textos conseguidos de forma indevida... para não dizer ilícita) estranho que ninguém grite que se está a usar indevidamente o e-mail do Primeiro Ministro José Maria Neves – e se arvorem ameaças de processo crimes, blá, blá, blá… – ou que se diga de forma clara que este texto é uma falsidade.
Interessante é, no entanto, verificar que o texto faz referência à uma "sugestão” de reunião que, pela omissão da agenda da mesma no texto, se presume ter sido veiculado por outros meios – mais seguros que o e-mail e adequado à proximidade política dos citados; nomeadamente o telefone. (Há coisas que não se escrevem… pelo menos não se deveriam escrever; e políticos maduros não fazem estas coisas.) Este dado empresta alguma credibilidade ao e-mail... não fosse o caso, por exemplo, do e-mail do Mário Matos (marzim54@yahoo.com) referido neste texto estar descontinuado há muito pelo próprio Mário Matos que usa outro servidor… desde o conhecido escândalo do e-mail… (Que não se lembra?)
Agora, é certo que a coisa mais fácil deste mundo é conseguir um script para se aceder ao e-mail de seja quem for e usar essa conta... é espantosamente fácil fazer isso; dirá um qualquer técnico de informática. Este e-mail é instrumento político? Seja qual for o sentido em que for interpretado… é. Mas o que está em causa não sãos meios, uns mais outros menos legítimos do que outros, mas sim (sem qualquer jesuitismo) aquilo que é e se tornou um imperativo em Cabo Verde: mudarmos de rumo, largarmos a mão estendida e agarrarmos nas enxadas que temos e construirmos outras que sejam susceptíveis de desenvolver o país e dê as pessoas o que elas precisam: bem-estar social.
Aliás, que Cabo Verde precisa de mudar é um facto. Cabo Verde está mudar, Cabo Verde está mudando – diz o Primeiro Ministro José Maria Neves… mas Cabo Verde não pode e nem poderia estar no gerúndio existencial; Cabo Verde deveria estar mudado para muito, mas muito melhor do que está hoje. Com a introdução do Estado de Direito Democrático e da economia de mercado no país criou-se as condições para que este Governo (os 10 anos do consulado do PAICV) pudesse levar Cabo Verde e os cidadãos cabo-verdianos a um patamar de desenvolvimento económico, social e humano efectivo e real para além do que hoje, objectivamente, temos.
Cabo Verde não pode viver de relatórios a dizer bem do país. Assim como não existem democratas de papel… não existe desenvolvimento que só se vê, efectivamente, no papel. As pessoas não comem relatórios; estes não dão emprego, educação de qualidade, segurança efectiva, energia, rendimento económico que dignifique as pessoas. Os relatórios não formam o tecido produtivo nacional, não ajudam o país a ser autónomo o bastante para ser verdadeiramente independente.
Os dez anos de Governação de José Maria Neves ficaram aquém das expectativas que os cidadãos eleitores depositaram nele e no PAICV. Tinha o dever de fazer mais; e não fez! Poderia ter feito mais? Sim, pois teve todas as condições para tanto e ainda mais. Más opções, más políticas. Essa é a realidade. E o povo sofre isso na pela: falta de energia, água, emprego, salário digno, pão, segurança e justiça célere; desrespeito pela Constituição da República (e houve uma regressão constitucional promovida pelo PAICV e com fins que muitos teimam em não querer ver) por parte do Governo ao, v.g., em dez anos, não conseguir instalar o Provedor de Justiça e o Tribunal Constitucional. A cultura ficou inculta, não pela morte de muitos agentes activos da cultura reconhecida, mas pela morte continuada da memória e pela constatação do que alguns, nomeadamente Leão Lopes, chamou, e muito bem!, de barbárie. Estes bárbaros chegaram – como diria Konstantinos Cavafys – e não foram nem são a solução para um Cabo Verde progressista, de visão de desenvolvimento de espectro largo e ambicioso.
José Maria Neves chega, ao fim de 10 anos do exercício do poder, com um Governo cansado, esgotado e sem soluções. Nem um Ministro da Economia tem (depois de chegar à conclusão de que Fátima Fialho não era solução mas sim problema – foi cuidar da ELECTRA e da energia, onde pensaria José Maria Neves que ela não poderia fazer pior do que já estava; e enganou-se! «Sabotadores!», grita… ela.). A Ministra do Ensino Superior e da Cultura é um erro de casting! O Ministro da Saúde percebe de cultura tanto como Armando Tchuquim percebia de Europium e respectivas propriedades. E por isso mandou destruir a casa onde viveu Adriano Duarte Silva. É caso para dizer. «Pai, perdoa-lhe que não sabem o que fazem…»
O Ministro da Educação… só deve ter ocupado o lugar porque não havia mais ninguém! Só pode… um Ministro da Educação (da Educação, meu Deus!, da educação.) não pode ser tão mau! O cidadão se calhar até que dava um bom Ministro dos Petróleos ou das Águas de Vascona; mas não da Educação de um país que tem um ensino secundário melhor que o dos Estados Unidos da América! A despromoção da Ministra da Economia é a prova de que a estratégica política – nomeadamente no plano macroeconómico – do Governo de José Maria Neves falhou. E, ao que parece, a couraçada economia de Cabo Verde… o Cabo Verde blindado contra a crise, como dizia o Governo, atolou-se.
As Finanças – tendo limitações constitucionais inconstitucionais ab ibnitio – é das poucas áreas da governação em que, globalmente, os dez anos de Governação de José Maria Neves têm nota positiva; no plano das políticas financeiras, i.e., estritamente técnicas. E digo isso porque falha, de forma clamorosa, na regulação adequada de alguns sectores de actividade, na fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais (o próprio Primeiro Ministro e outros actores políticos, é voz pública, são inadimplentes perante a Administração Fiscal) e por permitir, por exemplo, que fiscais tributários sejam membros de Conselhos Fiscais de empresas privadas e/ou públicas e/com participação do Estado (é, v.g., o caso da ELECTRA).
A Justiça encontra-se sequestrada pela falta de uma visão global, moderna e adequada à realidade cabo-verdiana. E o Governo de José Maria Neves, quando não pecou pela omissão, caiu na tentação da lógica da Sebenta, do it works! Mas não, não funciona. É preciso uma justiça cabo-verdiana, adaptada à nossa realidade e que não seja ditada pelo master dixit externo. Só quando a Justiça for de fácil acesso a todos, célere, rigoroso e exemplar na aplicação do Bem jurídico justiça quer a defender a comunidade quer humanizando as penas (os fins das penas devem ser objecto de uma dogmática que a dimensão arquipelágica e as limitações da praxis internacional vão impondo à teoria das migrações) é que poderemos estar e nos darmos como satisfeitos.
Mas o Governo, o que faz? Investe num Código de Processo Civil que, em essência, não ajuda a resolver o problema estrutural do sistema: a celeridade processual. E, para satisfazer interesses (interesses legítimos) que não são os dos cidadãos, agrava-se o problema ao permitir-se a actividade remunerada dos Magistrados judiciais e do Ministério Público. Uma decisão que, socialmente, tem e terá efeito boomerang, além de, certamente, ser mais uma factor que irá contribuir para o aumento das pendências judiciais: os juízes não são super homens/mulheres, e… ou são bons docente e maus juízes; ou são bons juízes e maus docentes.
A função do Juiz pode admitir o exercício de funções docentes – de carácter esporádico e limitado – não remuneradas, mas não essa função remunerada ou de forma continuada (pessoalmente penso que a actividade do Juiz deve ser exclusiva, não admitindo qualquer tipo de actividade pública ou privada que implique qualquer forma de limitação – interna ou externa, directa ou indirecta – da sua actividade ou independência). Até porque, além da questão da disponibilidade mental e de tempo, existem problema de outra ordem, nomeadamente jurídicas e morais, e que não são despiciendas.
An passant: num país com a taxa de desemprego de Cabo Verde, um Juiz ter dois empregos no Estado resulta imoral e eticamente inaceitável. Se o trabalho docente for para uma instituição privada, o problema que se coloca é o da conformidade constitucional de tal situação jurídica e da ética democrática: o Juiz, titular de um órgão de soberania, estar sob o poder de direcção e de supervisão de uma pessoa colectiva privada é algo que fere a lógica democrática (assim como briga com o princípio da separação de poderes se falarmos da mesma situação no que diz respeito aos estabelecimentos de Ensino sob tutela do Ministério do Ensino Superior e/ou da Educação).
O Governo não soube lidar com esta situação; que tem dimensão, também, financeira. Decidiu pela decisão mais fácil. E o Governo não se apercebe que, com decisões como esta (assim como a instrumentalização directa, indirecta e/ou mental da Justiça), o “fechar os olhos” ao cerco a um Tribunal judicial, o anúncio do “dialogo” com os auto denominados thugs… enfraquecem a Justiça e a segurança interna. E o Ministro da Administração Interna tem a obrigação de encontrar “a solução” para debelar o alargamento da criminalidade em Cabo Verde. Não há desculpas! Não há mais lugar à desculpas; nem tempo ou espaço para mais promessas.
A Ministra da Presidência é engraçada; e tem voz José Maria Neves cometeu demasiados erros de governação – alguns só serão devidamente escrutinados depois da posse do novo Governo constitucional – mas não pode ser e não é, certamente, o que chamou Jorge Santos e muitos cabo-verdianos. Só mesmo um irmão germano do indeciso de Burydan seria capaz de escrever um texto desses… O problema não é o que o Primeiro Ministro escreve ou não, pois parece que não sabe bem o que escreve ou não escreve ou não escreve… o problema é a governação. E é esta que é sujeita à crítica, é esta que chumba no escrutínio objectivo e não emocional da cidadania.
Conceder 15 anos de governação a um partido político não, de todo, uma decisão inteligente.
Que Deus abençoe a nossa terra, e sim: Mesti Muda!
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