terça-feira, 30 de junho de 2009

  • O CHOQUE TECNOLÓGICO DE JOSÉ SOCRATES: EXEMPLO PROPOSTO A OBAMA

Don Tapscott, professor universitário e especialista em novas tecnologias, escreveu um artigo interessante no Huffington Post e que vale a pena atentar. O artigo, chamado «Note to President Obama: Want to Fix the Schools? Look to Portugal!», eleva Portugal a um case study e, imagine-se só!, exemplo modelar para combater o insucesso escolar através das novas tecnologias. Não vivesse eu em Portugal, e pensaria que Don Tapscott falava de um outro país, mas sei que o que o académico americano viu foi a encenação para «americano ver» e não a realidade, se bem que bom seria que assim fosse.

O problema, e Don Tapscott parece estar atento a isso, é que a tecnologia não resolve todos os problemas de aprendizagem ou de falência dos modelos tradicionais de ensino há muito ultrapassados pela realidade social e novas exigências formativas; o problema é de se encontrar um novo paradigma de ensino/aprendizagem e de responsabilidade partilhada entre o docente – que deve ser cada vez mais um orientador – e o discente no papel de descobridor do conhecimento. Mais do que o choque tecnológico, o aumento da escolaridade mínima obrigatória – que também tem efeitos sociais perniciosos, mas não é disso que se trata agora – é um instrumento poderoso que contribui em muito para a se travar o insucesso escolar.

Outro problema de base, e esse é um factor considerável, é que o exemplo social – determinante prática do quantum do abandono escolar, que não se resolve com a mais tecnologia e meios materiais mas sim com políticas sociais de promoção do mérito, e neste aspecto o sistema escolar de ensino em Portugal está falho há muito tempo – e de perspectivas de um futuro real e sustentável para os alunos que devem, em termos de paradigma formativo, ser cada vez mais formandos e menos alunos e/ou discentes.

PS: Se tivesse sido convidado para ir a Cabo Verde pelo Primeiro Ministro José Maria Neves ou pela Ministra da Educação, Vera Duarte, agora era Cabo Verde a ser elevado a exemplo para os Estados Unidos da América; na verdade é, pois o Governo de José Maria Neves tem programa análogo à administração Lusa. Mas Don Tapscott não sabe, não tem o dever de saber…

Imagem: As amigas, Gustav Klint (1916-1917)

domingo, 28 de junho de 2009

The passions most men boast them of
Are like a desert's noontide haze:
I love thee with a constant love
Unwithering through all my days.
.
This fondness I profess for thee
Is pure, and in my heart I bear
True love's inscription plain to see,
And all its tale is written there.
.
Had any passion, thine beside,
At any time my soul possessed,
I would have torn my worthless hide
And plucked that alien from my breast.
.
There is no other prize I seek:
Thy love is my desire sincere:
Only upon this theme I speak
To capture thy complacent ear.
.
This if I win, the earth's expanse,
And all mankind, are but as dust,
Yea, the wide world's inhabitants
Are flies that crawl upon its crust.
---- Ibn Hazan

Poema de Abu Muhammad Ali Ibn Hazam dedicado a 'Ubaid Allah Ibn `Abd al-Rahman Ibn al-Mughira, neto do Califa Al-Nasir.
.
Imagem: Alegoria de Escultura, Gustav Klint

  • A BLOGOSFERA CRIOULA E A MORTE DO DEPUTADO JOSÉ MARIA BARROS
Morreu o Deputado da nação José Maria Barros. O meu instinto, aquele que Tomás de Aquino me exorta a confiar, disse-me para silenciar-me, ver e escutar o quanto os deputados da nação são queridos e respeitados pelos escribas da terra. Os jornais nacionais fizeram, naturalmente, eco da funesta notícia, do empobrecimento da República pelo desaparecimento de um dos seus tribunos parlamentares, voz do povo que representava e obreiro do bem-estar nacional.

O que eu pensava aconteceu: os bloguistas cabo-verdianos passaram ao lado deste facto: morre um dos seus representantes, e o seu silêncio é global, ferenda, lapidar, ingrata… direi mesmo. E depois, depois quer-se ter voz política (os que o querem). Bem, se calhar eu é que estou errado e na política só contam os que estão vivos, os que estão do «nosso lado da barricada» e a dor do «adversário» não é a nossa. Mas não! A dor da família de um Deputado da nação é, também, a minha dor. As suas lágrimas são, também, as minhas – aqueles de razão de sangue e afinidade, eu de gratidão por representar o povo e fazer o que este não pode fazer.

Pelo trabalho desempenhado em prol dos interesses da nação, certamente com sacrifícios pessoais e familiares consideráveis, o Deputado José Maria Barros merecia maior atenção por quem anda atenta e/ou se diz atenta, por quem quer chamar à colação os desatentos pelas coisas da República. Até percebo que isso passe ao lado de blog´s lúdicos e análogos, mas não daqueles que são de natureza política, para-política, análogas ou de políticos ou candidatos a políticos. Isso, não! Não percebo, de todo. É impressão minha ou, na verdade, a função de Deputado da nação e a sua dimensão e importância deve ser promovida no seio da comunidade nacional – a começar por aqueles que querem ser uma voz lateral do povo? Dá que pensar!

José Maria Barros, Deputado da nação cabo-verdiana, este cidadão saúda o teu labor em prol da República! Tivesses tu nascido numa nação grata… Avé, José Maria Barros! Cumpriste o teu papel de homem bom numa sociedade republicana: deste o melhor que podias e eras capaz para o bem da República. Obrigado!

Imagem: The Ignorant Fairy, René Magritte

  • O MUNDO ENLOUQUECEU, OU ENLOUQUECEMOS O MUNDO?
O Real Madrid, o meu clube preferido em Espanha (com o sofrido e estoico Salamanca), depois de pagar 65 milhões euros ao Milão pelo brasileiro Kaká, decidiu contratrar o português Cristiano Ronaldo, por 94 milhões de euros ao Manchester United, (que passou a ser o meu clube preferido depois do Liverpool, com o endiabrado Ian Rush, ter dado 5-1 ao Benfica no antigo Estádio da Luz) e uma cláusula de rescisão de 1000 (mil) milhões de euros. Negócios assim são uma vergonha, uma ostensiva falta de pudor perante a miséria e a fome que grassa no Mundo.

E se gastássemos o dinheiro em pão, se víssemos que existem outras prioridades? É uma violência, uma violência incompreensível – mesmo para mim que sou um apaixonado pelo futebol. E, como dizia Barack Obama no seu discurso ao mundo islâmico no Egipto, violence is a dead end. Para lá caminhamos, sem remissão – mas com pecados. Poderíamos, de vez em quanto, ser polícias de nós mesmos, ascetas ou franciscanos em busca do melhor caminho para a alma.

O meu poeta, contou-me-me o seguinte:
«Lembro-me de, há alguns anos, zangado comigo mesmo (e para fazer uma pessoa momentaneamente feliz), ter cortado o cabelo para me lembrar que há coisas que não são verdadeiramente importantes – sermos tolerantes e capazes de prescindir do que nos é precioso é, também, um caminho. Por vezes, eu que sou benfiquista de primeira água, deixo de ver os jogos do meu clube para estar tranquilamente a meditar; o que me ajuda na luta diária de manter a minha alma paciente e tranquila. É uma questão de prioridades. E foi por uma questão de prioridades que não vi a final Campeonato do Mundo entre a França e o Brasil em 1998.

Estava em Paris, com um bilhete de futebol na carteira, da alma ansiosa para ir ver a final no Stade de France em Saint-Dennis, quando um amor de então me pediu para ficar com ela em casa – era Domingo, o seu dia de descanso e queria estar esse dia em casa, na minha companhia. Pareceu-me justo o seu pedido, e assim fiz. Não vi a final do Campeonato do Mundo… mas vi uma mulher feliz; e não há nada de mais precioso nesta vida que ver uma pessoa amada feliz. Nunca ficou a saber que eu tinha um bilhete para a final, pois se soubesse teria insistido para eu ir ver o jogo. As mulheres são assim, especialmente quando amam alguém. E se alguém é capaz de fazer um sacrifício por nós, porque não fazer o mesmo? Porque não pensar que a felicidade do outro é tão importante como (senão mais que) a nossa, que as pessoas – em particular as que nos amam – estão primeiro?

Sei, sei que não é fácil. Sei que é mais fácil dizer do que fazer, mas é possível. Pode começar por prescindir de uma coisa que gosta imenso, oferencendo-a a quem dela necessite, ou simplesmente agarrando um Omega, um Rolex ou um isqueiro Dupont de ouro e lança-o ao mar ou ao rio; pode convidar um mendingo para almoçar no melhor restaurante que puder pagar – dando-lhe o dinheiro para pagar a conta – e verá que se sentirá menos vaidoso e esse homem recuperará parte da sua auto-estima; entre num restaurante com um amigo, veja-o comer e beber o que quiser, acompanhe-o na bebida, mas não coma (fará bem à sua auto-disciplina) e pague a conta. Agarre a sua melhor camisa, a quela que gostar mais, lava-o, mande engomá-la e oferece-o a alguém que precise dela, de preferência alguém que possa ver a usá-la. Pode começar assim, e, um dia, se for suficientemente louco para ver os outros felizes, agarre em todo o seu dinheiro e dê-o a um desconhecido em necessidade.»

Ouvi o meu poeta, e disse-lhe o que te digo agora: o trágico disto tudo é que, fazendo de Advogado do Diabo, penso que o que o Real Madrid fez foi isso mesmo: agarrou numa fortuna e deu ao Milan e ao Manchester (paradoxalmente clubes com donos milionários), para fazer feliz os seus adeptos. É, ou o Mundo ficou louco, ou o enlouquecemos – diz o meu poeta. Ou então perdemos a noção do que é sermos humanos; como costumo dizer: temos homem mas não temos humanidade. O meu Mestre diz tanto sobre isso, mas não é escutado.

PS: Deverás estar a pensar (sei, Joshua, que o farás) porque coloquei uma foto do Rasputin aí, não é? Pois é… a história e o cérebro servem para alguma coisa.

Imagem: Grigory Rasputin, nas vésperas da Revolução (1916)

sábado, 27 de junho de 2009

  • LA LUZ DEL CINE
Ayer, con la luna y el silencio colgaba
una gran cesta de paja repleta de amor y rosas
en frívola serenidad, calles oscuras.

Todo lo que yo quería era mirarte, amarte
por la tarde campesina y de eternidad construir
herramientas de hombres, nosotros, mañanas
y días sin hambre de ti.

Hoy, sólo… soy el deseo y la imposibilidad animal
como las rosas, letargo invernal sin amor,
una película antes de haber luz y sueños como tú.
--- Virgílio Brandão

Imagem: The Wedding of Saint George and the Princess Sabra, Dante Gabriel Rossetti

  • IN DIVUS RELATUS EST, MICHAEL JACKSON
Ontem de manhã falava com uma amiga a viver em Los Angeles e, sabendo que está a terminar um trabalho discográfico produzido por Quincy Jones, naturalmente acabamos por falar de Quincy Jones (que produziu, v.g., Off The Wall e Thriller) e Michael Jackson e da revolução que fizeram na música moderna e do quanto incompreendido e injustiçado era o homem-menino. Mal sabíamos nós que horas depois teríamos a funesta notícia de que Michael Jackson encentaria a maior aventura, que o seu génio já não nos tocaria de novo com coisas novas e inovadoras, que não mais nos colocaria nas costas do espanto; como eu esperava. Humana conditio, injustiça da natureza, pois o génio deveria ser preservado, alimentado pelo tempo e pela vida.

Há anos que tenho para mim que fomos plantados neste Mundo para o deixarmos um pouco melhor do que o encontramos, mas nem sempre conseguimos. Michael Jackson conseguiu, com o seu génio e generosidade, tornar a vida e o Mundo um lugar melhor, mais belo do que o encontrou. A história se encarregará de desmascar as mentiras que ao longo dos anos foi alvo, até porque os seus inimigos morreram com ele. O seu funnus será, antevejo, uma espécie de assentamento nos lugares celestiais, e com os povos do Mundo a gritarem nos seus corações pulsantes de saudade próxima: in Divus relatus est, Michael Jackson!

  • MOMENTOS DA HISTÓRIA
O Presidente Richard Nixon e o Secretário Geral do Partido Comunista da URSS, Leonid Brezhnev, assinam o Tratado SALT I em Moscovo (1972). O mundo ficava, então, mais seguro.

  • CIDADE VELHA – ANTES DO SER JÁ ERA E É MAIS
No outro dia, realizou-se em Portugal um concurso – análogo ao que chegou à conclusão que Oliveira Salazar é o português mais impostante da história – sobre as Sete Maravilhas do Portugal colonial e que a Cidade Velha foi eleita uma das ditas maravilhas. Fiquei, confesso, estupefacto. Não somente pelo facto de descortinar um incofessando saudosismo colonialista no dito concurso, mas porque não se pode chamar de “maravilha” a um sítio usado para o crime contra a humanidade que foi e continua a ser o tráfico de seres humanos. Mesmo no plano estético, verdade seja dita: havia lugares bem mais belos e interessantes que a Cidade Velha para serem, com razão, consideradas maravilhas pois de razão estética e não de memória se deveria tratar.

Agora, a questão do reconhecimento pela UNESCO da Cidade Velha como Património Mundial é algo de substancialmente diferente: é um reconhecimento tardio, mas de saudar por todos os cabo-verdianos que nela têm o berço da sua nacionalidade, mas também pelos afro-brasileiros e povos africanos da origem dos negros raptados e hediodamente escravizads e que têm a sua história umbilicalmente ligada à Cidade Velha da Ribeira Grande de Santiago de Cabo Verde.

O que a UNESCO fez foi nada mais do que reconhecer o que já tinha feito com Goré: reconhecer o valor imaterial da memória, mais do que o património edificado pelo colonialista – pois os lugares de esclavagismo, além da sua dureza e aspereza estétiticas, são lugares hediondos, anátemas e provas iure et de iure do maior genocídio e memoricído da história da humanidade: o colonialismo e a escravidão forçada e criminosa a ela associada. Neste aspecto a Cidade Velha é mais, muito mais do que aquilo que a UNESCO veio reconhecer: Património Mundial. Este é pouco, pois a Cidade Velha é mais, muito mais do um espaço patrimonial a ser preservado, é um espaço de geomemória a ser preserva e promovida, tendo sempre presente um discurso de resiliência: nunca mais! Neste aspecto, a memória da Cidade Velha e Goré é património-exemplo da humanidade, em particular das vítimas da maldade humana que souberam vencer o mal e contruir uma nação. Resta-nos libertar-nos do colonialismo mental e falta de ambição de sermos cada vez melhor do que somos, como pessoas e como nação; e isso é coisa que nada nem ninguém pode fazer nada por nós.

Imagens: Cidade Velha

sexta-feira, 26 de junho de 2009

The King is dead.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

  • O ABORTAMENTO CONSTITUCIONAL

Li no A Semana on line que não vai haver Revisão Constitucional. Não é nada que me surpreenda, pois há muito que tinha dito – em vários escritos no Liberl e aqui neste blog – que tal poderia não acontecer. As razões que A Semana avança não serão, de todo, as verdadeiras razões. Pelo que as Actas da Comissão Eventual para Revisão Constitucional (CERC) devrão ser tornadas públicas, a fim de aferir-se as verdadeiras razões deste aborto da Revisão da Magna Carta cabo-verdiana.

Agora, uma coisa me parece uma evidência: os Deputados da nação na CERC seguiram, a ser verdade o que veio a público em notícia da Inforpress, a pior das técnicas possíveis: primeiro resolveram as questões mais fáceis, e só depois atentaram nas questões mais complexas. E, em rigor, deveria ser o contrário pois se não se chegasse a um acordo sobre estas matérias, não se perderia 4 meses tentar um consenso falho a partida.

As questões que se invocam para não haver Revisão são susceptíveis de um consenso (fácil de conseguir, se pensarmos no sistema e nos cidadãos e não nos interesses partidários) que não não brigue com a independência dos juízes, mas que não decapite o Conselho Superior da Magistratura de uma dimensão democrática e plural; sendo certo que a nomeação do Presidente deste Conselho pela Assembleia Nacional por maioria qualificada de 2/3 poderá, como aconteceu no passado, criar graves entraves ao seu funcionamento. O passado ensina, e devemos aprender, ou estar dispostos a aprender. Mas quando a vontade é pouca, nada há a fazer. Há muito mais, mas mesmo muito mais do que esta razão anunciada. Não me admiria nada se o MPD e o PAICV chegassem a um secret gentlemen agreement para só mexer na Constituição depois de Outubro...

quarta-feira, 24 de junho de 2009

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS...
Stories of the Prophets from Adam to Muhammad, Ibn Katheer

Imagem: Dark Labirint, Luis Royo

terça-feira, 23 de junho de 2009

  • MEMÓRIAS DE MENINO
Confessaram-me sacerdorte
que a felicidade também dói,
que Deus é ingrato,
e eu, parido, restos de Eva
pouco mais sou que argueiro-pó,
sombra plumada desse sonho.

Ia discordando, libertário gritar:
– «Não sonhar é tudo!»
quando me lembrei vigário de Eloha
e que deveria ouvir a vida e os grilos,
os grilos da fonte e da ribeira,
da ribeira e da fonte da minha infância.

.

--- Imagem: MIR, estação espacial russa fotografada a partir do Space Shutle Atlantis

  • NIHIL NOVI SUB SOLI
Josep Stalin adulterou esta fotografia para aparecer ao lado de Lenin no seu Retiro de Verão, sugerindo a sua proximidade ao líder soviético. Como diz a Biblia (Provérbios de Salomão, XXII.6): «Train a child in the way he should go, and when he is old he will not turn from it» (New American Standard Version of the Bible). Quem de lobo mama, lobo é; quem cordeiro quer ser, cordeiro será no altar. Mudam-se os tempos mas não se mudam as vontades, a confiança cruxifica-se.

domingo, 21 de junho de 2009

  • COISAS ACABADAS
Dentro do medo e das suspeitas,
com a mente agitada e os olhos aterrados,
fundimos e planeamos o que fazer
para evitar o perigo
certo que desta forma horrenda nos ameaça.
No entanto equivocamo-nos, não está esse no caminho;
falsas eram as mensagens
(ou não as ouvimos, ou não as sentimos bem).
Outra catástrofe, que não imaginávamos,
brusca, torrencial cai sobre nós,
e desprevenidos - como teríamos tempo – arrebata-nos.
---- Constantinos Kavafis
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Imagem: Fábula, Gustav Klimt

  • MINOR HUMANA CONDITIO
Há quem fique de «pés juntos», invocando Juno e Minerva, com o cérebro em formol ou como os túbaros depois de uma orgia monumental. Que fazer quanto a isso? Como dizia Aristoteles, “When pressing needs are satisfied, man turns to the general and more elevated”. Deveria ser assim, mas parece que não… parece que não. É-se, como o escorpião, o que se é. Minor humana conditio, pois claro.

Imagem: Mother Earth, Luis Royo

  • A ROTA DA ESCRAVIDÃO, que não dos escravos. É que existe uma diferença substancial entre uma coisa e a outra. A memória é uma coisa preciosa, mas não é, nem deve ser, instrumento de seja o que for.

sábado, 20 de junho de 2009

Clé d´amour, Vladimir Kush
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O rare delight, these pains that break
My heart, dear hope, for thy sweet sake!
Through all the days, in all my woe,
I will not ever let thee go.

If any man should dare to say,
" Thou shalt forget his love one day"
The only answer I will give
Is an eternal negative?
---- Abu Muhammad Ali ibn Hazm

  • O GUETO
Acordo a pensar numa coisa que disse há alguns anos numa entrevista, mas que hoje me ocorre pela manhã, com os pardais a cantarem: «Podem tirar o homem do gueto, mas nunca o gueto do homem». existem, verdadeiramente, coisas inextirpáveis, como dizia o homem de Konisberg ao falar das heranças ditas de El Elohim.

Antoninus Bassianus, Caracalla. O primeiro Barack Obama da história
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  • MEMÓRIAS DA HISTÓRIA
Compartilho com os leitores de Terra-Longe este discurso de Antoninus Bassianus no Senado Romano, depois de, no dia 26 de Dezembro do ano de 211 a.D., ter morto o irmão, Antoninus Geta, nos braços da mãe, Júlia Domna (mulher do segundo Imperador africano do Império romano) e de, perante a recusa de Papianiano de fazer a sua defesa perante os Pais de Roma, ter mandado matar um dos maiores juristas da história: Aemelius Papinianus.

***

Antoninus Bassianus sentou-se no trono imperial e, perante um Senado silencioso e aterrorizado[1] – com verdadeiro temor e tremor –, disse-lhes:[2]

«Tenho consciência do ódio que imediatamente se sujeita alguém de quem se tem notícia de ter assassinado um familiar. A palavra em si causa uma grave recriminação logo que é escutada, causando simpatia pelas vítimas e animosidade pelos agentes vitoriosos. A vítima, em tais circunstâncias, aparece como estando do lado do bem e os vitoriosos do lado do mal.

Mas se alguém analizar o facto com uma mente aberta, sem preconceitos de favor, pelo homem morto, e investigar as causas fundamentais da acção, logo descobrirá que é uma lógica necessária que uma pessoa que esteja prestes a ser ferido se defenda e não se remeta à passividade; pois neste caso o desastre da vítima só pode ser atribuído à cobardia, enquanto que ao vitorioso, além da sua segurança, obtem a reputação de bravo.

No geral, podeis descobrir, usando a tortura, as várias ocasiões em que o meu irmão conspirou contra mim, usando todo o tipo de venenos letais e toda a espécie de traições. Por isso dei ordens para os seus serviçais serem trazidos aqui perante Vós para descobrides a verdade. Alguns já foram inquiridos e podereis ter as provas dos seus depoimentos. Mas o facto decisivo foi que, enquanto estava com a minha mãe, atacou-me com uma espada – estando acompanhado por vários homens armados e preparados para a peleja.

Mas, com grande acuidade e presença de espírito, percebi o que estava acontecendo e defendi-me tratando-o como a um fora da lei, uma vez que não se apresentava nem demonstrava a atitude e o intuito de um irmão. A legítima defesa contra a conspiração não é somente justificada como é natural. Afinal, até Rómulo, fundador desta cidade, não deixou de defender-se do seu irmão simplesmente por este gozar com a sua administração; para não cita Germânico, irmão de Tibério; Britânico, irmão de Nero ou Tito, irmão de Domitiano. O próprio Marco, enquanto apregoava a sua filosofia e humanidade, não tolerou a arrrogância de Lucius,
[3] seu genro, e livrou-se dele através de uma conjura.

Assim, também eu me defendi contra o meu inimigo que estava se preparando para me matar e ergueu a sua espada contra mim. Inimigo é o nome que ele merece em razão das suas acções. É vosso dever, primeiro, louvar os deuses por pelo menos um dos Vossos imperadores ter sido salvo por eles; depois devereis por um fim aos sentimentos sectários e às opiniões partidárias e viver uma vida tranquila perante um único Imperador. Júpiter criou o poder imperial para um único governante, a imagem da sua própria posição entre os deuses.»
Antoninus Bassinanus dixit
__________
NOTAS:
[1] Desde a entrada de Severus em Roma em 193 a.D e da sangrenta apresentação do mesmo em 197 a.D, depois de voltar da guerra com Clodio Albino, que o Senado não enfrentava uma situação idêntica.

[2] Herodiano, IV.5.2-7 (a tradução portuguesa é minha, para o meu livro «Os Imperadores Africanos do Império Romanos – A Multiculturalidade no Berço da Europa»). Todo o discurso de Antoninus Bassianus é enformado por uma lógica de justificação que repredistina a tradição romana de auto-defesa da vida, sentido de honra e dignidade que vinha desde o tempo da Monarquia até ao Imperium dos Antoninos, cujo testemunho de situação invocou em Marco Aurélio.
Percebe-se, pelo discurso, as razões de Papiniano, «Princípe dos jurisconsultos», ao recusar-se a redigir a fundamentação jurídica deste discurso do jovem Imperador e defender a causa do mesmo em público. É célebre a resposta de Papiniano ao Imperador Antoninus Bassianus: «É mais fácil cometer um fraticídio do que justificá-lo». Facto que seria causa mediata da sua morte. De todo o modo o discurso justificador resulta bastante convicente. Este discurso terá sido, possivelmente, redigido por Menandro ou Saturnino; mas o Imperador teve de defender a sua tese de emergência de causa de justificação do fraticídio do irmão Antoninus Geta. Mas os factos, na verdade, eram substancialmente diferentes – mas não importa agora, para este aontamento.

[3] Era voz corrente no Império que Marco Aurélio teria se livrado de Lucius Verus, seu genro e co-Imperador, envenenando-o («The Life of Marcus Aurelius», XV.5, in SHA).

sexta-feira, 19 de junho de 2009


  • A IMPORTÂNCIA DE SEREM DOIS

Diz Salomão, que melhor é serem dois do que um, pois se um cair o outro ajuda-o a levantar-se. Nunca tal foi para mim tão verdadeiro como hoje, ao ver a CNN. Um piloto da Continental Airways, companhia de tripulantes afáveis e profissionais, e com quem já tive o prazer de viajar, morreu durante um voo entre Busselas (Belgica) e Newark (New Jersey, Estados Unidos). A aterrizagem do avião, um Boeing 777, foi feita pelo co-Piloto (os aviões têm um piloto extra para situações de emergência), que estava a postos no momento do incidente.

Lembro-me, agora, de há algum tempo, ter estado com um amigo, Piloto de uma companhia aérea europeia, a beber uns Manhattan´s no Hard Rock Café de Lisboa. Foram, entre uma conversa muito animada, uma meia dúzia. Como já estava meio grogue, levei-o até ao Hotel Tivoli, onde estava hospedado, para avisar na recepção de que o deveriam chamar as 06:00 para ir ao Aeroporto.

Chegados ao Hotel, fui informado na recepção que não haveria problemas: todos os hóspedes da Companhia aérea seriam acordados as 06:00. E o meu amigo insistiu em beber mais um Manhattan! Disse-lhe que não, que já chegava e que ele tinha trabalho de manhã.

– «Está bem, então vou beber sozinho» – disse-me.

Tive a sensação, na verdade quase certeza, que se ele ficasse ali iria beber muito mais do que uma bebida (e o Manhattan no Tivoli, ao contrário do que acontece no Hard Rock, tem Augustura, o que torna a bebida mais forte - mas mais saborosa). Lá bebemos mais um Manhattan, e disse-lhe:

– T., não estás em condições de ir pilotar um avião!
– Ah, não te preocupes! Eu sou o co-Piloto, não irei fazer nada; só se for necessário e em situação de emergência. O avião em que trabalho é o transporte mais seguro do Mundo, nunca acontece nada – volveu.
– Sim, deves ter razão, mas vai descansar – repliquei.

Seguiu o meu conselho, e eu segui para casa, pensando que felizmente ele não ia pilotar um avião. Antes de o deixar no lobby do Hotel disse: «T., se sentires dores de cabeça de manha, bebe um Bloody Mary que isso passa logo. Chegou ao destino, bem. Lembrei-me dele hoje, Amanhã, telefonar-lhe-ei.

PS: Um dia destes ensino aos leitores de Terra-Longe como se faz um Bloody Mary, pois é bem melhor para a "ressaca" que uma canja de galinha gorda acompanhada de chã gelado açucarado.

Para ouvir bem o som do Video, tire o som no plugin da rádio, à esquerda...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

  • POMBAS E MESSIAS
Porque as pombas representam Deus
o pater da minha terra-umbigo
– aquele que desnudava as virgens
e trocava a sua pureza por filhos –
nunca desarmou o seu silêncio
além dos genes que gritavam nos rostos,
nas peles adulterinas emergentes das fraldas.

Eu, como todos os curiosos das rotundas,
insistia e insisto na pergunta do poeta:
– «Jesus, alerta-me a natureza,
foi menino – como sou, fui.
Mas seria virgem quando em Nazaré
se descobriu Messias?»

Imagem: Le Principe du plaisir, René Magritte

  • MUDAMOS MAS O MUNDO GIRA E NÃO MUDA

1984, depois de ter abandonado a escola em menino, voltei a estudar. A razão, então, era simples: queria ir para a Etiópia ou o Bangladesh ajudar a multidão que morria de fome. Queria ser missionário, mas as circunstâncias da vida por vezes conspiram contra o bem e/ou a vontade de o fazer.

Hoje, de repente, amourado no meu momento de reflexão, perguntei a mim mesmo se não deveria ter ido para missionário… se não deveria ter seguido o caminho proposto pelos missionários combonianos e ter me tornado sacerdote católico. Mas não!, "pensava de forma diferente" – era protestante/evangélico, o quadro doutrinário católico agoniava-me (não no plano social, mas estritamente doutrinário) e não me sentia capaz de um sacrifício contra a natureza que o sacerdócio católico romano exigia e exige, pelo menos sem deixar de ser honesto comigo mesmo. Pensava, então, que haveria outros caminhos… estudei Direito, especializei-me em Direitos Humanos, uma forma sucedânea do sacerdócio, pensava.

Mas ha coisas que não mudam. Há alguns anos, numa entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro para o DNA (suplemento semanal do jornal português Diário de Notícias), dizia-lhe que «um dia destes deixo tudo e vou para missionário». É uma tentação contínua, que me persegue – especialmente quando vou a Cabo Verde, passo por países com problemas sociais gritantes (evito viajar para essas zonas, pois ferem-me a alma de forma brutal – há anos que adio uma visita de estudo à Mauritánia e ao Sudão). Nestas alturas, como aconteceu quando estive em Luanda (lembras-te, meu bom amigo Pastor Victor Belo?) e no Brasil, sinto-me como que perseguido por Deus, empurrado às origens dos motivos da minha formação formal.

Azucrina-me, não raras vezes, essa coisa estranha que é (re)começar a estudar para uma missão e acabar noutra, substancialmente diferente: a defender criminosos e pessoas que, não raras vezes, são ingratas e que só podem se queixar de si mesmas. Eu não me queixo de nada – talvez de amar menos do que deveria ou de arriscar menos neste plano – que a existência me proporciona, pois tenho nos menos afortunados a minha referência de existência.

Cerca de 25 anos depois, o Mundo continua o mesmo espaço de desigualdades profundas que me moveram a querer certificar os meus conhecimentos e a saber mais de tudo. As mesmas questões me preocupam, agora numa perspectiva ainda mais abrangente e com uma outra percepção, o mesmo sentir me afronta... E me afronta mais ainda pelo facto de me sentir, de certo modo, violentamente contaminado por uma forma de viver que, no fundo, me indigna. Um dia, como dizia a Anabela Mota Ribeiro…

Bem, o melhor é ir escrever um poema...

Imagem: Crucifixo, de Kooning

  • VOZES DE ATENTAR
«This morning, one billion people around the world woke up hungry and tonight, they will go to sleep hungry. This issue has not gotten the attention it deserves, and it is a personal priority of mine and of the Obama Administration to address the challenge of chronic hunger with a very high level of focus and dedication», Attacking Hunger at Its Roots, Hillary Clinton ... Read more

Imagem: Musguns, casas que são arte (Camarões)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS...

Schelling-Hegel. Correspondencia completa, Traducción de Raúl Gutiérrez y Hugo Ochoa

Imagem: Sonata Africana, Vladimir Kush

"Peter is completely fictitious, but he’s extremely well written".

sábado, 13 de junho de 2009

  • A GRANDE LIBERTAÇÃO DE CRISTIANO RONALDO
O escravo Cristiano Ronaldo foi libertado por 94 milhões de euros. O Mundo rejubila – feliz, o sofrimento acabou no Mundo. Amanhã, amanhã mesmo, serão vendidos os clubes de futebol, para acabar com a fome no Mundo.
.
Imagem: Cristiano Ronaldo, um (então) escravo feliz

sexta-feira, 12 de junho de 2009

  • AS PRESIDENCIAIS, O MPD E A PACIÊNCIA NECESSÁRIA DO PAICV
Isaura Gomes, a mui querida edil mindelense, fez uma declaração pública de que “dadas as novas circunstâncias [isto é, a não candidatura de Carlos Veiga à Presidencia da República], estou disponível para me candidatar ao cargo” de Presidente da República de Cabo Verde. Diz o jornal A Semana que Isaura Gomes assume publicamente essa vontade, como se isso fosse algo que a mesma não tivesse já feito, como se fosse uma novidade ou uma surpresa... A Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente já tinha deixado claro, de forma clara e inequívoca, que essa era/é a sua meta. Basta ler-se o Comunicado de Imprensa que a mesma fez há cerca de um mês, pouco antes de Carlos Veiga anunciar a sua candidatura no Mindelo e que era, claramente, «uma marcação de lugar».

Há muito que, aqui por Lisboa, sem tem dito que assim aconteceria, como acontecerão outras coisas no seio de MPD antes da sua Convenção, e outras no PAICV depois de saber quem terá de marcar, naturalmente. Não ficaria surpreso se, dentro de dias, aparecer um artigo ou uma declaração de Imprensa de um tocador de tambor a gritar: «Jorge Carlos Fonseca,1 you are the man! – Candida-te», e assim abrir as hostilidades necessárias no seio do MPD para se encontrar "a solução de consenso" que a Comissão Politica do MPD pretende (a lista única), e que o Jorge Santos e o Carlos Veiga sabem bem qual é.

A Isaura Gomes sabe que a única solução digna para ambos não a beneficia, nem ao candidato putativo mas esperado que é o Jorge Carlos Fonseca; se bem que este poderá ter uma vantagem política sobre a edil mindelense, pois poderá emergir como um candidato não fraturante. Para isso não irá correr atrás da Isaura Gomes, irá ter paciência - como convém. Mas a Zau, emotiva como é, pensará que o melhor é chegar primeiro ao já “lugar marcado” de candidato. Só que desta vez, ao contrário do aconteceu com Mascarenhas Monteiro, é mais difícil que conseguir arranjar um bilhete de estreia no antigo Tuta (Cinema Miramar). É hora de chamar o Fôte!, pois vão haver empurrões.

Se Jorge Santos está está a ser empurrado para o suicídio político – há quem queira mesmo um homicídio político... – Carlos Veiga arrisca-se, também, a um suicídio político, a nível externo e no seio do MPD, e a Comissão Política tenta evitar isso; pois sabe que uma eventual derrota do Carlos Veiga é a morte de matá cabeça do ex-Primeiro Ministro e candidato presidencial. Este sabe(rá) que é, para o MPD, muito mais importante ganhar as eleições legislativas que as presidenciais – e que, num cenário de eventual vitória sobre José Maria Neves nas legislativas (lá para o fim do ano veremos se se o actual Primeiro Ministro será ou não o candidato do PAICV às legislativas ou se irá às presidenciais – que está quase, quase… à sua mercê) não só recuperaria o elan de vitória do MPD mas abriria as portas a um futuro presidencial. Mas sabe, tem consciência, que anda na corda bamba. É preciso muita coragem política e dimensão de risco para isso, diga-se de passagem.

As viagens de algumas figuras presidenciais do PAICV, como David Hopffer Almada e Aristides Lima (este é, na esfera política do PAICV, com o actual Primeiro Ministro, a figura com melhor perfil para o cargo presidencial – tem o handicap de ser muito formal, não ter a dimensão popular que o povo gosta), à diáspora é um sinal preparatório das suas aproximações às comunidades no exterior. Mas sabem, todos eles, que estão reféns da decisão do líder, José Maria Neves, ser ou não candidato às presidenciais; ou do poio expresso que este venha a dar a este ou aquele candidato. Emergirá um delfim no PAICV, depois da Convenção do MPD? É o mais provável, e previsível; tudo indica que sim. Seja qual for o cenário, será preciso; aliás, o Primeiro Ministro José Maria Neves deve ter em atenção que se arrisca a ser uma espécie de escalipto no plano da liderança do seu partido, o que pode ter custos consideráveis no futuro.
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[1] Não me surpreenderia se o Jorge Carlos Fonseca fizesse esse papel, promovendo a candidatura de Eurico Monteiro, ou do necessário “candidato de consenso”. Mas teria de fazer das tripas coração, certamente.

Imagem: O Falso Espelho, René Magritte

Le Liberateur, René Magritte

  • O MEU POETA
«A ideia de um Deus Scientarum é a de um escritor canónico que, a todo o momento, reconstrói os pensamentos do Mundo» – afiança-me o meu poeta.

  • MARAVILHAS
Como dá para perceber Akenaton…

Imagem: Nascer do Sol sob as pirâmide em Gizé

quinta-feira, 11 de junho de 2009

El sol todavia nasce…
Federico Garcia Lorca
  • AO HOMEM
Habitando teu corpo
landa
caminho sobre corpos
sem sentimentos.

Sou uno!

Nas passadas silenciosas,
nuas e cruas,
sinto a luxúria do contacto
que se sonha e se recusa.

No pó, a carne recupera a herança…
Insustentável…
Enche o ar
que me mordisca a pele
inutilmente…

Sob o sol, frio e frágil,
nada há de novo.
O lugar…
A imagem…
É comum a olhos incomuns.

Imagem: Antonin Artaud (Biennal de Veneza)

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS

    Robert Wright, The Evolution of God

Imagem: Tutankhamon

terça-feira, 9 de junho de 2009

  • CRCV – A REVISÃO DOS PARTIDOS E O SILÊNCIO
Segundo notícias da Inforpress, estão pendentes na Comissão Eventual de Revisão Constitucional a oficialização da língua cabo-verdiana, as buscas domiciliárias, a extradição dos cidadãos nacionais, os impostos e o sistema fiscal, o salário mínimo nacional, a eliminação do parecer vinculativo do Presidente da República para dissolver o Parlamento, a reforma da justiça, a diminuição da legislatura do Governo de 5 para 4 anos. É bastante para, não havendo consenso, não haver Revisão Constitucional. Mas há mais, tem de haver mais do que diz a Inforpress.

Três outras questões, parece-me, estarão pendentes (ficaria muito surpreso, mas muito surpreso mesmo, se não estivessem): (i) o tempo de mediação entre as eleições legislativas e presidenciais, (ii) a adesão ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional e (iii) a questão da responsabilidade penal dos membros do Governo, que há anos que venho dizendo que cria uma desigualdade material entre os cidadãos e promove a inpunidade, e o Procurador Geral da República deixou claro ainda há poucos dias que é matéria que «amarra as mão» da PGR que acaba, naturalmente, a ser acusada de não fazer o que não pode nem deve fazer.

É que não quero crer a primeira (i) questão seja pacífica – no que diz respeito ao tempo, não da sua necessidade – e que tenha-se chegado a um consenso a esta altura das movimentações polícias. Assim como não me parece haja consenso sobre a questão da reponsabilidade dos membros do Governo, a não ser que se tenha chegado a um consenso: deixar tudo na mesma, com uma operação de cosmética semântica. A ver vamos. A questão da da adesão ao TPI está unbilicalmente ligado a da extradição, mas são matérias substancialmente diferentes e que se pode encontrar uma solução adequada no quadro constitucional.

O que me preocupa, além destas matérias, é uma outra coisa e que digo sempre: a forma como se fazem as coisas! Esta Comissão Eventual de Revisão Constitucional vai fazer o trabalho que o Parlamento deveria fazer, sendo porta-vozes dos seus partidos e, aprovando eles uma proposta de consenso, os deputados labanta-braço irão aprovar a Revisão da Constituição. E depois dirão que foi tudo muito discutido entre a comunidade, que a sociedade civil pôde dar o seu contributo e bla, bla, bla… Na verdade é meia dúzia de pessoas – em representação dos partidos – a decidir o que deve ser a Constituição da República, e isso é preocupante. Mais preocupante é o silêncio em volta disso, como se o país pudesse ser pensado sem os cidadãos.
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Imagem: Amílcar Cabral, pater patriae

  • TESTEMUNHOS VIVOS DO HOLOCAUSTO
Impressiona a cara de dor destes dois homens, Bertrand Herz e Elie Wiesel, sobreviventes do Campo de Concentração de Buchenwald. Após tantos anos, a maldade sofrida, a dor, o horror, ainda é visível e manifesta nos seus rostos… e ainda há quem diga que nunca aconteceu!

Imagem: Visita de Barack Obama e a Chanceler Angela Merkel ao antigo Campo de Concentração de Buchenwald, nas proximidades de Weimar.

  • ENCONTRO

Procurei a pureza e encontrei-a
no fogo.
Toquei-a com amor
e fique de dor com as mãos manchadas.

Imagem: São Sebastião, Gustave Moreau

segunda-feira, 8 de junho de 2009

  • AUTORETRATO

Sou um político, nado.
Represento a minha cabeça, afogo.

Sou um político nado.
Represento a minha cabeça, a fogo.

Sou um político.
Nado,
represento,
a minha cabeça afogo
com o meu voto nas urnas.

Imagem: Barack Obama e a Chanceler Angela Merkel

  • EUROPA DE PARTIDOS OU DE CIDADÃOS?
O teor e sentido das campanhas eleitorais para o Parlamento Europeu deixaram-me agoniado – pois o sentido da cidadania e a necessidade de engajar esta no futuro da Europa ficou de fora, mais uma vez – com o discurso direita-cento-esquerda. Um discurso que desvirtua a natureza do Parlamento Europeu e afasta os cidadãos das instituições e da ideia de Europa, promovendo o individualismo e o divórcio entre a cidadania a actividade política. Triste, no mínimo. Assim, e no cenário de crise existente, como é que a «direita», nomeadamente a populista, poderia perder estas eleições? A esquerda que cresceu, que teve resultados dignos, foi a esquerda mais incisiva, com um discurso próximo da ruptura com o establisment, a direita que não cresceu foi a que um discurso soft em dadas matérias.

Estes resultados das eleições para o Parlamento Europeu, de França, Itália a Holanda (e Portugal, a seu modo) não auguram nada de bom… nada de bom mesmo. A culpa é quem? Dos cidadãos, que deixaram os partidos usurpar o Forum que deveria ser um plenário da cidadania, mas que é uma mera extensão dos interesses politico-partidários. 66,6% de abstenção é um absurdo numa sociedade dita democrática, quase desiligitimadora do mandato dos eleitos. Se estivéssemos perante um referendo, não faltariam vozes a dizer que não seria válido. É uma forma dos cidadãos dizerem: não vale a pena votar, não merecem o meu voto. Têm razão. Mas as coisas não deveriam ser nem seriam assim se deixassem a apatia e se preocupassem em saber o que é, na verdade, a Europa e as suas instituições. O Parlamento Europeu segue para um novo mandato, mais um mandato refém dos partidos políticos, e respectivas suas famílias políticas. É, depois do Estado de Partidos, a Europa de Partidos.

Imagem: Estudo de nu, Pablo Picasso






























  • SONHO DE PILAR

Pilar Montenegro, tem um sonho: ser mãe.
E depois venham lá me dizer que não existem pessoas com bom senso!

Imagens: Pilar Montenegro

  • AS JOVENS CORREIOS DE DROGA
Mais uma vítima. Samantha Orobator, cidadã britânica, 20 anos de idade, foi condenada a pisão perpétua em Laos, Vietname, por tráfico de estupefacientes, heroína. Esta pena foi-lhe aplicada porque o julgamento demorou algum tempo e a jovem britânica, presa desde Agosto de 2008, apareceu grávida e as leis do país não permitem a aplicação da pena de morte a mulheres grávidas. Tudo serve para salvar uma vida, é certo.

Não tenho dúvidas de que foi o facto de ter denunciado os seus cúmplices, e essa denuncia ter levado a prisão dos mesmos é que lhe salvou a vida – a gravidez foi somente o meio, pois os juízes não tinham outro espaço de manobra para recompensar a sua colaboração. Se a quizessem executar, teriam evitado que ficasse grávida, adiado o julgamento ou deferido a execução. A gravidez salvou-a da morte, por fuzilamento. Foi o preço necessário, a única saída para se manter viva.

É uma tristeza, tantas as jovens que são levadas à desgraça pelos traficantes. Em Portugal, destino de muitas das nossas jovens – como correio, ou trazidas para vender droga nas ruas (muitos homens já são “engatados” para isso), bares e discotecas – a pena não é tão dura como no Vietnam ou Singapura: a morte é certa nestes países. Mas uma pena de 4 a 12 anos de prisão deve dar que pensar. As prisões portuguesas estão cheias, pejadas de jovens mulheres, nomeadamente cabo-verdianas, brasileiras, colombianas… apanhadas pelas promessas feitas pelos traficantes de lhes «mudar a sorte», pela ilusão de terem dinhiero para pagar as contas desesperadas, a universidade ou a vida uma in.

Estas mulheres acabam, em regra, por ser condenadas a uma pena de efectiva de 4 anos e meio ou, se for um colectivo de Juízes com uma perspectiva repressiva e invocando a intensidade do dolo, a necessidade de prevenção geral e a danosidade social do ilícito, 5 anos e meio ou 6 anos para não deixar espaço, em sede de recurso, a uma suspensão da pena. A isso acresce a respectiva pena acessória de expulsão. Isto é, depois, ao meio da pena (quando poderiam ter direito a saídas precárias), são expulsas, se assim for decidido pelo Juiz de execução de penas. Se assim não for, são expulsas de Portugal aos 2/3 da pena, sem saídas precárias, e inibidas de entrar no espaço da União Europeia por 5 a 10 anos. Ter um filho (com um cidadão residente de longa duração ou de nacionalidade portuguesa), pode salvar as mesmas de serem expulsas do país, mas não da prisão. Mas essa possibilidade é muito, muito difícil de acontecer em Portugal. Mas pode acontecer, lá isso pode.

Fica aqui o alerta: não aceitem estas propostas de “mudar a sorte”, pois elas só levam ao inferno. E, já agora, o Governo de Cabo Verde bem que poderia tomar medidas (algumas são possíveis e outras necessárias) para evitar que as jovens estudantes no exterior se vejam nesta contigência, muitas vezes imposta por um estado extremo de necessidade. Quem está na terra, o melhor é ficar sossegad(o)a, encontrar outras formas de resolver os problemas, pois ser “correio de droga”, não tá com nada, a não ser a prisão quase certa. Não se tornem duplamente vítimas.

Imagem: Samantha Orobator, saindo do Tribunal depois de ouvir a sentença

  • PROVÉRBIOS DO INFERNO
«A raposa culpa o ardil, não a si mesma», William Blake, «Provérbios do Inferno (28)», in O Casamento do Céu e do Inferno

Imagem: Aniversary, Chagall

ISRAEL E A PALESTINA

Assim reagem muitos israelistas à ideia de Barack Obama de haver um Estado Pelestiniano. No surprises

domingo, 7 de junho de 2009

  • ATHENA (presença da cultura grega)[1]
Tem duas formas, ou modos, o que chamamos cultura. Não é a cultura senão o Aperfeiçoamento subjetivo da vida. Esse aperfeiçoamento é direto ou indireto; ao primeiro se chama arte, ciência ao segundo. Pela arte nos aperfeiçoamos a nós; pela ciência aperfeiçoamos em nós o nosso conceito, ou ilusão, do mundo.

Como, porém, o nosso conceito do mundo compreende o que fazemos de nós mesmos, e, por outra parte, no conceito, que de nós formamos, se contêm o que formamos das sensações, pelas quais o mundo nos é dado; sucede que em seus fundamentos subjetivos, e portanto na maior perfeição em nós – que não é senão a sua maior conformidade com esses mesmos fundamentos –, a arte se mistura com a ciência, a ciência se confunde com a arte.

Com tal assiduidade e estudo se empregam os sumos artistas no conhecimento das matérias, de que hão de servir-se, que antes parecem sábios do que imaginam, que aprendizes da sua imaginação. Nem escasseiam, assim nas obras como nos dizeres dos grandes sabedores, lucilações lógicas do sublime; em a lição deles se inventou o dito, o belo é o esplendor do vero, que a tradição exemplarmente errônea, atribuiu a Platão. E na ação mais perfeita que nos figuramos – a dos que chamamos deuses – a unamos por instinto as duas formas da cultura: figuramo-los criando como artistas, sabendo como sábios, porém em um só ato; pois o que criam, o criam inteiramente, como verdade, que não como criação; e o que sabem, o sabem inteiramente, porque o não descobriram mas criaram.

Se é lícito que aceitemos que a alma se divide em duas partes – uma como material, a outra puro espírito –, de qualquer conjunto ou homem hoje civilizado, que deve a primeira à nação que é ou em que nasceu, a segunda à Grécia antiga. Excetas as forças cegas da Natureza, disse Sumner Maine, quanto neste mundo se move, é grego na sua origem.

Estes gregos, que ainda nos governam de além dos próprios túmulos desfeitos, figuraram em dois deuses a produção da arte, cujas formas todas lhes devemos, e de que só não criaram a necessidade e a imperfeição. Figuraram em o deus Apolo a liga instintiva da sensibilidade com o entendimento, em cuja ação a arte tem origem como beleza. Figuraram em a deusa Athena a união da arte e da ciência, em cujo efeito a arte (como também a ciência) tem origem como perfeição. Sob o influxo do deus nasce o poeta, entendendo nós por poesia, como outros, o princípio animador de todas as artes; com o auxílio da deusa se forma o artista.

Com esta ordem de símbolos – e assim nesta matéria como em outras – ensinaram os gregos que tudo é de origem divina, isto é, estranho ao nosso entendimento, e alheio à nossa vontade. Somos só o que nos fizeram ser, e dormimos com sonhos, servos orgulhosos neles da liberdade que nem neles temos. Por isso o nascitur que se diz do poeta, se aplica também a metade do artista. Não se aprende a ser artista; aprende-se porém a saber sê-lo. Em certo modo, contudo, quanto maior o artista nato, maior a sua capacidade para ser mais que o artista nato. Cada um tem o Apolo que busca, e terá a Athena que buscar. Tanto o que temos, porém, como o que teremos, já nos está dado, porque tudo é lógico. Deus geometriza, disse Platão.
in Fernando Pessoa, Idéias Estéticas da Arte
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[1] Agora que a cultura voltou a ser tema de interesse, que se espera e se desespera pelo Plano Estratégico da Cultura do Minstro Manuel Veiga e nos aproximamos do momento da verdade da candidatura da Cidade Velha a Património Mundial, resolvi editar aqui este texto de Fernando Pessoa sobre a cultura.

Os Deuses vendem quando dão.
Comprase a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
---- Fernando Pessoa, Mensagem


Imagem: Picasso, Minotauro e mulher (1933)