terça-feira, 31 de março de 2009










  • QUEM FOI QUE QUERIA UMA COELHINHA CRIOULA?

O fotografo que fez as fotos da Mónica Sofia não é grande espingarda – mas há uma outra foto interessante. Estas, por exemplo, são felizes. Para que se saiba, fica registado. E depois não me venham falar da (falta de) superfície frontal das crioulas, não…

Imagem: A coelhinha da portuguese Playboy

  • VOZES DE ATENTAR...
"Aprender na vida, aprender junto do nosso povo, aprender nos livros e na experiência dos outros. Aprender sempre", Amílcar Cabral
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Imagem: Amílcar Cabral

segunda-feira, 30 de março de 2009

  • I LOVED YOU..., Aleksander Pushkin

I loved you: and, it may be, from my soul
The former love has never gone away,
But let it not recall to you my dole;
I wish not sadden you in any way.

I loved you silently, without hope, fully,
In diffidence, in jealousy, in pain;
I loved you so tenderly and truly,
As let you else be loved by any man.

Imagem: Stephenie Flickinger, tornando o Mundo mais belo...

domingo, 29 de março de 2009

  • SOBRE A MATEMÁTICA E AS COISAS DIVINAS, Nicolau de Cusa

«Todos nuestros más sabios, más divinos y más santos doctores están de acuerdo en que realmente las cosas visibles son imágenes de las invisibles, y que nuestro creador puede verse de modo cognoscible a través de las criaturas, casi como en un espejo o en un enigma. Y el que las cosas espirituales, que para nosotros son por sí mismas intangibles, puedan ser investigadas simbólicamente, tiene su raíz en las cosas que antes se han dicho.

Puesto que todas las cosas guardan entre sí cierta proporción (que para nosotros, sin embargo, es oculta e incomprensible), de tal manera que el universo surge uno de todas las cosas y todas las cosas en el máximo uno son el mismo uno. Y aunque toda la imagen parezca acercarse a la semejanza del ejemplar, sin embargo, excepto la imagen máxima, que es lo mismo que el ejemplar en la unidad de la naturaleza, no hay una imagen de tal modo similar, o igual, al ejemplar que no pueda hacerse más semejante y más igual infinitamente, como ya hemos visto antes que es evidente.

Cuando se haga una investigación a partir de una imagen, es necesario que no haya nada dudoso sobre la imagen en cuya trascendente proporción se investiga lo desconocido, no pudiendo dirigirse el camino hacia lo incierto, sino a través de lo presupuesto y cierto. Todas las cosas sensibles están en cierta continua inestabilidad a causa de su potencialidad material, abundante en ellas. Lo que es más abstracto que esto, cuando se reflexiona sobre las cosas (no en cuanto que carecen de raíz de elementos naturales, sin los cuales no pueden ser imaginadas, ni en cuanto yacen bajo la fluctuante potencialidad) vemos que es muy firme y muy cierto para nosotros, como ocurre con los objetos matemáticos; por lo cual los sabios buscaron habilmente en ellos, por medio del entendimiento, ejemplos para la indagación de las cosas. Y ninguno de los antiguos, a quien se considere importante, busco otra semejanza que la matemática para las cosas difíciles.

De tal modo Boecio, el más ilustre de los romanos, sostenía que nadie que no se ejercitara profundamente en las matemáticas podría alcanzar la ciencia de las cosas divinas. ¿Acaso Pitágoras, el primer filósofo, tanto por el nombre como por los hechos, no puso en los números toda la investigación de la verdad? En tanto que siguieron a éste los platónicos y nuestros filósofos más importantes como Agustín y el propio Boecio afirmaron indudablemente que el numero había sido en el ánimo del creador el primer ejemplar de las cosas que habían de crearse. ¿De qué modo Aristóteles (que quiso considerar lo singular, refutando a los anteriores); pudo darnos la diferencia de las especies en las matemáticas, sino porque las comparaba con los números? Y él mismo cuando quería establecer la ciencia sobre las formas naturales, de qué modo una está en la otra necesariamente recurría a las formas matemáticas, diciendo: así como el trígono está en el tetrágono, así el inferior está en el superior.

Y me callo innumerables ejemplos semejantes a éste.

Y también el platónico Aurelio Agustín[1], cuando investigó acerca de la cuantidad del alma y de la inmortalidad de la misma y de otras elevadísimas cosas, recurrió en busca de ayuda a la matemática. Este procedimiento pareció agradar tanto a nuestro Boecio, que constantemente intentaba llevar toda la doctrina sobre la verdad a la multitud y magnitud.

Y si se quiere que lo diga más compendiosamente: ¿acaso la doctrina de los epicúreos sobre los átomos y el vacío, la cual también niega a Dios y deshace toda la verdad, no pereció sólo con la demostración de los pitagóricos y peripatéticos?

Es decir, que no se podía llegar a átomos indivisibles y simples, lo cual Epicuro supuso como principio. Siguiendo este camino de los antiguos y coincidiendo con ellos decimos: que como la vía de acceso a las cosas divinas no se nos manifiesta sino por medio de símbolos podríamos usar con ventaja de los signos matemáticos a causa de su incorruptible certeza.»
---- Nicolas de Cusa, De Docta Ignorantia, I.XI

Imagem: The Heart of the Rose, Edward Coley Burne-Jones

[1] Santo Agostinho de Hipona, um dos primeiros pensadores africanos a influenciar o pensamento ocidental na era depois de Cristo.

  • FRAGMENTOS DE DOMINGO
Hoje comecei o meu dia com exercícios de humildade: falei com Deus, lembrei-lhe que somos amigos, e mais! Tentei ler On Galois theory from subfactors, de Eduardo R. Monteiro e Paulo R. Pinto; bem, na verdade foi uma quase-tentativa – sinto e percebo, de novo, o sentido natural da Docta Ignorantia. Procuro a Formula de Bhaskara…, o delta é igual a zero… fico aqui – o -2 é outra coisa. Lembro-me de Escoto, de Dionisio Aeropagita e Santo Anselmo, e medito um pouco sobre a natureza das coisas.

O melhor é alimentar a alma de outra forma de humildade: a beleza. Ouço Miles Davies e John Coltrane: Bye Bye Black Bird, Dear Old Stockolm, Round Midnigth, So What, Blue in Green (uma versão fantástica de A Kind of Blue)… enquanto passo os olhos sobre Estudios Sobre El Amor de José Ortega y Gasset e De Docta Ignorantia de Nicolas de Cusa. O dia está ventoso, como as tardes ruminares do Mindelo, e traz-me a memória coisas belas, de menino – não vividas, sonhadas. Ouço Hana de Wesley Westenra (persegue-me, esta música) e paro para ouvir Solange Cesarovna: Tudo Fadiga Dja Caba, Nadejda, Margarita, Ci Ca Ta Naceba… belo! E há tantas formas de beleza. – "O aghape é o maior" – diz-me o meu poeta...

O dia está mais belo, assim. Sinto-me melhor com pensamentos recorrentes – estaciono a alma e escrevo um poema (o de ontem, escapou-me). O universo dói, sempre. Só parará quando a espada de dois gumes de Miguel deixar de perseguir a luz. Assim, além de cuidados amados, lembrei Deus para não se esquecer da apokatastasis.

  • A GRATIDÃO CABO-VERDIANA
Gostei de ouvir, no dia da Mulher cabo-verdiana, o Primeiro Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, lembrar a Mulher guineense. "Dívida de gratidão" que temos para com o povo da Guiné-Bissau é mais do enorme, deveria ser abissal na profundidade. A memória deve ser preservada, a ingratidão crucificada todos os dias. Plutarco dizia que "a grandeza de um povo está na forma como enfrenta a adversidade"; será assim, mas também na forma como vemos a adversidade alheia.

Imagem: Titina Silá

sábado, 28 de março de 2009

Como diz o poeta, "dói-me a cabeça e o universo…"

  • Imagem: Jenna Jameson

sexta-feira, 27 de março de 2009

  • DIA DA FLOR PRIMA

Hoje é dia da mulher cabo-verdiana. Acordo, medito um pouco. Ouço Hana, de Hayley Westenra… Você não Sabe, de Maria Bethânia, e recebo um e-mail a perguntar:

– «Já compraram aquela rosa escarlate para a vossa crioula berdiana?»

A minha berdiana… a minha berdiana é a Rosa do Mundo; não lhe chegam rosas. E não resisto a escrever um poema à mulher cabo-verdiana – o alicerce, o milagre das ilhas. Assim, hoje, escrevi NEGRA MINA.

  • VOZES DE ATENTAR
«As coisas divinas sempre prevalecerão sobre as coisas terrenas; por isso digo e ordeno que templo seja feito pelos cristãos a Cristo, seu Deus; porque não vá ser o caso de este ser um dos deuses desconhecidos, mais honra merece que o honremos que aos vendedores de vinhos.»
Alexandre Severus
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Nota: Alexandre Severus disse isto numa sentença a propósito de uma questão judicial que opunha um grupo de revendedores de vinho e os cristãos de Roma que queriam contruir um templo no mesmo lugar que esses queriam ter um armazém. Como diria Salomão, "beije-me ela com os beijos da sua boca, porque melhor é o seu amor do que o vinho", Salomão, Cântico dos Cânticos, I.2
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Imagem: Homem...

quinta-feira, 26 de março de 2009

Mais do que os Lusíadas, é outro mundo que espreita na alma; anseia acordar.
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Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
--- Luis de Camões


Imagem: Luis Royo, in Subversive Beauty, The Five Faces of Hecate

O deserto não é, necessariamente, um lugar estéril...

quarta-feira, 25 de março de 2009

  • A FUNDAÇÃO DO MUNDO
Acordas o mundo, todas as horas rotundas
e, aflito da penumbra-sonho que te transformaste,
pergunta: – «Onde andam os teus passos leves
para me dizerem que sou as plantas dos teus pés?

Sim, um dia teu fende as bases do meu universo
– esse que grita, grita, e grita!… até se tornar sangue
derramado, inocente e teu antes da minha fundação
a olhar-te, explodindo no rebanho negro de sonhos.

Onde, onde param os seres que me geras no silêncio?»

Acordo com o mundo, essa coisa finita, frágil e tua
– borbloeta azul nas tuas mãos, no centro da tua voz.

Imagem: Avenging Angel, Akerra

  • AMANHECER NA LONGITUDE DA ALMA
Acordo, há passarinhos cantando à janela – mas não os escuto bem, oiço Porgy and Bess, de Gerswin executado magistralmente pelo Magno Miles Davies: Oh, Bess, oh where is my Bess… Leio dois poemas de Lambstring, e lembro-me de Helvius Pertinax – certamente que Lambstring conhecia os segredos de Pertinax: bela decisão, a dele. Oh, Bess, oh where is my Bess… Escrevo um poema: "A Fundação do Mundo". Compartilho-o contigo, agora. A manhã nasce, também ela, fria e frágil. It Ain´t Necessarly SoSummertime will come again – para o dia e para todos.
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Imagem: Dreams, Luis Royo

  • DOIS PEIXES…
Diz-nos o mítico filósofo, poeta e alquimista alemão Lambspring, no seu Pequeno Tratado Sobre a Pedra Filosofal:

"Presta atenção e compreende que dois peixes nadam no nosso mar.
O mar é o nosso corpo; e os dois peixes? O espírito e a alma
."

E segue, com este conselho iniciático:

The Sages will tell you
That two fishes are in our sea
Without any flesh or bones.
Let them be cooked in their own water;
Then they also will become a vast sea,
The vastness of which no man can describe.
Moreover, the Sages say
That the two fishes are only one, not two;
They are two, and nevertheless they are one,
Body, Spirit, and Soul.
Now, I tell you most truly,
Cook these three together,
That there may be a very large sea.
Cook the sulphur well with the sulphur,
And hold your tongue about it:
Conceal your knowledge to your own advantage,
And you shall be free from poverty.
Only let your discovery remain a close secret.

Imagem: in Lambstrinck, Pequeño Tratado sobre la Piedra Filosofal (edición de 1677 del Museum Hermiticum), p.3

terça-feira, 24 de março de 2009

  • SEIS NOTAS E UM DESEJO
1. Aconteceu um golpe palaciano – versão II – na Associação Cabo-verdiana em Lisboa (ACV). Coisas de Comendadores, de sucessão comendícia por cooptação, transvestido de forma eleitoral. Assassina-se, lentamente, uma instituição valiosa e referência da diáspora – mas eu, desta vez, não participarei de nenhum simulacro, nem contribuirei para nenhm enterro ou funeral da ACV como instituição. Há situações a que não se deve emprestar o silêncio. Coisas destas eram esperadas, previsíveis como ontem foi um dia mais, quando o Presidente Pedro Pires lançou uma chuva de medalhas em Lisboa. Dorme-se, muito.

2. Um dia destes a nação despertará, e irá perceber o que é (e o que não é), na verdade, a “Parceria Especial” de Cabo Verde com a União Europeia. Mas se não despertou ainda, é porque, se calhar, não merece despertar. Se, daqui a alguns anos, Cabo Verde conseguir um Acordo de Associação ou algo análogo com a União Europeia a minha alma rejubilará com tal milagre. Pois, hoje por hoje, é do que precisamos neste particular.

3. Li uma entrevista de Eurico Monteiro no Expresso das Ilhas – para não alegrar ninguém. Assume a ruptura com Humberto Cardoso – pessoal, ou do MPD? –, num tom nem sempre elegante, especialmente para um colega de bancada parlamentar. Uma coisa é certa: o deputado Humberto Cardoso fez um mau serviço ao seu partido e à nação quando avançou com um Projecto de Revisão da Contituição. Estas coisas, mesmo quando existem pontos de vista divergentes, são concertadas com o Partido a que se pertence. É o que dizem as boas práticas. A iniciativa em si é válida e aplaudível – o timing e o condicionamento do seu partido (e do próprio processo de revisão) é que não terão sido as mais adequadas. Humberto Cardoso um Tonto? Lá sabe(rá) Eurico Monteiro o que diz. Mas se é assim, haverá por aí, certamente, um Keemo Sabai. Onde está? De onde vem? Para onde vai?

4. Quem vem é o Primeiro Ministro José Maria Neves: estará em Lisboa esta semana. A oportunidade desta visita é, no mínimo, discutível – tendo em conta que parte substancial do Governo português (para não falar do resto da comitiva…) esteve em Cabo Verde há uma semana. Depois de ter “controlado” esses visitantes para estes não contactarem a Oposição, o PM segue as pisadas de Jorge Santos, líder do MPD, e vem a Portugal. A ideia que fica é que poderá vir debelar estragos feitos pelo líder ventoinha em terras lusas. Se não é, parece. A mesma sina, o mesmo fado: magna e desdita fortuna. Ai, Marcus Aurelius Antoninus!

5. Haverá uma ópera crioula em Lisboa – no dia da Mulher cabo-verdiana. Não me lembro de tal coisa ter acontecido em Cabo Verde – mas ainda alguém se lembrará de prometer um La Scala ou um El Liceo para a capital, sem óperas, pois nisso de cantigas só mesmo as mornas para adormecer a alma do povo, e o funanã para fazê-lo esquecer as promessas não cumpridas. Fica bem, uma ópera crioula em Lisboa – a capital de todas as perigranações. Ah, será que Vasco Martins tem um Coro de Escravos berdianos cantando: “Ó minha pátria, tão bela e perdida”, como no Nabuco de Verdi? Ficaria bem – melancolicamente bem à nossa estrutura.

6. A Revisão da Constituição, é um desígnio nacional ou é uma forma de satisfazer interesses laterais da (não) política? Sendo necessária, matérias há em que – claramente – o que se procura é adaptar a nossa Constutuição a compromissos assumidos com a comunidade internacional. A saber, nomeadamente: a Convenção de Extradição da CPLP, os pilares da Declaração Conjunta para a constituição de uma parceria especial entre Cabo Verde e a União Europeia e a assunção futura de um papel de guardião das fronteiras da Europa pelo país.

Isto tudo – melhor, só isto – é bastante para se sacrificar os valores fundamentais da Constituição da República? Não! Nem tudo, nem só isso! Existem outras formas de fazer as coisas, de continuarmos a cultivar o nosso jardim.

7. E falando de jardins… Pudera pedir a Deus para recriar o Mundo, criar um jardim no Jardim, e colocar-me lá – como era no início mosaico. Ser a genealogia dos homens, ter Deus sobre a terra como companhia. Sim, isso mesmo! Graça bastante seria, dizem-me todas as horas; mesmo as pardas. Nicodemos ouviu o bom conselho; eu, vejo-o, almejo-o.

Imagem: Indian warrior, Luis Royo

When Love within her lovely face appears
now and again among the other ladies,
as much as each is less lovely than she
the more my wish I love within me grows.

I bless the place, the time and hour of the day
that my eyes aimed their sights at such a height,
and say: «My soul, you must be very grateful
that you were found worthy of such great honour.

From her to you comes loving thought that leads,
as long as you pursue, to highest good,
esteeming little what all men desire;

there comes from her all joyous honesty
that leads you by the straight path up to Heaven-
already I fly high upon my hope.»
Petrarca

  • PROVÉRBIOS DO INFERNO

«Onde ausente o homem, estéril a natureza», William Blake, «Provérbios do Inferno (66)», in O Casamento do Céu e do Inferno

segunda-feira, 23 de março de 2009

  • VOZES DE ATENTAR
«La historia de la Humanidad es un inmenso mar de errores en el que, de vez en cuando, pueden encontrarse unas cuantas verdades», Cesare de Beccaria
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Imagem: Fallen Angel, Luis Royo

  • O MAIOR DOS POEMAS
O dia Mundial da poesia – morreu, como morrem os dias.

Sabia disso. Assim, ignorei o dia. Mas o dia não me ignorou: teve natureza, primícias; indignei-me demais, sonhei mais. O sonho invadiu a alma, com a uma legião irmã.

Todos os dias escrevo um poema, é certo – há dias em que tenho orgasmos de poesia, multidões de poemas a brotar de mim, do meu ribeiro. O José Luíz Hoppfer Almada diz que não devo escrever poesia, pois não sou poeta; mas não sigo o seu conselho: sigo as minhas entranhas! Mas ontem foi excepção, e não escrevi poesia: pari um com dono e destino. Ontem, “dia Mundial da poesia”, limitei-me a amar a vida toda num momento, a estar tranquilo, a ler «Cartas a um Poeta» de Rainer Maria Rilke: «Nem tudo se pode aprender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu». Aprendi – dia luminoso! Gloria Prima! Vi o poema, a alma da poesia: cotovia nocturna na curva de alma, e ela, ela sim, quedou-se muda enquanto construia a fundação do mundo. Não a escrevi – estava viva.

Eva – o ómega deste verbo. As palavras engolem mais suor que uma maratona; saudade nunca vista, sentida. Espanto. Titubeio. Perplexidade! A poesia não coisa-verbo, mais: querer ficar, esquecer o dever, abraçar o momento impossível, e sonhá-lo amanhã como o único possível. Há uma dor, um borbulhar de lágrimas na alma – queima! Eu te conheço. Eu me lembro de ti. Não te lembras de mim. Não sabes quem eu sou. Eu te conheço. Eu… te esperei a vida toda, na esquina da alma, no som do teu nome – no Éden inconstruido. Por onde segue a espera, agora?
.
Ser poeta não é escrever livros. O maior dos poetas, nunca escreveu um livro. O maior dos poemas não acredita na sua beleza, não se escreve – impossível verbo é.

O dia não foi da poesia, o dia foi o maior dos poemas. Sim: A vida tem sempre razão – diz o poeta. Que terá dito Adão quando acordou, e o Mundo estava mais iluminado? Deve ter sido o primeiro poeta, e escrito o maior dos poemas – o que cifrou Deus do Mundo e tornou o homem mais livre.

Esta manhã, a minha alma grita à forma de Deus sobre a terra:

– «[…] a tua voz tem a doçura dos rios maduros, e a firmeza do oceano quando jovem; o balanço da cotovia.»

Imagem: Fair Rosamund - John Williams Waterhouse (1917)

  • VOZES DE ATENTAR
«Um povo que se liberta do domínio estrangeiro não será culturalmente livre a não ser que, sem complexos e sem subestimar a importância dos contributos positivos da cultura do opressor e de outras culturas, retome os caminhos ascendentes da sua própria cultura...», Amílcar Cabral

Imagem: Yukio Mishima, ocidentalmente urbano…

  • I. SHORES OF SILENCE
1.
The distant shores of silence begin
at the door. You cannot fly there
like a bird. You must stop, look deeper,
still deeper, until nothing deflects the soul
from the deepmost deep.

No greenery can now satisfy your sight:
the captive eyes will not come home.
And you thought life would hide you from
the other Life that overhangs the depths.

You must know—there is no return
from this flow, this embrace within the mysterious
beauty of Eternity.
Only endure, endure, do not interrupt
the flight of shadows—only endure
dear and simple—more and more.

Meanwhile you always step aside for Someone
from beyond,
who closes the door of your small room.
His coming softens with each step
and with this silence strikes
the target of the depths.
Karol Wojtyla, Poems, Vatican, 1995, p.6

Imagem: Henri de Toulouse Lautrec - At Montrouge aka Rosa la Rouge (1887)

  • Por vezes, quando menos esperamos, a vida nos enche de beleza infinita.

Imagem: Begonia boliviensis

domingo, 22 de março de 2009

  • A ORDEM DAS COISAS
Que seria do Mundo se Cipião Emiliano – o Africano, tivesse morrido em Transimeno ou em Canas? – um pensamento recorrente que me persegue nestes dias.

Seriámos diferentes? Não sei, tenho uma multidão de dúvidas sobre isso. O que sei – isso sei, é que preciso de colocar menos paixão nas minhas palavras; deixá-la para o Amor, a «ocasião única de amadurecer, de tomar forma, de nos tornarmos um mundo para o ser amado[1]».

Onde está o coração do homo politicus – pergunto-me. A resposta que me ocorre remete-me ao Sermão do Mandato, mas há coisas bem mais simples, bem mais belas – mais eternas. Acontece. Simplesmente acontece, e move o mundo. Sim, a eternidade começa.
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Nota:
[1] Rainer Maria Rilke, Cartas a um Poeta, Lisboa, 2009, p.69
.
Imagem: Cipião Emiliano - o Africano

  • O MEU POETA E EU

– VB, diz-me: quando é que ser bom e ser justo não se torna uma forma de iniquidade? – pergunta-me o meu poeta.

Sinto-me gráfico.

Não há logos que que chegue, não há logos que chegue – só tu: a sua genealogia repentina. No sopé dos montes, estaciono a alma, despojo-a de armas e fecundo-me de ti numa multidão de tranças inesperadas. Queria ser uma maratona – hoje, sempre.

Não, não me sinto gráfico: sou gráfico, agora – na genealogia.

quinta-feira, 19 de março de 2009

  • DESPERTAR(es)
Acordo. O dia está belo – estranhamente belo. Dou graças a El Shaday pelo milagre: contemplo o Mundo das janelas da minha alma, e espanto-me. Medito um pouco, e espanto-me ainda mais. Escrevo meia dúzia de poemas. Compartilho um contigo que me lês e, depois da minha alma, escuto Teresa Teng e as sonatas de piano de W.A. Mozart executadas por Maria João Pires – pensando no que aconteceria se Mozart tivesse morrido menino nas ruas de Salzburgo, se Lutero tivesse sido vítima de abortamento numa favela do seu tempo, se a sua mãe ou o seu pai não o tivessem desejado – pior: se tivesse ficado em silêncio quando falou.

… seria, eu, infinitamente pobre.

Somos vagalumes, gafanhotos a atravessar um oceano de tempo. Acordo. Não de ontem, não de ontem. Nem do sono, nem da noite. Simplesmente acordo.

Imagem: Caveira, como quase todos acabam...

  • A FECUNDAÇÃO DO MUNDO
Residimos no patchouli, tu e eu.
Antes da fundação dos mundos assim era.
Escutava os teus gemidos, calavas os meus
e fecundávamos os dias de sonhos
– os que estão prestes a nascer: as manhãs.
E serei postumamente adoptado por ti,
serás eu – todas as coisas num só dia ressurecto.


Imagem: Daniel na Cova dos Leões, Catacumbas de S. Calixto – Roma

quarta-feira, 18 de março de 2009

"Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo", Ricardo Reis
Imagem: A natureza e o oriente de Juliana Paes

  • A PEREGRINAÇÃO
O in e o out – coisas espantosas. Será que Jorge Santos, na visita que deverá iniciar amanhã a Portugal, irá ter contactos com o Partido Socialista português – o mesmo cujo Secretário-Geral e membros do Governo que sustenta na Assembleia da República o ignorou na sua própria terra? Sim, será que Jorge Santos e o MPD vão passar a existir fora da sua terra?

Um milagre anunciado em Lisboa?

A ver vamos; mas não creio. É que ser pobre, materialmente pobre – diga-se!, não quer dizer que não se tenha dignidade. É que há coisas que podem nos custar tudo, menos a dignidade. Transigir nos princípios, dobrar as costas – nunca! E não é uma questão da ordem da política partidária, não! É uma questão de afirmação da verve e dignidade de um povo – um povo que, no passado, não engoliu desaforo. Nivela-nos a terra – mas a nossa terra. O pão de dores não nivela ninguém, muito menos o pão asmo!

Ai, Cabral! As flores da revolução tornaram-se cardos, Cabral?

  • THE POOR AND THE PROLETARIAT

«Charlie Chaplin's latest gag has been to transfer half of his Soviet prize into the funds of the Abbé Pierre. At bottom, this amounts to establishing an identity between the nature of the poor man and that of the proletarian. Chaplin has always seen the proletarian under the guise of the poor man: hence the broadly human force of his representations but also their political ambiguity. This is quite evident in this admirable film, Modern Times, in which he repeatedly approaches the proletarian theme, but never endorses it politically. What he presents us with is the proletarian still blind and mystified, defined by the immediate character of his needs, and his total alienation at the hands of his masters (the employers and the police).

For Chaplin, the proletarian is still the man who is hungry; the representations of hunger are always epic with him: excessive size of the sandwiches, rivers of milk, fruit which one tosses aside hardly touched. Ironically, the food-dispensing machine (which is part of the employers' world) delivers only fragmented and obviously flavourless nutriment. Ensnared in his starvation, Chaplin-Man is always just below political awareness. A strike is a catastrophe for him because it threatens a man truly blinded by his hunger; this man achieves an awareness of the working-class condition only when the poor man and the proletarian coincide under the gaze (and the blows) of the police. Historically, Man according to Chaplin roughly corresponds to the worker of the French Restoration, rebelling against the machines, at a loss before strikes, fascinated by the problem of bread-winning (in the literal sense of the word), but as yet unable to reach a knowledge of political causes and an insistence on a collective strategy.

But it is precisely because Chaplin portrays a kind of primitive proletarian, still outside Revolution, that the representative force of the latter is immense. No socialist work has yet succeeded in expressing the humiliated condition of the worker with so much violence and generosity. Brecht alone, perhaps, has glimpsed the necessity, for socialist art, of always taking Man on the eve of Revolution, that is to say, alone, still blind, on the point of having his eyes opened to the revolutionary light by the 'natural' excess of his wretchedness. Other works, in showing the worker already engaged in a conscious fight, subsumed under the Cause and the Party, give an account of a political reality which is necessary, but lacks aesthetic force.

Now Chaplin, in conformity with Brecht's idea, shows the public its blindness by presenting at the same time a man who is blind and what is in front of him. To see someone who does not see is the best way to be intensely aware of what he does not see: thus, at a Punch and Judy show, it is the children who announce to Punch what he pretends not to see. For instance, Charlie Chaplin is in a cell, pampered by the warders, and lives there according to the ideal of the American petit-bourgeois: with legs crossed, he reads the paper under a portrait of Lincoln; but his delightfully selfsatisfied posture discredits this ideal completely, so that it is no longer possible for anyone to take refuge in it without noticing the new alienation which it contains. The slightest ensnarements are thus made harmless, and the man who is poor is repeatedly cut off from temptation. All told, it is perhaps because of this that Chaplin-Man triumphs over everything: because he escapes from everything, eschews any kind of sleeping partner, and never invests in man anything but man himself. His anarchy, politically open to discussion, perhaps represents the most efficient form of revolution in the realm of art.»

in, Roland Barthes, Mythologies, Washington, 1991

Imagem: Roland Barthes, in Louis-Jean Calvet’s biography of Roland Barthes

II

Morreu um trovador—morreu de fome.
Acharam‑no deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava‑lhe um riso esperançoso.
E o morto parecia adormecido.

Ninguém ao peito recostou‑lhe a fronte
Nas horas da agonia! Nem um beijo
Em boca de mulher! nem mão amiga
Fechou ao trovador os tristes olhos!
Ninguém chorou por ele... No seu peito
Não havia colar nem bolsa d'oiro;
Tinha até seu punhal um férreo punho...
Pobretão! não valia a sepultura!

Todos o viam e passavam todos.
Contudo era bem morto desde a aurora.
Ninguém lançou‑lhe junto ao corpo imóvel
Um ceitil para a cova!. . nem sudário!

O mundo tem razão, sisudo pensa,
E a turba tem um cérebro sublime!
De que vale um poeta—um pobre louco
Que leva os dias a sonhar—insano
Amante de utopias e virtudes
E, num tempo sem Deus, ainda crente?

A poesia é de cerco uma loucura,
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro.. Que doudos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer‑lhes bravo! à inspiração divina,
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar‑lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora,
Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvazia por um misérrimo
Quando a emprega melhor em lodo e vício!

E que venham aí falar‑me em Tasso!
Culpar Afonso d'Este—um soberano!—
Por que não lhe dar a mão da irmã fidalga!
Um poeta é um poeta—apenas isso:
Procure para amar as poetisas!
Se na Franca a princesa Margarida,
De Francisco Primeiro irmã formosa,
Ao poeta Alain Chartier adormecido
Deu nos lábios um beijo, é que esta moça,
Apesar de princesa, era uma douda,

E a prova é que também rondós fazia.
Se Riccio o trovador obteve amores
—Novela até bastante duvidosa—
Dessa Maria Stuart formosíssima,
É que ela—sabe‑o Deus!—fez tanta asneira,
Que não admira que um poeta amasse!

Por isso adoro o libertino Horácio.
Namorou algum dia uma parenta
Do patrono Mecenas? Parasita,
Só pedia dinheiro—no triclínio
Bebia vinho bom—e não vivia
Fazendo versos às irmãs de Augusto.

E quem era Camões? Por ter perdido
Um olho na batalha e ser valente,
As esmolas valeu. Mas quanto ao resto,
Por fazer umas trovas de vadio,
Deveriam lhe dar, além de glória
—E essa deram‑lhe à farta—algum bispado,
Alguma dessas gordas sinecuras
Que se davam a idiotas fidalguias?

Deixem‑se de visões, queimem‑se os versos.
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do poviléu os trovadores
Que um poeta não val meia princesa.

Um poema contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido fumando,

Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.

Mas não passe dali do vate a mente.
Tudo o mais são orgulhos, são loucuras!
Faublas tem mais leitores do que Homero. . .

Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola. . .
É prazer de um momento, é mero luxo.
Contente‑se em traçar nas folhas brancas
De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Nem faça apelações para o futuro.
O homem é sempre o homem. Tem juízo:
Desde que o mundo é mundo assim cogita.

Nem há negá‑lo—não há doce lira
Nem sangue de poeta ou alma virgem
Que valha o talismã que no oiro vibra!
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, esse eletrismo,
A ardente vibração do som metálico...

Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poetas, silencio! é este o homem?
A feitura de Deus a imagem dele!
O rei da criação!. . .

Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu‑te—o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!
--- Álvares de Azevedo, Poemas Malditos
.
Imagem: Albrecht Diirer

terça-feira, 17 de março de 2009

  • GOTINHA D´ÁGUA PARA O POBRINHO
“Gota d´Agua” é um nome demasiado comprido para um computador, pelo menos do ponto de vista comercial e de marketing. Para um projecto revolucionário, é nome de pobreza extrema. Sim, é um nome in the box, politicamente correcto, sem alma.

Espero que não seja expressão do espírito das ambições do Governo, pois seria demasiado mau. O país precisa de sonhadores e de criadores – de quem se atreva a ir mais além; com se se atreveu no período pós independência – com a vantagem de se estar num contexto de liberdade e estuturalmente mais favoráveis que então. A morte da ideologia é uma das causas de se pensar tão curto, de forma tão condicionada – de se pensar by the book of the Master?

Seja como for, é nestas coisas que nos revelamos pequenos: incapazes de ir mais além, de homenagear as pessoas que construiram e constroem a nossa pátria, de ser simples – de assumir, se necessário, a nossa universalidade e diversidade cultural; de assumirmos as rupturas necessárias.

Não somos assim tão pobres, caramba! Não podemos ser assim tão pobres! Ainda que, basófia a parte, queiramos sê-lo à força – que desgraçada bem aventurança! Ser e parecer pobre é mau, em qualquer lugar. E o nome "Gota d´Agua" é pobre, na forma e no conteúdo; ainda que perceba as razões de base de tal opção. Se o horizonte é pobre, pobres serão as medidas!

Mas há quem pense grande, há quem ainda tenha o Quinto Império na alma! Atentai na razão das coisas, na sua causa e não no seu efeito – dirá um bom médico. O mais belo dos dias – como o que desponta aí na janela – pode trazer os maiores dissabores. Ademais, o Mundo Novo, admirável ou não…, não é o melhor dos mundos possíveis. Sejamos homicidas! Sim: é hora de matar o Mestre Pangloss e outros masters nas nossas almas! Mas as sereias...

A independênca não é um facto, é um processo.
.
Post scriptum: Lembro-me, menino, de escutar as gentes dizer, com pena ou acinto:
...........– Oh!, dal um gotinha d´aga, cuitod...

Imagem: Taylor James, needing a drop of water

Vou, mas levo a tua memória…
Virgílio Brandão

RUA DESCONHECIDA

Penumbra da pomba
chamaram os hebreus à iniciação da tarde
quando a sombra não entorpece os passos
e a vinda da noite se adverte
como música esperada e antiga,
como um grato declive.
Nessa hora em que a luz
tem uma finura de areia,
dei com uma rua ignorada,
aberta em nobre largura de terraço,
cujas cornijas e paredes mostrava
cores brandas como o próprio céu
que comovia o fundo.
Tudo – a mediania das casas,
as modestas balaustradas e aldravas,
talvez uma esperança de menina rias sacadas –
entrou no meu vazio coração
com limpidez de lágrima.
Quiçá essa hora da tarde de prata
desse sua ternura à rua,
fazendo-a tão real como um verso
esquecido e recuperado.
Só depois reflecti
que aquela rua da tarde era alheia,
que toda casa é um candelabro
onde as vidas dos homens ardem
como velas isoladas,
que todo imediato passo nosso
caminha sobre Gólgotas.
--- in Fervor de Buenos Aires, Jorge Luis Borges

Imagem: Palomas, Antonio Capel

A INDIVIDUALIDADE

Dá que pensar, isto

E escuto, nas minhas memórias e hoje, uma voz a dizer-me:

– «Há sempre uma coisa a menos do que aquelas que pensas que podes fazer».

Bernard M. Baruch dixit. Ah, pois!...

E eu, com a minha cabeça de Lama e atentando no aforismo da Capela Sistina, respondo, como a eternidade perante Pilatos:

– […]

Granadas, António Capel

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ao stuyi, meu gato
  • LA VENTANA
Espreito o Mundo, ela espreita-me, estreita-me.
O silêncio cai no silêncio; no mar, a chuva.
Enorme, a janela…

Maior, tu.

--- Imagem: Ventana com gato, António Capel

" Pai nosso que estais nos céus…"

domingo, 15 de março de 2009

  • VOZES DE ATENTAR
«Para que a cultura desempenhe o papel que lhe cabe no movimento de libertação, este deve estabelecer com precisão os objectivos a atingir para que o povo que representa e dirige reconquiste o direito a ter a sua própria história e a dispor livremente das suas forças de produção, com vista ao desenvolvimento ulterior de uma cultura mais rica, profunda, nacional, científica e universal», Amilcar Cabral

– Alguém se esqueceu de alguma coisa, VB? – pergunta-me o meu poeta.

Imagem: Amílcar Cabral, sonhador de uma terra não tributária

  • A VISITA DE JOSÉ SÓCRATES A CABO VERDE E A AFRONTA NACIONAL DE IGNORAR A OPOSIÇÃO
O Governo de CV tem anunciado a intensão e vontade de dignificar a Oposição – mas os factos provam o contrário: o programa da visita de parte substancial do Governo de Portugal, um maiores parceiros do país, deixa a oposição de fora. Parece uma visita de comadres – dirá o povo, não sem razão.

A Oposição, ignorada pelos governantes portugueses – que deveriam, ao elaborar o programa da visita ter em consideração que existe em Cabo Verde um sistema democrático e que o país político não é o Governo e o partido que o suporta na Assembleia Nacional. Jorge Santos, desta vez muito diplomático (quando não deveria ser tanto!), resolveu fazer uma espécie de Presidência Aberta da Oposição – o que já deveria ter feito há muito, assim como a criação necessária de um Governo Sombra tardou em ser criado (mas é tão sombra tão sombra que nem a sombra se vê…) – pelas ilhas. Uma saída inteligente e digna! Já a postura do Governo português de ignorar a oposição é que tudo menos digna (a verificação de que a visita de José Sócrates ao Mindelo só ocorreru por insistência sua é espantosa!).

Será que José Sócrates pensa que este Governo vai durar para sempre, que o mandato que irá renovar este ano coincidirá com um novo mandato do PAICV? Certamente que sim, só pode! É que, pensará, nem o PSD (Portugal) tem condições de vencê-lo com Manuela Ferreria Leite nem tem tempo para Marcelo Rebelo de Sousa poder reconstruir o PSD – isso na perspectiva portuguesa. Em Cabo Verde, pensará o mesmo: que Jorge Santos não tem condições de poder a vir a ser Primeiro Ministro e o MPD, nomeadamente, de ser poder – por isso ignora-os.

Isso é ignorar a oposição política e democrática cabo-verdiana – uma afronta, aos cabo-verdianos que votaram nessa mesma oposição. Mas isso não é coisa nova – nem tem uma dimensão ideológica, de família política, não. Aconteceu o mesmo com Pedro Pires, aquando do Governo de António Guterres: estando em Lisboa como líder da Oposição ao Governo da Carlos Veiga, não foi recebido pelo então Primeiro Ministro português. As razões, hoje, são as mesmas? Quais? Ah! Ponha-se a pensar e a adivinhar que chega(rá) lá com facilidade.

E, mais afrontoso ainda, é o facto de que os media ficarem calados, acritícos, tributários até… em relação a isso. Será a prova bastante que faltava para se ficar patente que muita gente – inclusive a classe política – tem, ainda, mentalidade de colonizados e outros de colonisadores? A Oposição não tem o direito de se indignar com estas coisas: tem o dever de o fazer! É que ninguém deve ser aforntado na sua própria casa e existe um mínimo de educação e de cortesia, mesmo na política. E os custos políticos disso? – perguntar-me-á.

– Que se lixem! – respondo. É que as instituições democráticas – e a oposição é uma intituição democrática fundamental numa democracia – devem ser respeitadas por quem visita o país na qualidade de ente político e, também, representante do povo. Não consigo entende que, a agir deste modo, se possa inaugurar, como diz José Sócrates, uma nova era nas relações entre Cabo Verde e Portugal.

Imagem: Vote McGovern, Andy Warhol, 1972

  • A DIMENSÃO DA ARTE
«Hoy en día se quiere explicar todo. Pero si se pudiera explicar un cuadro, no sería una obra de arte. ¿Debo decirle a Vd. qué cualidades constituyen a mi juicio el verdadero arte? Debe ser indescriptible e inimitable... La obra de arte debe cautivar al observador, envolverle, arrastrarle. En ella comunica el artista su pasión; es la corriente que emite y por la que incluye al observador en ella.» Pierre-Auguste Renoir

Imagem: La Tresse (Suzanne Valadon), Renoir

sábado, 14 de março de 2009

«A beleza é uma coisa terrível e espantosa. […] No seio da beleza as duas ribeiras se encontram e todas as contradições coincidem», Dostoiévski.
.
  • TODOS OS HOMENS TÊM ALGO DE ESPANTOSO EM COMUM
[…]

«Homem, sê nobre!

De quem é este verso?

Aliócha resolveu esperar. Compreendera que toda a sua actividade, com efeito, estava talvez concentrada agora naquele lugar. Mítia ficou um momento pensativo, de cotovelos sobre a mesa, a fronte na mão. Ambos mantinham-se calados.

— Aliócha, somente tu me escutarás sem rir. Gostaria de come­çar... minha confissão... por um hino à alegria, como Schiller, An die Freude! Mas não sei alemão, sei somente que é An die Freude. Não vás imaginar que tagarelo sob o domínio da embriaguez. Para em­briagar-me são precisas duas garrafas de conhaque.

Como Sileno vermelho
No seu asno vacilante.


Ora, não bebi um quarto de garrafa e não sou Sileno. Não Sileno, mas Hércules, porque tomei uma resolução heróica. Perdoa-me essa aproximação de mau-gosto, terás bem mais outras coisas a perdoar-me hoje. Não te inquietes, não invento, falo seriamente e vou directo ao facto. Não serei duro ao disparo como um judeu. Espera, como é que é mesmo?

Ergueu a cabeça, refletiu, depois começou a recitar com entusiasmo:

Nu, tímido, selvagem, se ocultava
O troglodita nas cavernas;
O nómada nos campos pervagava
A devastá-los sem cessar;
O caçador com sua lança e flechas,
Terrível, as florestas percorria;
Desgraça para os náufragos lançados
Pelas ondas naquela praia inóspita.

Das alturas do Olimpo, Ceres
Desce, à procura de Prosérpina,
Ao seu amor arrebatada;
A seus olhos o mundo é todo horror.
Nenhum asilo, nem mesmo oferendas
À deusa são apresentadas.
Aqui não se conhece culto aos deuses,
Nem templos há para adorá-los.

Os frutos do pomar, as uvas doces
Não alegram nenhum festim;
Só os restos das vítimas fumegam
Sobre as aras ensanguentadas.
E em vão de Ceres vaga o triste olhar;
Por toda parte avista o homem
Numa profunda humilhação.

Soluços escaparam-se do peito de Mítia; agarrou Aliócha pela mão.»
--- in Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov
.
Este livro está entre as minhas obras literárias de eleição. A minha lista, inacabada, está aqui. Se desejar vê-la, siga o link.

  • E OS IMIGRANTES, BARACK?
Ainda não ouvi Barack Obama falar como Presidente dos EUA sobre o muro da vergonha que atravessa quatros Estados americanos a tentar manter os mexicanos do outro lado da fronteira. É uma questão melindrosa, é certo, mas nem por isso vergonhosa e a merever atenção.

Mas a Europa – que se tem posicionado como uma espécia de consciência moral do Mundo nas últimas décadas – silencia-se e não diz nada, não pode dizer nada, pois tem Ceuta, Melilla e, acima de tudo, Schengen; que não são vergonhas menores, bem pelo contrário. Funciona, neste aspecto, uma espécie de Doutrina Monroe – as excepções, no plano dos direitos humanos, têm sido as obrigações no seio da NATO.

Mas demos tempo ao homem, é que poderá, ainda, surpreender os americanos e o Mundo com algum plano exequível. Agora... agora pensa, e bem, na reconstrução dos alicerces económicos e sociais do país e não tem muito espaço de manobra nesta área. O certo é que haverá sempre alguém que lhe perguntará: e os imigrantes, Barack?

Imagem: Fronteira Estados Unidos/Mexico – Fence, Tijuana

sexta-feira, 13 de março de 2009

COISA BELAS

"A franqueza não consiste em dizer tudo o que se pensa, mas em pensar tudo o que se diz!", Victor Hugo

Video: Jaques Brel, Le port de Amsterdam

  • A TAREFA DA FILOSOFIA
A tarefa da filosofia, como dizia Ludwig Wittgenstein, é «ensinar a mosca a sair da garrafa». Bobbio, por sua vez, usa uma outra analogia: a da rede. Os homens, afinal de contas, são – perante estas perspectivas da filosofía como instrumento –, moscas dentro da garrafa ou peixes na rede?

Numa perspectiva da mera sofia (e sem querer ser filho de nada nem de ninguém), direi que depende do homem e para onde olha, para onde olha… mas há quem tenha olhos e não veja. É por isso e mais que o meu Mestre dizia para levantar os olhos; levantar os olhos. E… sair da garrafa, da rede; libertar-se do pensar by the book. As cartilhas, é certo, transmutam. Por vezes, como diz o meu poeta, até se togam de púrpura.

Imagem: Frida Khalo, Mi nana y yo - Yo mamando, 1937

REALIDADE CULTURAL

«Se é verdade que, do ponto de vista cultural, em Cabo Verde as condições são um bocadinho melhores que na Guiné, porque, dadas as condições em que a população se desenvolveu nunca se pôs a questão de indígena e não indígena e então em princípio qualquer filho de Cabo Verde pode ir à escola (escola oficial), não é menos verdade que, no total, havia muito menos escolas do que na Guiné.

Há certas coisas que os camaradas não sabem e que lhes podem fazer confusão, mas a verdade é que em Cabo Verde mais gente aprendeu a ler e escrever do que na Guiné, no tempo dos colonialistas. Mas a percentagem de analfabetismo em Cabo Verde, contrariamente à vaidade de algum cabo-verdiano que tem a mania que sabe muito, é de 85%.
.
Os tugas gabavam-se, dizendo que em Cabo Verde não há analfabetos. É falso! Mas daqueles que sabem ler, eu fiz a experiência em 1949, quando lá fui passar as férias, havia gente com o 2.° grau (já havia 4 ou 5 anos) no mato, em Godim ou em Santa Catarina, por exemplo, e a quem se lhes dava o jornal para lerem, mas não sabiam o que estavam a ler. Esses também são analfabetos que conhecem as letras. Há muita gente assim no mundo e até, às vezes, doutores. Mas é preciso perder muitas ilusões» in Amílcar Cabral, Unidade e Luta
.
Imagem: Amílcar Cabral, herói da luta da libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde

Ni los dioses te induzcan a un camino común por ser trillado.
No resuelvan los ojos sin examen;
no juzguen por el eco los oídos,
ni por la lengua juzgues.
Juzgue, sí, la razón en las cuestiones.
Parménides de Elea

  • PENSAMENTO ABSURDO
"Se quiseres ter inimigos, sobreponha-te aos seus amigos; se quiseres ter amigos, deixe que os outros se sobreponham a ti" – diz Dale Carnegie.

– Ó VB!, lá estás tu a ser inocente… não sei onde encontras o absurdo. Na realidade? Escuta, escuta que verás que a realidade não se engana: é um profit over people, VB.
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– Ah!, Mundo...

"O homem não nasce para trabalhar, mas para criar" – Agostinho da Silva.

  • MEMÓRIAS DA HUMANIDADE

A propósito da visita de José Sócrates, Primeiro Ministro de Portugal, a Cabo Verde, é pertinente (re)lembrar Agostinho da Silva... Fica aqui, parte de uma entrevista que o Prof. Agostinho da Silva deu à RTP há cerca de duas décadas. O sustento, o saber e a saúde como necessidades básicas de um país, e outras coisas... como o Quinto Império. Para reflectir, profundamente.

quinta-feira, 12 de março de 2009

  • EXEMPLOS A SEGUIR
"Pés, para que te quero se tenho asas para voar?", Frida Kahlo, depois de perder um dos pés, gangrenado.

Imagem: Frida Kahlo, por volta de 1938-39

  • AVANTI, Almafuerte
AVANTI!

Si te postran diez veces, te levantas
otras diez, otras cien, otras quinientas...
No han de ser tus caídas tan violentas ni tampoco, por ley, han de ser tantas!
Con el hambre genial con que las plantas asimilan el humus avarientas,
deglutiendo el rigor de las afrentasse formaron los santos y las santas.
Obsesión casi asnal, para ser fuerte,nada más necesita la criatura;
y en cualquier infeliz se me figura que se rompen las garras de la suerte...
Todos los incurables tienen cura cinco segundos antes de su muerte!

II PIU AVANTI!
No te sientas vencido ni aun vencido,no te sientas esclavo ni aun esclavo;
trémulo de pavor, piénsate bravo, y acomete feroz, ya malherido.
Ten el tesón del clavo enmohecido que ya viejo y ruin, vuelve a ser clavo;
no la cobarde intrepidez del pavo,que amaina su plumaje al primer ruido.
Procede como Dios, que nunca llora: o como Lucifer, que nunca reza;
o como el robledal, cuya grandeza precisa del agua y no la implora...
Que muerda y vocifere vengadora, ya, rodando en el polvo, tu cabeza!

III MOLTO PIU AVANTI!
Los que vierten sus lágrimas amantes sobre las penas que no son sus penas;
los que olvidan el son de sus cadenas, para limar las de los otros antes;
Los que van por el mundo, delirantes, repartiendo su amor a manos llenas:
caen, bajo el peso de sus obras buenas,
sucios, enfermos, trágicos...! Sobrantes!
Ah! Nunca quieras remediar entuertos; nunca sigas impulsos compasivos!
Ten los garfios del Odio siempre activos,
y los ojos del juez siempre despiertos!...
Y al echarte en la caja de los muertos menosprecia los llantos de los vivos!

IV MOLTO PIU AVANTI ANCORA!
El mundo miserable es un estrado donde todo es estólido y fingido,
donde cada anfitrión guarda escondido su verdadero ser, tras el tocado.
No digas tu verdad ni al más amado; no demuestres temor ni al más temido;
no creas que jamás te hayan querido por más besos de amor que te hayan dado:
Mira como la nieve se deslíe sin que apostrofe al sol su labio yerto;
cómo ansía las nubes el desierto sin que a ninguna su ansiedad confíe...
Trema como el Infierno, pero ríe! Vive la vida plena, pero muerto!

V MOLTISSIMO PIU AVANTI ANCORA!
Si en vez de las estúpidas panteras y los férreos estúpidos leones,
encerrasen dos flacos mocetones en esa frágil cárcel de las fieras,
no habrían de yacer noches enteras en el blando pajar de sus colchones,
sin esperanzas ya, sin reacciones,lo mismo que dos plácidos horteras.
Cual Napoleones, pensativos, graves, no como el tigre sanguinario y maula,
escrutarían palmo a palmo su aula, buscando las rendijas, no las llaves...
Seas el que tú seas ya lo sabes: a escrutar las rendijas de tu jaula!
.
Imagem: Luis Royo