quarta-feira, 30 de junho de 2010

  • DEMOCRACIA DE AVESTRUZ
Anuncia-se festas de independência em Lisboa — pois, Portugal é Lisboa... e verifico que o desrespeito à bandeira da II República e aos símbolos nacionais contínua, com as autoridades a meterem a cabeça na areia como avestruzes. E o Estado de Direito Democrático é exemplar na terra da morabeza… Não é nada acindental, e muito menos memória histórica; é desrespeito puro e simples, com dolo directo. Se atentarmos veremos que existem alguns revivalismos que são sinais preocupantes para a integridade da democracia cabo-verdiana. E vai-se cedendo, cedendo... até não haver nada para sustentar os fundamentos da democracia.

A democracia não é o poder do demónio ou do diabo, não; a democracia é o poder do povo. Como se faz um desenho com tal conceito? Talvez se consiga, sim; mas haverá quem queira ver? 

  • WORDS OF WISDOM
Today the grass listens when I speak of love. It seems to me that the word insn’t honest even with itself, Herta Müller.

Image: John Keats

  • O MEU POETA
Amar o próximo é a tarefa mais difícil do Mundo… e quanto o próximo é mau, mais difícil se torna – diz-me o meu poeta.

terça-feira, 29 de junho de 2010


If this is not slavery, I know of no word in English language which correctly characterizes it, Joseph Burtt’s Report on Slavery on S. Tomé and Príncipe.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

| OS LIMITES DA POLÍTICA OU REGRESSÃO DEMOCRÁTICA NO CONSULADO DE JOSÉ MARIA NEVES

Recebi algumas mensagens e e-mails dando nota de que José Neves, filho do Primeiro Ministro José Maria Neves acabou os estudos e seguiu de Lisboa para ir trabalhar na Bolsa de Valores de Cabo Verde. As mensagens estão eivadas de críticas acintosas, e fariam sentido se o jovem José Neves não tivesse formação bastante, o que não é o caso; pois se uma licenciatura e um mestrado não são qualificações para se ser Estagiário na referida instituição, o que poderá ser? O facto de ser filho do Primeiro Ministro não deve(rá) ser razão para o discriminar e lançá-lo no desemprego como grande parte da juventude cabo-verdiana. Partir-se do princípio de que foi beneficiado é que me parece inadequado.

Conheço casos, demasiados, de favorecimento pessoal e/ou em razão de proximidade com pessoas detentoras de cargos públicos – o que é uma espécie de tradição nacional – que bradam aos céus. (Em Portugal não oiço ninguém a bradar o que todos sabem e ninguém se atreve a dizer em público: Rui Soares, o famoso jovem Administrador da Portugal Telecom é sobrinho do ex-Presidente da República Mário Soares.) E casos, que me foram narrados, de prejuízos em razão de se ser membro da família de detentores do poder. A título de exemplo: um bom cidadão – muito próximo do chefe do Governo – dizia-me no outro dia que, segundo a sua convicção pessoal, a irmã do Primeiro Ministro José Neves morreu porque não foi evacuada a tempo de Cabo Verde quando teve uma crise renal grave, e que só não o foi porque era familiar do Primeiro Ministro.

A ser verdade, boas razões teria e/ou terá o Primeiro Ministro para se queixar no facebook de ser vítima de injúria, ódio e vingança contra ele e a família; mas não é legítimo opor essas coisas à oposição, nomeadamente ao seu líder, para não debater o Estado da Nação. Não se pode ter tempo para comunicação cidadã… e não ter tempo para debates exigidos pelo sistema político da República, o tal «sistema de partidos» de Mário Matos falava há poucos meses no jornal ASemana.

Agora, também se coloca a jeito em muitas questões e momentos. A oposição é que continua desatenta, e, como notam observadores atentos, demasiado reactiva. Por exemplo, e ainda sobre o favorecimento pessoal, a Administração de António Neves a frente dos TACV tem sido pouco menos do que desastrosa, muito aquém do que se esperava. Na altura da nomeação não me pareceu mal que Primeiro Ministro tivesse nomeado o irmão para tal função, pois acreditava que este tinha competências funcionais para tanto. Hoje, tenho a dizer que a cada dia que passa a sua manutenção com PCA dos TACV é um prejuízo para o Governo e para a marca nacional TACV.

A política partidária tem de ter, naturalmente, ligações umbilicais de solidariedade análogas às familiares, mas estas relações não podem prejudicar o Estado e os cidadãos; não se pode agir na governação e na oposição como se se estivesse num campo de batalha. Sun Tzu é importante, sim; mas há um mutatis mutandis histórico e temporal a ser considerado... Existem limites na acção política, e os limites são de ordem ética e moral; e não se pode permitir acintes como os de uma cidadã que num comentário indigno de uma Senhora chama o Primeiro Ministro de gay (uma arma muito usada, e conhecida!, por mulheres despeitadas ou não desejadas: se um homem é mulherengo, não presta porque é mulherengo; se não dá bola à dada dama, é tido publicamente como namorado imaginário com todos os defeitos de homem, desde mau k’medor a gay).

Mas estas coisas acontecem porque o nosso Cabo Verde ainda não é tão democrático como pensamos; ainda estamos longe de uma cultura baseada nos valores democráticos, nomeadamente da responsabilização das pessoas pelas suas acções, nomeadamente pelo que sai das suas bocas e que contamina o Mundo e o outro seu semelhante. E a estratégia de constante e excessiva exposição mediática do Primeiro Ministro José Maria Neves dá azo à situações desta natureza, e outras mais.

Mas será que tais factos – com claro sentido de vitimização – são bastantes para justificar o facto de não querer debater com o líder da oposição? O que tem a oposição a ver com essas coisas? É urgente qualificar a política cabo-verdiana, e educar-se os cidadãos para a cidadania; e se calhar é preciso fazer-se algumas coisas que são politicamente incorrectas para um político. Mas o ano pré-eleitoral condiciona a cidadania, até a do líder do Governo.

Uma democracia sem debate é uma democracia coxa, como a cabo-verdiana. Como já tenho dito e reafirmo: ainda estamos em fase de transição para a democracia, e sem debate será ainda mais difícil consolidar o Estado de Direito Democrático e os seus valores. A crise na Europa é profunda, mais ainda nos valores do que na economia e nos mercados financeiros; e Cabo Verde segue de arrasto, mimetizando tiques políticos desnecessários. Ao contrário do que muitos pensam, a comunidade internacional inclusive, a democracia cabo-verdiana tem regredido, e muito!

Pode não ser, mas parece há muito que o Primeiro Ministro José Maria Neves não aprecia o debate político com a oposição. E o que parece por vezes é; e felizmente que é por vezes, pois pode-se elidir muitas aparências. Mas o debate com a oposição não está dependente de inferências subjectivas do Primeiro Ministro e líder do partido no poder, não; é um dever imposto pelo sistema democrático. O respeito pela oposição e a pluralidade discursiva e o debate de ideias são estruturais no Estado de Direito Democrático; e nisto estamos muito pobres, demasiado pobres, e não me importa o que dizem os observadores internacionais, pois sei como se observa; e, por vezes, só se vê o que importa ao fim e ao objectivo da observação ou para quem se observa.

A verdade é que, como diz o velho adágio, há quem veja o rato, mas não vê o elefante. A demos tem e é vítima destas coisas, e por isso a nossa terra vai sendo curada por uma classe de aristoi auto-promovida; e que chega e sai de mansinho.

Haja massa bruta, e nunca faltarão snobs fast food para gerir a terra da morabeza.

Imagem: René Magritte


  • O MEU POETA
Num dia o vencedor indigno folga, no outro chora – diz-me o meu poeta.

Imagem: Hammurabi

sábado, 26 de junho de 2010

  • DISTRAIR-SE DO MUNDO
Porque somos tão apressados a tirar conclusões? – pergunta-me o meu poeta.

Eu, não digo nada; pois não me sinto capaz de responder à tal questão. Assim estende-se a minha alma no seu recanto, pedindo à brisa da noite, como se fosse Deus informe, para curar a universal dor de cabeça que me afronta. E percebo, hoje e agora, Funes o Memorioso.

E Dario lá longe e tão perto de tudo o que se diz.
E Empédocles ad unitatem sem ididade.
E Athenas perecida nos sonhos e nas palavras...
E Tyi tão perto e tão longe de tudo o que de belo se vê do oiro.
E Hoje, como ontem, também morrem coisas, silenciosas.

Imagem: Bendik Riis

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Ictus Ionam

  • EL RIBERO DE ORGASMOS
Hay un jardín rojo como la sangre
de las madres
y es dulce como la miel de los higos
y un ribero de orgasmos.
Los antiguos dicen que es el aliento de Dios
y los poetas que es el oriente,
la fuente incuba de la vida y de todo.

Yo lo veo altísimo
y digo al cadáver de mis sueños
y a la eternidad asesina que se hay un paraíso
en la tierra, en los cielos y para los hadesianos
es eso: jardín del Jardín en el jardín del Jardín.

Y todo lo conoce como Dios en las calles
mirando el fin de todas las cosas más allá de nosotros.

Hay un jardín rojo como la sangre
de las madres
y yo soy un hombre desnudo de libertad
que pregunta: ¿Acaso hay lobos de ilusiones
y de begonias, clavelinas, petunias, aptenias,
escalonias, matrimonios y fumarias?

Hay que escoger entre el jardín y su hogar,
entre su hogar y lo que es.
¡Todo es un relámpago en la flor
y una inmensa cofradía de lucios, nada más!
Así dicen todos los orgasmos del Mundo.
---- Virgílio Brandão

  • LISBOA É «NOVA METRÓPOLE» DE CABO VERDE?
O Governo presidido por José Maria Neves tem um problema congénito de comunicação com o povo de Cabo Verde. Passa grande parte do seu tempo a viajar (nem sempre justificado e em tempo oportuno — v.g., a participação do Primeiro Ministro nas comemorações do 10 de Junho em Portugal me pareceu desadequado e politicamente saloio para não dizer mais. O mesmo se diga do Ministro Manuel Inocêncio Sousa participar numa Conferência paga a 20 euros! na Reitoria da Universidade de Lisboa e que desqualifica quer o membro do Governo quer o Governo a que pertence, além do potencial candidato presidencial ou a outra coisa. A emenda de que "não sabia desse facto" ficou-lhe pior que o soneto, pois demonstra que não cura com coisas que deveria curar.

Mas o Primeiro Ministro continua a dar sinais contrários aos cidadãos com algumas acções e omissões, como é o caso de não querer debater questões fundamentais com o líder da oposição, mas ter tempo para os dialogar com os thugs, para passar horas no facebook (já me perguntaram, com ou sem justiça e com algum acinte, se é essa a governação electrónica do Governo de Cabo Verde) e para debates espúrios e de puro exibicionismo como o de que se deu conta na Universidade Lusófona de Lisboa – que terá, ao nível da qualificação, penso, o mesmo empolamento que teve o encontro de Carlos Veiga com os estudantes no num tempo não muito longe.

Sobre os comentários menos abonatórios às cidadãs membros do Governo e atribuídas ao Primeiro Ministro, elas não ficam bem ao presidente de um Governo – pois este não deveria alimentar essa forma excessivamente descontraída de governar e de dizer as coisas. Pode até ser fora do contexto, admito tal possibilidade, mas a dimensão de Estado de um membro do Governo, em particular do primus inter pares, não permite determinadas afirmações, mesmo que a título de mera brincadeira. Assim, o discurso da igualdade de género e tudo o mais é desqualificado e o mérito se perde por traquinices de raposinhas. A média de mais de um Ministro do Governo de Cabo Verde — além de outras autoridades nacionais — em Lisboa durante o presente ano é, de todo, um exagero e a capital lusa parece e se sentirá com razão a Metrópole de outrora…

Por vezes fica-se com a ideia de que José Maria Neves diz e faz as coisas sem pensar, sem reflectir devidamente; e depois de dizer as coisas descobre que é tarde demais para retirar ou corrigir o que disse ou fez. O entusiasmo deve acompanhar a razão de qualquer político ou política. Mas não! Passado algum tempo volta ao mesmo. Tem sido recorrente algumas decisões pouco racionais, de difícil compreensão no plano político a não ser que se tenha a ideia abjecta de que o povo de Cabo Verde é o tal povo cego; o que não deverá pensar, certamente.

A seu tempo descobrirá que algumas estratégias de comunicação — ou a falta delas — custam muito mais do valem de verdade. O Mundo não é de desatentos, e nem toda a gente dorme — enquanto se dança tango em Buenos Aires e Nova Iorque, come-se kamoca com café na Ribeira das Patas, terra de gente feliz sem saber que o é e que merece mais de tudo.

E dou por mim a pensar que José Maria Neves já está com o pensamento nas presidenciais, e que a sua estratégia para a juventude — mesmo com o desaire de não ver aprovado as alterações à Lei da nacionalidade antes do recenseamento na diáspora — pode vir a embrulhar uma espécie de justiça poética. Afinal, a alteração mais desejada da constituição poderá não ter o efeito mais querido; o que faz muita diferença. A contagem de espingardas terá de ser feita de outra forma, ou o contador ficar como está.

A realidade é que a mesma juventude que, de repente, está menos desempregada na estatística, no papel, tem um papel fundamental a desempenhar com a velha e renovada Metrópole como retaguarda. Mas, parafraseando Aristides Lima: já nada surpreende(rá)… a não ser, parece-me e para os menos atentos, essa de termos governantes cabo-verdianos freudianamente lusos e que, mesmo os ateístas, estarão rezar para o Governo de José Sócrates se aguentar até as eleições em Cabo Verde.

O facto de ter-se numa semana dois candidatos a candidatos a Presidente da República de Cabo Verde em Lisboa a falar sobre as presidenciais é sintomático de que têm consciência de que poderão vir a começar a campanha mais cedo do que o calendário construído e forçado á revelia da Constituição? Pode ser, também; mas David Hopffer Almada aprendeu depressa com os erros do Manuel Inocêncio Sousa; e está-se a fazer tudo par se ter o Auditório da Lusófona a abarrotar para o escutar… e provavelmente ver-se-á quem nunca se viu, e ouvir-se-á o que nunca se ouviu, se o candidato for consequente com as razões que o levaram a candidatar-se em 2001 (o título da conferência a proferir assim o indica, mas duvido que vá tão longe neste momento).

Nunca deixamos de ser o que sempre fomos: colonizados; colonizados morais, ao caso. E a Metrópole ri-se. Mário Soares diz o que diz… porque tem as suas razões, razões que os nossos políticos passam a vida a dar-lhe. Até participamos nas comemorações do Dia da Raça (como os nacionalistas chamam ao 10 de Junho); fazendo uma espécie de assunção política do dia. E o orgulho fere a face de bofetadas de mão de luva branca, mas pensa-se que é uma brisa marinha perfumada, algo de único. A cadeia alimentar é assim; também se aplica ao grau de cegueira.

Imagem: Kai Fjell — Adorning the Bride (1952)

PALABRAS DE SABIDURÍA

La fantasía, abandonada por la razón, produce monstruos imposibles; unida con ella es la madre de las artes y la origen de las maravillas – Goya.

Imagen: El Sábado de las Brujas — Goya

  • WORDS OF WISDOM
The recent economic meltdown was at root not a failure of character or competence, but a failure of ideas, Robert Skidelsky.

Image: Mark Jenkins — Street Installation, Washington D.C

segunda-feira, 21 de junho de 2010

 
  • LA MUERTE DIVINA

Yeshua ha-Notsrí
con todos los pecados del Mundo
quebró su corazón en la cruz.
¡Yo quiero morir
con todos los orgasmos del Mundo!

Imagen: La Sacerdotisa , Milo Manara

  • O DIA DEPOIS DE SARAMAGO
Saramago já cinzas! Também o seremos, um dia. Poucos teremos a sorte de ter tantos anos de vida, e muitos menos as honrarias que a sua arte lhe devolveu; mas o mais espantoso é que – e nisso os homens não são iguais – ainda menos terão a coragem, mesmo errando e equivocando-se, de dizer o que pensam. Escrevia neste blog, a 7 de Outubro de 2000: «Esse Saramago, não fica em silêncio enquanto o mundo perece. Com ou sem razão, faz bem!»

O silêncio envolveu José Saramago; mas também calou parte da consciência do país. O dia depois de Saramago é um depois mais silencioso, mais carneiro. E muitos terão supirado de alívio; pois com ou sem razão incomodava muitos lobos, em particular os lobos vestidos de cordeiro. Discordava na forma e na substância de muito do que o homem José Saramago dizia – por vezes com falhas de razão clamorosas e que me deixavam espantado! – mas admirava e admiro parte substancial da sua obra como escritor e a sua coragem cívica e política... o que muita cidadania não é nem chega para ser capaz. 

O país não perdeu um grande escritor, não; perdeu um crítico social, que com ou sem razão nunca se calou, nunca foi cordeiro da maioria, nunca foi cidadão castrado como a maioria continua a ser. E invejo José Saramago, hoje! Afinal, ele sabe ou não sabe, neste dia depois de ser cinzas, qual é o sentido desta grande aventura. À minha fé tem hoje por hoje a certeza. E eu terei de esperar, com uma curiosidade que sabe a pão de mel num dia de fome…

Imagem: José Saramago

  • PRECE AO DEUS UNIVERSAL

Ó Criador de Toda a Vida,
que apareces na perfeição da Tua beleza,
quão múltiplas são as Tuas obras.
Ó Deus Único, Senhor de toda a Eternidade!
Do Teu espírito emanam todas as criaturas!
Só o Teu amor, a Tua bondade, governam todas as coisas.
Na natureza estão os Teus pensamentos,
pois Tu estás na folha da grama,
no grão de areia,
no raio de luz que flutua no céu,
Assim como no todo sem fronteiras!
Ó Tu que vives eternamente:
Aspiro novamente o doce aroma
que vem da Tua boca,
dia após dia, o meu coração
contempla a Tua beleza.
Tenho desejo incontidos de
novamente ouvir a Tua meiga Voz
e necessito, com todas as forças do meu ser,
que os meus passos sejam guiados
pela beleza da Tua imorredoura luz!
Ó Tu que planas acima de todos os firmamentos:
Dá-me as tuas mãos,
que sustentam o teu espírito,
que eu possa recebê-Lo
e viver somente por intermédio dele;
lembrar teu nome,
por toda a eternidade,
pois Ele não perecerá jamais!
------ Faraó Amenofis IV (Akhenaton), Séc. XIV a.C

Portugal, ou Porto Rico?
(29 de Julho de 1977)

          Aos que por tudo e por nada deitam as mãos à cabeça e se lastimam do mal que as coisas correm, aconselharia eu a leitura da Constituição: quer-se tônico melhor do que aquele primeiro artigo que, solenemente, entre palmas e abraços, proclama que «Portugal é uma nação soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes»? Mas àqueles que, por verdura dos anos ou exuberante florescência da saúde, tendem a ver tudo cor-de-rosa, o mesmo conselho daria. Então veríamos a que alturas subiriam as esperanças dos primeiros, veríamos como trambulhariam ao rés da terra os exageros dos segundos. A panacéia, a cura universal é, afinal, barata, custa na minha edição umas pouquíssimas dezenas de escudos, e bem tolo é afinal este povo português que não percebe a que extremos chega a sua felicidade, abençoada por uma Constituição assim.
           Simplesmente, também em abundância não falta quem à custa do mesmo povo se vá divertindo, ou se diversão não é, então pior, porque é propósito, plano e sua fria realização. Olhe-se para este governo que socialista se diz e tem no rótulo, obrigado a respeitar escrupulosamente a Constituição e tratando-a como mero «farrapo de papel». Olhe-se para a idéia e a prática que o dito governo tem do que seja sociedade sem classes e transição para o socialismo: repare-se nas leis que os ministros produzem e que adequadas maiorias parlamentares têm vindo a aprovar, à esquerda e à direita, segundo a antiquíssima táctica de jogar com os temores mútuos e obedecendo à habilidade elementar de fazer política à vista. Olhe-se, enfim, para não continuar uma enumeração que seria longa, e abandonando por hoje essas ninharias que para os senhores governantes são socialismo e classes, transição para ele e abolição delas, olhe-se no já citado primeiro artigo as palavrinhas que afirmam ser a República Portuguesa soberana e baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular: sorria pois quem tiver vontade de chorar, carregue o sobrolho quem tenha o sestro de andar de caninha na água.
          Sem dúvida que foi a vontade popular, tomada em termos aritméticos, voto por voto, que fez do Partido Socialista (continuemos, para sua vergonha, a escrever a palavra por extenso) partido de governo e governo: mas é contra o povo e, portanto, contra a vontade dele (a não ser que os portugueses sejam irremediavelmente masoquistas) que o governo do Sr. Mário Soares tem vindo a governar, praticamente desde que este celebrado socialista se sentou na principal cadeira do conselho de ministros. Já foi mil vezes escrito, já foi mil vezes denunciado que o Partido Socialista está a governar contra especificações essenciais da Constituição, e portanto contra o povo que elegeu os que a redigiram: evitemos, portanto, as repetições. Quando na semana passada falei de oportunismo e traição, não estava com certeza a pensar no PPD e no CDS, coerentíssimos partidos que sabem tão bem o que querem, que até sabem levar o Partido Socialista a fazer o que a eles convém, cada um na sua altura e segundo o seu interesse. Nisso, o Partido Socialista tem ótima boca.
          Mas onde as coisas atingem o delírio, onde as palavras, coitadas delas, são magnificamente conspurcadas, é quando se fala de dignidade da pessoa humana e de soberania. As palavras, meu caríssimo e único leitor, são infelizes, não podem defender-se de quem lhes troca o sentido, de quem não se sente obrigado a respeitá-las, precisamente porque é mínimo ou nulo o seu respeito pela pessoa humana. Falar em dignidade em Portugal, quando todos os dias se aprovam leis contra o povo, quando a polícia espanca e vem depois esconder a mão, negar que tivesse espancado, quando a subserviência se instalou nos corredores do poder, começa por ser indignidade e acaba por ser perda de sentido moral. O nosso país atravessa uma crise econômica gravíssima, toda a gente o sabe. E também vive uma profunda crise moral, mas essa crise, ao contrário do que se quer fazer acreditar, não tem os seus mais elevados expoentes nem na droga, nem na criminalidade, nem na prostituição: paira mais alto e tem piores conseqüências.
          E agora a soberania. Sim, realmente não somos Porto Rico. Tirando alguns lugares próprios onde naturalmente flutua, drapeja, paira e faz sombra a bandeira norte-americana - é esta a nossa bandeira portuguesa, verde, encarnada, armilada, acastelada e, se a tradição é verdadeira, chagada, que nos cobre a todos, mesmo quando em rigor nos não protege. Porém, a política nem sempre tem a cor das bandeiras. E toda a gente que não quer fechar os olhos ao que é evidente ou não aceita que lhos fechem, sabe que há em Portugal uma «eminência parda» que segura não poucos fios da vida portuguesa, aqueles fios com que se tem vindo a tecer, com mãos de Washington e Duque de Loulé, a rede principal que nos atou os movimentos libertados no 25 de Abril e no Primeiro de Maio. Essa «eminência parda» é o embaixador Carlucci, o homem mais livre que existe em Portugal, se poder é sinônimo de liberdade, se liberdade é isto de dar ordens em Portugal como quem as desse em Porto Rico. Mas a Constituição continua a dizer que somos uma República soberana.
------ in José Saramago, Folhas Políticas 1976-1998, p.19-21

sábado, 19 de junho de 2010

  • PROSTITUIÇÃO POÉTICA E DIVINA
Os autores de alguns blogs made in cv resolveram falar sobre a prostituição. Dos lugares comuns ao retorno à “legalização” da prostituição, como se ela fosse ilegal… passando pela confusão da prostituição com o abuso sexual de menores – isso sim crime! – há de tudo um pouco. Mas achei graça a sentença «A prostituição não tem nada de poético» do João Branco. E achei graça porque existe poucas actividades humanas com tanta poesia como a prostituição; aliás, o próprio acto de fazer poesia é menos poético do que a prostituição enquanto actividade.

Existe, sim, uma dimensão poética na prostituição; na verdade, a actividade é uma contínua expressão da comédia e da tragédia da personae que a vive. Mais: existe uma dimensão divina da mesma. Ah, pois! A prostituição pode ser uma arte, grandiosa e efémera. Uma cortesã não é um pedaço de carne, é muito mais do que isso quando exerce a sua função – é uma verdadeira actriz que se transmuta em efémera companheira, conselheira, contadora de histórias e fonte de prazer. Dá amor, o Eros desejado do seu corpo, e por momentos o companheiro cede todas as suas agruras e necessidades a ele. É um amor que tudo vence, no momento. E por isso Virgílio dizia nas Bucólicas: et nos cedamus amori (rendamo-nos também nós ao amor).

O mundo antigo percebia isso muito bem. E Chrisys de Pierre Louis – das obras que já li sobre o tema – é um dos livros mais maravilhosos da literatura do último século e que nos transporta à esta realidade da antiguidade Grega. E quando Rei descobre que a cortesã que visitava e pagava generosamente os favores sexuais era, na realidade, a sua Rainha…

O século XXI ainda é culturalmente opressor, e ainda não compreendemos muitas das dimensões da liberdade humana. Ainda não tivemos o Renascimento Sexual, e, paradoxo dos paradoxos, tal não culpa da moral religiosa, não. E, bem vistas coisas, a prostituição tem mais benefícios sociais do que malefícios quando vista como um exercício de liberdade e não é sujeita à pacóvia censura moral que, fatalmente, a remete à clandestinidade social. O engraçado é que os maiores moralistas são aqueles acabam por ser achados como clientes das modernas cortesãs.

A verdade é que prostituição verdadeiramente nociva é a moral; e o mal que dela emerge é ainda maior porque, como Baudelaire dizia a propósito do Diabo, a sua maior arma é convencer-nos de que não existe. E nestas coisas existe uma vingança poética, a espreita e a sorrir…

sexta-feira, 18 de junho de 2010

  • O MEU POETA E DEUS
Escrevia um poema em verbo dos três Miguéis, quando, de repente, sou interrompido.

— VB, por vezes deveríamos fazer de Deus… — diz-me o Meu Poeta.
— Deverias escutar os oráculos e o teu coração, Meu Poeta…
— Ah, escuto; sim! E um dos teus favoritos, e o teu coração! ó VB…
— Pois…
— Lembras-te, VB, do que Teresias dizia a Creonte?
— Sim…
— Então, faço de Teresias e pergunto-te: «Em que medida a maior riqueza é ter juízo?»
— A maior riqueza, Meu Poeta, é amar a Deus e a sua criação; e deixá-Lo com o juízo que deve deter sobre esta, mesmo quando, como tu, se é devidamente tentado a fazer as vezes de Deus.

O Meu Poeta quedou-se em silêncio, e eu vou voltar a escrever o meu poema e seguir a cultivar o meu jardim. Mas fico a pensar: «Em que medida a maior riqueza é ter juízo?» As raposinhas são verdadeiramente perigosas… e por isso se deve ter guardas armadas às portas do coração e lavrar o bem no entendimento.

Imagem: Solidità della nebbia — Russulo (1912)

  • INAMOVIBLE ADIÓS
¡Adiós bello cuerpo de oro!
Recorro todos los tomos del mundo
y de del corazón de Adonay
buscando por la tarde milagros
y destinos de improviso enamorados.

Todo está inmóvil y sereno
como la aurora de los tiempos
y el beso que se hunde al hueso de la luz
y de los cielos de los dioses desnudos.

Todo es un montón de sueños,
un mar de bendición y de hambre de todo.

¿Te Hace falta algo, sueño?
Tengo en mi pecho el umbral de tu naturaleza ajena
y sé que es un amante burócrata y infiel
como son los buenos amantes
los que traen en sus manos la eternidad
y son en el amor barbaros como las putas de la calle.

¡Adiós bello cuerpo de oro!
No eres un sueño, eres el sueño y todo.
--- Virgílio Rodrigues Brandão

quarta-feira, 16 de junho de 2010


  • COLD, COLD FELLING, Gary Moore
I’ve got a cold, cold feelin; It’s just like ice around my heart.
I’ve got a cold, cold feelin; It’s just like ice around my heart.
I know I’m gonna’ quit somebody, every time that, feelin’starts.

You treat my like a prisoner, because my hands are tied.
Everything you do to me, is stackin’ up inside.
It’s a cold, cold feelin’ Yea, You’re just like ice around my heart.
I know I’m gonna’ quit somebody, every time that, feelin’starts.

There’s a change in me baby, once I was blind but now I can see.
There’s a change in me baby, once I was blind but now I can see.
I’m gonna’ put everybody down baby,
That ever made a fool outta me.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

  • HUMANIDADE PRISIONEIRA: DE FUKUYAMA A DAWKINS

Acabei de seguir as eleições na Bélgica, e relia Ibn Al Arabi e Francis Fukuyama. E concordo com Fukuyama quando afirma que não existe uma relação causal e indefectível entre desenvolvimento e democracia, ainda que exista uma correlação positiva entre estas duas variáveis da existência humana. Já não concordo com o mesmo quando defende que «liberal democracy may constitute the "end point of mankind's ideological evolution" and the "final form of human government," and as such constituted the "end of history".» É uma ideia recorrente, que Fukuyama defende com brilhantismo em The End of History and the Last Man; ainda que equívoca, pois a sua premissa fundamental, do meu ponto de vista, é falha de sentido; mas isto é matéria para outro foro. Lembrei-me, então, de um outro sentido desta questão, e lavro aqui uma breve nota.

G.N. Clark, no seu discurso inaugural em Cambridge, disse: "Não há segredo ou plano na História que reste para descobrir". É claro que este juízo tem uma premissa dogmática que fere a sua validade ab ibnitio, mas admitamos que tal asserção, ainda assim, seja de considerar.

Mas, mais do que isso, tomemos outra asserção dogmática e finalista, esta de Dawkins. Richard Dawkins, diz que não existem mistérios da vida, que Darwin e Wallace os devendaram. Isto é, a história — no plano teleológico — chegou ao fim; isto segundo G.N. Clark, pois para Dawkins não existem mais mistérios a serem descobertos, o sentido da vida está desvendado e não nos resta nada mais que contemplar a vida e compreender o seu mecanismo (dir-se-á que Francis Fukuyama segue a mesma lógica, no plano da governação da Polis que teria, no actual estádio, chegado ao fim da história, cristalizando, assim, o sistema democrático liberal — o que é um equívoco).

Se é assim, devemos seguir o conselho de um epitáfio deixado há séculos numa Villa romana do norte de África (precede, cronologicamente, o condicional "comamos e bebamos que amanhã morreremos" que Paulo dizia aos helenos de Corinto):
Caçar, banhar-se,
Jogar, rir
— Isto é viver!
Mas não! A vida é mais, muito mais do que isso. O que eu pergunto é: e onde fica o amor e a humanidade que, em sim mesmos, são dos maiores mistérios da vida e os limites de toda a acção humana no devir da existência? A vida não se resume ao sentido biológico e naturalístico nem ao acervo de conhecimentos que o homem acumulou; a vida tem uma dimensão transcendente que impele a humanidade a ser humano, digno e um buscador da transcendência de si e do outro. E é isso que faz a grandeza da humanidade, e é isso a aproxima da essência das coisas, e dá sentido a vida; seja na dimensão biológica — que é condição e não fim da humanidade —, seja na psico-social, i.e., na percepção que temos da gestão da nossa sociedade e da história como devir crono-existencial da vida.

Não se deve querer uma humanidade prisioneira; pois a humanidade é essencialmente espírito. Por isso a humanidade tentará, sempre, compreender não somente o quem eu sou, de onde venho, para onde vou. Não existem mistérios na vida e na história? Chegamos ao fim do quê? O ponto de partida, e a perspectiva com que vemos o nosso objecto é que determina as nossas conclusões — nisso Descartes e Bertrand Russell estão de acordo —; sendo certo que há mais filosofia e verdade na mão do carpinteiro que fará o meu caixão e no beijo da minha amada do que em tudo isto que nós homens engendramos para explicar a mão de Deus escrevinhado um poema que seremos nós, a humanidade.

Imagem: Matéria — Umberto Boccioni (1912)

WORDS OF WISDOM

How many ignoramuses have slandered us spiritual beings! — Ibn Arabi.

Imagem: Abigail Clancy

domingo, 13 de junho de 2010

  • AS ELEIÇÕES DA BÉLGICA. O FIM DO REINO DA BÉLGICA?
As eleições na Bélgica e os resultados do escrutínio. Para seguir ao pormenor, a quem se interessar. E interessa a todos, pois, ao que parece, os belgas não se entendem - e pode arrastar a Europa numa crise que se tem tentado ignorar e evitar. Mas pode-se evitar um nacionalismo genuino, e uma crise de identidade política e ideológica num Estado mosaico no plano político e cultural?

A vitória do N-VA (Nova Aliança Flamenga), que levará a um Governo minoritário e de continuação da crise — pois é improvável que venha a conciliar-se com o PS (que se tornou a maior família política belga), e, acabará por levar os nacionalistas da Flandres a pedir a cisão do Reino da Bélgica. A irracionalidade do voto tem destas coisas, pois a Bélgica precisava de um Parlamento com outra estrutura e de um Governo que pudesse ser sustentado por uma maioria minimamente confortável. Via a estação de Televisão belga LaUne e um jornalista belga perguntava à uma cidadã de Liége, simpatizante e votante do N-VA, sobre o que era preciso fazer no futuro, e ela respondeu:
— Muitas coisas!
— O quê, por exemplo — perguntou o jornalista.
— Oh, não preparei a minha entrevista... — replicou a cidadã.
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Uma resposta eloquente sobre o que é, de verdade, a liberdade de voto democrático. A Europa não precisava da continuação da crise política belga, e muito menos de um recrudescimento do nacionalismo no seio da União Europeia. O Partido Socialista, com base na sua base de apoio — ao nível da família política —, quererá ser Governo (e muito provavelmente sê-lo-á); o N-VA poderá querer impor uma agenda nacionalista, e pode querer, também ele, ser Governo com base no facto de ser o partido mais votado, ainda que um voto geograficamente concentrado. Será o princípio da continuação da crise que começará amanhã; mas é mais do que isso: é o princípio da cessação da Flandres do Reino da Belgíca, como preconiza o N-VA.

Assistiu-se, hoje, ao fim do Reino da Bélgica? Sim, do seu inelutável início. E o paradoxo é que é um reino desmantelado pela democracia... by the book da História.

sábado, 12 de junho de 2010

  • OS CAMINHOS DE DEUS E PEQUENAS DISSIDÊNCIAS
Decorria o ano de 1989/90 quando conheci um dos seres humanos mais belos e extraordinários que já se cruzaram na minha vida. Terá alcançado, certamente, toda e mais felicidade que uma pessoa humana merece. Ensinou-me uma coisa que então não apreendi de todo: as pessoas podem, por vezes sem querer, ser empecilhos para o desenvolvimento de outras. Foi um pensamento que demorei muito tempo a perceber o alcance, e ainda mais a compreender a essência. Demorou pouco mais de uma década, mas percebi e apreendi o sentido das suas palavras; não tinha a ver com processos de razão, de raciocínio, mas sim com a dimensão prática da vida.

Agora, ao escrever estas linhas, lembro-me de, em meados dos anos oitenta, ter lido um livro de Merlin Carothers chamado Louvor que Liberta, que me levou a ler um outro livro do mesmo autor – O Poder do Louvor. Neste o reverendo Carothers narra um facto que então me pareceu muito interessante: teve um acidente e partiu uma perna, ficando limitado na sua acção, uma vez que esteve acamado e não podia desenvolver com normalidade a sua acção. Mas, mesmo nessa situação, louvava a Deus por isso – o que, da perspectiva do pensamento do cristianismo prático que então abraçava (começava a seguir de perto o ensinamento de John Osteen, Kenneth Hagin, Oral Roberts, Benny Hinn, Kenneth Copeland…), me parecia um equívoco da percepção de Deus. Lia os seus livros com um sentido crítico, crivava os seus ensinamentos: «louvar a Deus, sim; mas não pelo mal que nos acontece» – pensava e dizia a mim mesmo.

Mas, dizia Merlin Carothers, que louvava a Deus – mesmo parecendo estranho a sua acção – em todas as circunstâncias. A realidade é que a sua limitação permitiu-lhe lançar mão de um projecto que adiava há muito, e acabou por fazê-lo durante o período de convalescença, com grandes benefícios pessoais e para a sua comunidade. O que pensava então – e continuo a pensar hoje – é que não deveria louvar Deus pelo mal que lhe aconteceu, mas sim pela misericórdia de o ter salvo de algo mais grave. Nisso residia, essencialmente e então, a minha discordância da sua doutrina de “louvar em todas as circunstâncias”.

Na verdade Deus tem sempre estranhas opções – diz-me o meu poeta. Eu digo que Deus tem caminhos rectos, e justos. Por vezes tem de conduzir-nos pelos atalhos das nossas opções, do exercício da nossa liberdade ou livre necessidade (perdoai-me Agostinho e Aquino, mas é mais esta conclusão de Espinosa que a outra), e colocar-nos na estrada certa. Daí a vox populi – nem sempre compreendida – de que “Deus escreve direito por linhas tortas”. Sim, Deus faz com que tudo, mesmo o mal, acabe por contribuir para o bem dos que o amam – mesmo daqueles como eu que, por vezes, critica as suas opções, e que penso que deve(ria), tem de haver, uma media via – a essência do tomismo – nos seus planos para a criação.

É assim que hoje compreendo (de uma forma mais profunda do que quando ensinava o Evangelho) o sentido da parábola do filho pródigo, assim como entendo o que me diziam 1989/90: que as pessoas, por vezes, podem ser um empecilho ao nosso crescimento. Por vezes há que perder essas pessoas, deixá-las para trás – a vida, por vezes e naturalmente, encarrega-se disso – para se alcançar um novo horizonte, sem amarras. E isso digo eu que sou um calvinista mitigado (na verdade mais próximo da ortodoxia de Origenes e da heresia necessária de Valentino), no que concerne ao destino é claro; eu que penso que Deus tem o chicote do tempo nas mãos e, cedo ou tarde, leva-nos para onde quer e quando quer. Como dizia Aníbal Barack, «Vê-de como nada pode ser feito contra a vontade de Deus» . O africano teria lido a história de Jonas e atentado no destino de Ninive? Não creio, é muito improvável.

O que sei é que, por vezes – demasiadas vezes –, sinto-me como Jonas. É que não será o homem, por si mesmo, uma media via da essência ou o Φ, a divina proporção, de toda as coisas e seres existentes? Protágoras, se conhecesse David e Salomão, certamente que concordaria comigo… É nestas alturas, quando penso nisso e no mal que alimenta o Mundo, que atrevo-me a discordar de algumas premissas do pensamento do meu Mestre, mas sem nunca deixar de o Amar; afinal o amor é a essência de tudo, e é o vínculo do meu pensamento à humanidade e a Adonai. Mas a espada de talião me parece, por vezes, tão necessária, tão natural, tão de acordo com a natureza…

E sinto-me impelido a seguir o conselho de Helvius Pertinax e a usurpar o derradeiro grito de Cipião Nasica. Afinal, a vida é um vapor, uma dissidência da eternidade.

Imagem: Desenho do Coração, Lonardo da Vinci

  •  MOMENT(O) ZEN
Não se deixe perturbar pelo passado. Olhe para o futuro.
In Regras de Soyen Shaku

Imagem: Dante adorando a Cristo, William Blake

The tyger - William Blake

sexta-feira, 11 de junho de 2010


  • E o que Daniel Cohn-Bendit diz é apenas a ponta do iceberg... e eisto tudo parece-me uns negócios feitos por outras bandas por países europeus amigos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

| VOZES DE ATENTAR...

«Antes de tudo não mudes; pois tudo está conforme a natureza universal e dentro de pouco tempo não serás nada em nenhum lugar, como não o são Adriano ou Augusto», Marco Aurélio Antonino.

Imagem: Anjo armado no Sepulcro de Adriano (Sepulcrum dos Antoninos).

  • VOZES DE ATENTAR...
People quite often think me crazy when I make a jump instead of a step, just as if all jumps were unsound and never carried one anywhere – Ezra Pound.

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O JULGAMENTO DA HISTÓRIA

O exercício do poder é, em si mesmo, um dado ético. Mas, não raras vezes, os detentores do poder perdem o norte da sua função e passam a pensar somente em si mesmos, no grupo que os sustenta, i.e., os partidos, e não no povo. Quando pensam nos governados acabam ou por ser depostos e considerados cruéis, incompetentes e quejandos. O que vale é que a história acaba, cedo ou tarde, por repor realidade e quem medra no mal acaba por ser devida e eticamente justiçado, pelas urnas ou pela história.

A eternidade, o verdadeiro objectivo do homem, mesmo do homem sem Deus, tem uma balança que se equilibra a si mesma. Mas a imortalidade só se ganha com o bem, e este é uma forma de redenção pelo mal que quem detém o poder acaba por causar pelas suas acções activas ou omissivas pois, e isso é insofismável, o bem de uns representa um mal para outros — não importa a dimensão mas o facto em si.

Cedo ou tarde haverá uma Φ em tudo; para além de Marx e Engells.
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Imagem: Cidadão etrusco... antes de desaparecer da história.  

quarta-feira, 9 de junho de 2010

| LA ESENCIA DE LAS COSAS

La teología es una de las empresas humanas, designadas tradicionalmente como «ciencias», que trata de percibir un determinado objeto o ámbito de objetos siguiendo el camino mostrado por él mismo en cuanto fenómeno, y que procura entenderlo en su sentido, a la vez que expresa el alcance de su existencia. Parece que el término «teología» quiere decirnos que en ella se trata de una ciencia especial (¡especialísimal), de una ciencia que quiere aprehender a «Dios», entenderlo y expresarlo.

Pero, puesto que bajo el término «Dios» pueden darse a entender muchas cosas, son también muchas las clases de teologías existentes. No hay ningún ser humano que, consciente o inconscientemente (o también de manera semiconsciente), no tenga a su Dios o a sus dioses como el objeto de su supremo anhelo y de su confianza, como la razón de sus más profundas vinculaciones y obligaciones, y que en este aspecto no sea también un teólogo. Y no hay ninguna religión, ninguna filosofia, ninguna cosmovisión que no se haya vuelto con alguna profundidad o superficialidad hacia una divinidad, interpretada y descrita de tal o cual manera, y que en este sentido no sea también teología.

Esto no sólo ocurre cuando a esa divinidad se la considera positivamente como la suma de la verdad y del poder de algún principio supremo, sino también cuando se pretende negarla; esta negación, en la práctica, consistirá simplemente en menoscabar su dignidad y su función reduciéndola, por ejemplo, a la «naturaleza», a una pulsión vital inconsciente y sin forma determinada, al progreso o al hombre que piensa y actúa con sentido progresista, o también a una nada redentora, en la que el hombre habrá de integrarse porque tal es su destino. Por nuestra parte afirmaremos que son también teologías esas ideologías manifiestamente «ateas».
------- In, Karl Barth, Introducción a la Teología Evangélica, Salamanca, 2006, p.21-22

Imagen: Yuri Gagarin, en la primera viaje en órbita de la tierra.

| ELIOGÁBALO – O IMPERADOR QUE BEBIA OURO
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Pode-se beber de tudo neste Mundo, mas mesmo tudo! As almas mal intencionadas pensarão no baptismo essénico, as mais cruéis no chumbo quente de torturas de outros tempos, sendo que as mais sofisticadas ou gananciosas de prazer pensarão no ouro. Antonino Eliogábalo – o jovem imperador que, entre muitas inovações, introduziu em Roma o habito de comer-se pratos frios (servidos em serviços de prata) no verão e pratos quentes no inverno; elevou o prazer à uma dimensão exotérica sem sair do corpo. As suas ideias eram tidas pelos romanos como aberrações. Mas houve coisas que os aristoi romanos acabaram por gostar, a força do hábito e da experimentação: bebidas refrescadas com a neve que mandava buscar de grandes distâncias para refrescar as suas bebidas, nomeadamente vinhos que aromatizava com rosas e especiarias.

A rosa, sendo-lhe particularmente querida, era usada, também, para confeccionar as suas iguarias. O que, não raras vezes, fazia. Foi o único imperador cozinheiro, que tenha eu conhecimento no presente estádio do meu conhecimento da história política. Hierocles, o seu marido (sim, isso do casamento entre pessoas do mesmo sexo não é ideia nova, não), que o diga…

Mas Eliogábalo tinha uma especial predilecção pelo ouro, a tal ponto que introduziu o metal nas bebidas que consumia. Séculos depois, Henrique VIII seguiria os seus passos ao transformar o banquete na sua bebida preferida: vinho com folhas de ouro. Hoje, em muitas partes do Mundo se pode comer ouro! Sim, pizza ou chocolate com finíssimas folhas de ouro; vinhos brancos e licores com folhas de oiro, tudo aparece hoje como uma novidade. Mas não é, tal deve-se a Antonino Bassiano Eliogábalo, o Imperador afro-asiático do império romano; nos longínquos finais do primeiro quartel do século III d.C.

O que é novidade, e disso gosto em particular, é o Black Martini – que tenho uma versão e que chamo Eliogábalo – que é feito com vodka negra e goldschlager (licor com ligeiro sabor a canela e com pequenas folhas de ouro). Mudam os ingredientes, mas a ideia é do imperador divergente. O Black Martini deveria chamar-se Eliogábalo! Pois a ideia de um imperador africano em Roma – terra do martini (ainda que o black martini não leve martini ) – e que gostava de beber ouro… parece surreal, mas é um facto histórico; e digno de ser comemorado e lembrado.

O Black Martini é uma bela bebida para os sentidos, só é pena ser difícil encontrar uma boa vodka negra, goldschlager e, ainda mais difícil, um barman que faça a bebida de forma adequada. Mas as coisas boas são assim mesmo – belas, complexas e com sentido. E, por incrível que possa parecer – ao contrário da pizza com folhas ouro –, beber um Black Martini é não um acto de ostentação, como era para Antonino Eliogábalo e Henrique VIII ter ouro nas suas bebidas, mas sim um acto de prazer, uma espécie de orgasmo no copo. É algo análogo a beber champanhe com morangos, e comer o fruto nas portas do paraíso.

| O MEU POETA, EU E A ETERNIDADE

Há dias e momentos em que nos sentimos aliviados; não por se poder dizer free at last, free at last, free at last! mas porque, como diz o marteleiro do ecco homo, ser demasiado humilde é ser verme. Omnia vincit amor, et nos cedamus amori — grita o meu homónimo das profundezas do tempo. Amanhã será um belo dia, mesmo que chova baba de Cérbero em forma de canivetes e me ofertem duas moedas de prata. Ah! lembro-me que tenho uma moeda de prata de Severo Alexandre no bolso… e uma eternidade para trás e outra ainda maior para a frente; e são como Janus Bifrons.

Afinal, quantos filhos tinha o Conde Ugolino? — pergunta-me o meu poeta.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

| OS SUBTERRÂNEOS

“Eu sempre achei que Cabo Verde não deveria ter sido independente, não assisti à independência de Cabo Verde por isso mesmo” — Mário Soares, in Colóquio Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização.

O que é que esta afirmação e a imagem que ilustra este texto têm a ver com o facto do Presidente Pedro Pires se ter remetido ao silêncio sobre as palavras do ex-Presidente da República da Lusitânia? Os subterrâneos da política têm destas coisas, quase incompreensíveis para uma razão esclarecida. Mas como tenho saudades do Sábado, nada digo agora. Agora… ainda que não deva ser preciso; pois quem percebe, perceberá.