sábado, 31 de dezembro de 2011


  • HUMANA CONDITIO
Hoje, ao ler Pushkin, compreendo em epifania a verdadeira dimensão da perplexidade de Agostinho de Hipona sobre o tempo...

Imagem: Amadeo Modigliani

  • COMPREENDER O MUNDO
Ah! – exclama o meu poeta –. «Como compreender o Mundo?» – pergunta-se. Que estupidez! É uma perda de tempo, a pergunta e qualquer tentativa de compreender o Mundo a não ser o compreender o Mundo em si. É demasiado grande, maior que o Universo pois está mais perto e tem o que o Universo exterior não prova ter: a espécie humana; e nós mesmos, o germe da transcendência de tudo que vamos marcando nos nossos dias sobre a terra. A pégada existencial é única, singular; de génio ou genética – mesmo de brutalidade, somos seres recicláveis. Eu sei, o meu poeta também.

O diário sem data do meu poeta é feito de poesia, a única matéria real e bela do Mundo; tudo o mais é putrefacta coisa por natureza. (Virgílio, Petrarca e Pushkin sobreviveram à carne.) E, se pensares bem verás… que até o Amor, o aio de todas as ilusões, também se corrompe e, mais dia menos dia cheira mal ou traz-nos dores horriveis; de parto ou de saudade. O verbo que cria o Mundo, esse fica na forma, e na essência de tudo o que toca. Se queremos entender o Mundo, temos de ter consciência de que Deus é poesia, como Lucífer é luz e que tudo tende para ele. Melhor, como és e pensas ser a melhor pessoa do Mundo hás-de chegar a pus caramelizado, ao topo da Montanha de carne.

Assim, vou tentar compreender-te; até ser poema, e luz. Uma espécie de luz; que chega.

Imagem: Shell -- Uriy Kakichev

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

  • A GRANDE FESTA

Está o mundo pejado de tudo.
Só não há excesso de felicidade,
como há da dor.

O menino, quando nasceu
perseguido em todos os lados do Mundo
predestinava a morte da morte
e o seu sonho era um buraco negro;
o mesmo que se escondeu
na carapaça da tartaruga da Boavista
que ontem cruzava os oceanos
e hoje a noite será festa.

Diz-me que também o bacalhau
tem filhos, família.
Mas que importa isso, ó pedaços de terra?
Não nasceu o menino para morrer,
para por um fim a este universo?
Começamos assim, em festa, até que,
um dia, comemos Deus.
--- Virgílio Brandão

Imagem: Naphtha -- Uriy Kakichev

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

  • NOVO ANO
O MPD e os "ratos" poderiam dar um iníco de ano feliz aos cabo-verdianos: aprovando uma Moção de Censura ao Governo de José Maria Neves.

sábado, 24 de dezembro de 2011

  • Felix dies Natalis, et nunc et semper.

  • IN DIVUS RELATUS EST



À Cesária Évora

Cheio de penas e dores move-se
a ilha longínqua
em terra de luz escura.
Nasce um terramoto na memória.
Um fio de sal nos olhos.

As horas, o toque do violino
e do cavaquinho, do violão e irmãos
são agora órfãos do tempo
em que a sua dor tinha nome,
a beleza passaporte de Beleza na voz
que sem letra e diploma
ensinava quem era capaz de aprender
que vaidade de vaidade
são todas as coisas que detemos hoje,
e que os sonhos são grandes…
tão grandes como bolhas de sabão e as dores,
as dores que vencemos
nas ruas secas, no silêncio das noites
sem fama, sem abrigo, sem aplausos…
verdadeiros ventres da eternidade.

Tudo o que é verdadeiramente belo dói
e sofre o cinzelo do tempo
antes de assomar-se ao Mundo
e transformar-se num vento breve,
num furacão fundo.

Duas vezes nascida, lá vai ela
com a beleza de Querubim no ar
a dizer tudo o que os poetas podem dizer
gratos pela dores de parto,
pelo pungir do tempo e alma,
pela senda reescrita da condição nossa: ser
Ilha, pedaço da terra prisioneira
que quando sente saudade nossa clama por nós
e retorna-nos ao seu ventre.

Não se pode lutar contra a saudade da Ilha,
pois ela pode parecer pequena e frágil,
pode se sentir como dor funda e raiva
mas é mais poderosa que a vontade –
é como os rios que não tem;
é como a sua natureza: terra de Mar beijado.

E um dia, com saudades de doce,

decide namorar-nos.

Nós, cobertos de vaidades, é que demoramos
a perceber que o Amor da terra
é eterno.
---- Virgílio Brandão

Imagem: Aparato e Mão -- Salvador Dalí

  • HUMANA CONDITIO
Beauty is God’s gift, even for Judas and Pilatos.  

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


  • IN DIVUS RELATUS EST. AVE CESARIA
É assim o destino de alguns: na morte acrescentar beleza aos céus enquanto a subtraem ao Mundo. A final, é o fado; é como é: todos somos abraçados pela terra morna, a única coisa realmente nossa e que nivela todos os humanos; a única coisa que, também, nos desafia à eternidade. É uma selecção natural de almas; o que se pode chamar – pelas pessoas conscientes desta existência – de consciência ou sentimento trágico da vida. Este connatus essendi aeternae é a única coisa que suplanta o amor à vida, às riquezas e a todos os prazeres que se podem gozar. Alguns são escolhidos, por particularidades da humanidade, da existência ou até por acidente genético, para viverem depois da vida.

A vida – mostra agora a Cesária Évora – não tem uma só vida; pode ter mais de uma vida; e esta outra vida é uma conquista, uma recompensa da vida em si, da que vive só a esculpir de dores a eternidade. E esta, a eternidade, conquista-se com duas armas: o génio ou a beleza. Em regra esta suplanta aquela, pois a beleza é universal – democrática, direi mesmo… – e perdura para sempre; enquanto o génio se apaga, por obra humana até, no sentido de ver as coisas que muda. A beleza é mais funda; é o amor do tempo cristalizado.

Cesária Évora, num tempo e num mundo cheio de fealdade, embelezou a vida de muitos – e conseguiu transcender a sua dor com as armas que tinha: a simplicidade de não querer parecer o que não era e a beleza da sua arte de Serafim. E, ao transcender-se, ao renascer das cinzas da terra da Luz, do Mindelo – como verdadeira Fénix – conseguiu o que os doutos e putativo Enéas da terra hesperitana jamais conseguiram: colocar Cabo Verde no mapa do Mundo – na moda –, no coração das pessoas, e, ao mesmo tempo e sem o procurar, transcender a mera condição humana. Colocou-se, com a simplicidade e a beleza da sua voz, entre os imortais, entre aqueles que, estando mortos, viverão para sempre.

Ave Cesária, in Divus relatus est.

  • CAMPO DE CONCENTRAÇÃO OU DE TRABALHO? AMNÉSIA SELECTIVA
A propósito da atribuição do grau de Doutor Honoris Causa a Adriano Moeira pela Universidade do Mindelo, e da polémica que emergiu da abertura ou não do Campo de Trabalho do Tarrafal de Santiago por Adriano Moreira em 1961 – e o facto do mesmo dizer que o Campo de Concentração não existia no tempo em que foi Ministro do Ultramar – lavro seguinte nota.

Em ciência existe um Imperador: o facto. Não convicções pessoais ou colectivas, mas o facto. E a norma aprovada e publicada prova um facto acto jurídico que se tornou um facto iure et de iure: Adriano Moreira mandou abrir o Campo de Trabalho em 1961. E, como presunção plena, só admite prova em contrário do mesmo grau e valor. O professor Adriano Moreira está perante uma probatio diaboli; uma contra prova impossível de fazer. Como jurista sabe que é assim. O facto vale por si; não se move nem se moverá: está cristalizado pela história.

Assim sendo, quando mandou – sem razão – os cabo-verdianos estudarem a sua história foi, no mínimo, deselegante. (Senti-me ofendido... e lembrei-me de Adriano Duarte Silva a defender Cabo Verde na Assembleia Nacional do Estado Novo e dizendo aos parlamentares: "Quem não se sente não é filho de boa gente") Ando a espera de uma retractação pública do mesmo. Vou perdendo a esperança; mas quem sabe um exercício de memória de quem conhece razoavelmente a macro história de Cabo Verde ajude a clarificar as ideias, e a refrescar a memória.

Tem razão o Professor Adriano Moreira: quando se tornou Ministro a colónia penal do Tarrafal estava fechada – por ordem de Salazar e por razões conjunturais de política internacional –, mas ele, Ministro do Ultramar, mandou reabri-la em 1961 com um outro nome (uma técnica de desconstrução social da memória colectiva muito usada no Estado Novo e recorrente em sistemas políticos autoritários), mais infame do que o anterior: «Campo de Trabalho». Mais infame porquê? – perguntar-me-á

Mais infame no nome e na substância. Se antes o Tarrafal era uma colónia penal essencialmente para condenados por delitos comuns, a sua abertura em 1961 teve um objectivo claro: esmagar pela tortura e o isolamento os presos políticos ligados às lutas pela libertação nas Províncias Ultramarinas – já então não colonias –, à oposição socialista então em grande movimento no grande Portugal e na sua periferia. Era uma prisão política. Basta lermos, v.g., os discursos de Salazar à data para percebermos a dimensão da problemática.

Adriano Moreira pode ter discordado com Salazar sobre outras questões, mas não no essencial que importa à História, nomeadamente a história de Cabo Verde. A sua acção passada causou danos consideráveis a Cabo Verde; e esta história da Parceria Especial – que na opinião de José Maria Neves será uma grande ideia de Adriano Moreira – não é acção susceptível de, per si, granjear-lhe redenção… pelo contrário!

Tem razão Adriano Moreira: nós, cabo-verdianos, deveríamos conhecer melhor a nossa história que – para alguns – parece ter começado com Amílcar Cabral e o PAIGC/CV. (Se José Maria Neves conhecesse a história de Cabo Verde e a honrasse nunca teria mandado demolir a Casa de Adriano Duarte Silva e honrado Adriano Moreira pelas razões que o fez.) É dele, Adriano Moreira, a responsabilidade da abertura do Campo de Trabalho de Chão Bom no Tarrafal.

E, por ironia, esta tinha como objectivo coarctar a liberdade daqueles que em 1961 iniciaram a luta armada pela Independência – nomeadamente o PAIGC (de que o Primeiro Ministro de Cabo Verde é Presidente do ramo cabo-verdiano). E, para os que têm memória curta, lembro que Auschwitz-Birkenau tinha um lema: ARBEIT MACHT FREI: isto é: O TRABALHO LIBERTA. Querem agora dizer-me que reabrir o Tarrafal, naquele contexto político e para aqueles presos em concreto, e chamá-lo de “Campo de Trabalho” era inocente e sem qualquer conotação política? Não creio… quer pela natureza dos presos que se pretendia colocar no local quer pela dimensão intelectual de quem o mandou abrir.

Era a lógica do Gulag cabo-verdiano e que seria continuado depois da Independência pelo PAIGC/CV. Não é por acaso que é ele mesmo, Adriano Moreira, que chama ao local «Campo de Concentração»; e não é por acaso que o apadrinhamento do mesmo seja feito por homens afectos ao PAICV e tenha a chancela e o patrocínio do Governo
. (Atentai, por favor, nesta palavra… "Campo de Concentração" e no seu sentido etimológico e na teleologia da prisão dos cidadãos em causa.) Porquê… um acto falhado?

Adriano Moreira recusa a admitir a sua obra, o seu acto provado e demonstrado. Afinal – é sempre a mesma coisa – escreveu ou não escreveu? Assinou ou não assinou a Portaria abrindo o Campo de Trabalho do Tarrafal, para libertar aqueles que ansiavam a liberdade? Abriu ou não abriu o Tarrafal? É como diz Pedro Pires: "Ditaduras em África? duvido que existam." E eu sou Don Quijote e escuto Sancho Panza a dizer-me: «Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay».

Que indignidade para Amílcar Cabral e todos aqueles que lutaram pelas independências de Cabo Verde a Angola, passado por Guiné e Moçambique e por um Portugal democrático, para com aqueles que passaram e sofreram no Tarrafal. A dignidade vale mais do que o pão; é certo. Podemos viver mais tempo sem um prato de lentilhas e uma côdea de pão do que sem dignidade.

Antes do académico está o homem Adriano Moreira; melhor: a pessoa… o prosopon, a persona; pois isso de “honrar o académico” é falácia de intelectual de café e não de uma Universidade, de um centro de saber. Somente a pessoa, por ter personalidade jurídica e dimensão humana ou artística extraordinária, pode ser honrada pela Universitas ad aeternum com um grau Doutor Honoris Causa. Mas é como outro Adriano (o Mindelense, Adriano Duarte Silva, cujas ideias este Adriano Moreira plagiou e não disse que eram de outro para avançar com a ideia de adesão a União Europeia): «Cabo Verde tem a sina das pessoas obscuras».

Isto tudo pode ter uma explicação lógica, e talvez o académico Adriano Moreira precise de reforma. Talvez seja somente um problema de memória ou de não ter consciência que os tempos são outros, e os cabo-verdianos também.

Duas notas mais; pois a manhã não será eterna e faz-me falta um furacão. Eventualmente – como esqueceu que assinou a Portaria abrindo o Campo de Trabalho do Tarrafal – esqueceu também das ideias de Adriano Duarte Silva, que conheceu pessoalmente, e de que se apossou e fez suas. Isso, num académico… não é bom. Desde 2005 que que se cavalga numa ideia alheia, sem a mínima referência da sua proveniência.

Tem razão: os cabo-verdianos deveriam conhecer a sua história! Os Mindelenses e as autoridades Universidade do Mindelo em particular. Mas também esqueceu que, enquanto membro do Câmara Corporativa, chumbou o Estatuto de Cabo Verde como ilhas Adjacentes a Portugal, quando o outro Adriano, o Mindelense, propôs uma revisão da Constituição Politica de 1933 para, por via de tal estatuto, o arquipélago lograsse os níveis de desenvolvimento que precisava e que todos ansiavam desde o século XIX (lembro, v.g., António Maria Barreiros Arrobas). Não era, então, um problema político ideológico mas sim uma questão de natureza económica e de política de desenvolvimento que se pretendia para Cabo Verde. Sou Mindelense; Cabo-verdiano até à raiz… mas somos, em regra, assim mesmo: gente ingrata para quem nos faz bem, ingrata até com a nossa memória.

Sobre esta matéria, vide o «Parecer N.º 18/VII de 11 de Maio de 1959 sobre o Projecto de Lei n.º 24 para Alteração da Constituição Política de 1933. (Neste aspecto, é de anotar, o Professor Adriano Moreira também estava contra Salazar… pois este admitia este Estatuto de Ilhas Adjacentes para Cabo Verdeal project e, ele, enquanto membro da Câmara Corporativa, chumbou tal projecto) Não tivesse a Câmara Corporativa chumbado tal projecto do Mindelense – e, note-se, nessa época passou-se do Estatuto de Colónia ao de Províncias – e toda a história de Cabo Verde, inclusive a da independência nacional e os termos da descolonização, não só poderiam como teriam sido diferentes.

Espanta-me (sim, aleluia!) que os cabo-verdianos, quer a comunidade académica quer os media quer os políticos passem por cima desta realidade. Amnésia selectiva? Não creio. O que será? – perguntar-me-á. Se lhe disser… nunca saberá.

Imagem: Entrada de Auschwitz-Bierkenau: ARBEIT MACHT FREI -- O TRABALHO LIBERTA

  • PERGUNTAS DE CIDADANIA

E se a Universidade do Mindelo tivesse dado o Doutoramento Honoris Causa a Cesária Évora? 

  • WORDS OF WISDOM
    The salvation of this human world lies nowhere else than in the human heart, in the human power to reflect, in human meekness and human responsibility -- Vaclav Havel.
Image: Vaclav Havel

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

VOZES DE ATENTAR...

O estúpido não perdoa nem esquece; o ingénuo perdoa e esquece; o sábio perdoa mas não esquece -- Thomas Szasz.

Imagem: Vladimir Kush

  • NÃO HÁ DITADURA, PEDRO PIRES?

O ex-Presidente Pedro Pires afirmou que «É preciso cuidado, é preciso evitar taxar este ou aquele como ditador, ou como ditador perigoso, ou como ditador que não aceita mudanças. Acho que é preciso cuidado porque, além da ditadura, há um elemento importante que é a estabilidade e mais o Estado. Precisamos de estabilidade para, na estabilidade, construirmos então as instituições do Estado de Direito» e que as «soluções externas» -- isto é, a defesa dos Direitos Humanos no quadro dos valores do Direito Internacional Humanitário, do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do  Estado de Direito Democrático, constituem uma «má teoria».

Como é que um cidadão que, enquanto Presidente da República, permitiu –assistiu em silêncio ensurdecedor – a violação (analogia: como de uma criança por um dos gigantes da WWE) e a mutilação violenta da Constituição de Cabo Verde, numa clara desconsideração da soberania nacional, pode vir dizer que as «soluções externas» são uma «má teoria»? Fecha-se os olhos por um prato de lentilhas portuguesas e europeias, e agora, a força dos milhões da Fundação Mo Ibrahim, temos uma ferrugenta teoria africanista saindo da cartola pirista: de um Estado de Direito pragmático e sem democracia efectiva. Nada de novo; só o temos verbalizado.

Pergunto: – A lógica subjacente ao TPI é o quê? Não é uma «solução externa»? Será que estou a precisar de colírio ou não é uma solução interna africana? Se verificarmos o quadro de membros do TPI, chegaremos à conclusão de que Pedro Pires era e é contra a adesão de Cabo Verde ao TPI. Mas, note-se, não por ser feito a revelia da Constituição e a custa da soberania nacional – e neste aspecto teria razão, mas nas consequências e não premissas – mas porque constitui uma solução externa à Africa e ser um perigo aos ditadores. Esses que, provavelmente e segundo Pedro Pires, não existirão a não ser na imaginação de uns quantos Don Quixotes que tomam benfeitores africanos por ditadores.

Papiniano disse a Antonino Bassinano que «é mais fácil cometer um fratricídio do que justifica-lo». Também digo que é mais fácil ser ditador do que justifica-lo.

Thomas Szasz, no seu extraordinário livro «Escravidão Psiquiátrica», faz uma distinção entre uma explanação e uma justificação; entre juízos que incidem, respectivamente, sobre eventos e sobre actos/factos. E a ditadura pós 5 de Julho de 1975 não foi um evento, foi facto consubstanciado em cada um dos actos contra a vida, a liberdade, a integridade física dos cidadãos. Não se explica como o «leite derramado» ou circunstâncias da história; não.

De Pedro Pires precisava-se mais do que de uma tentativa de justificação mediata… da sua ditadura. Precisava-se de uma mea culpa, de um pedido formal de desculpas ao povo de Cabo Verde pelo que sofreu sob o regime ditatorial do PAIGC/CV. Mas não, não chega para tanto. Invoco um sábio africano, para não ser teoria externa: Humanum fuit errare, diabolicum est per animositatem in errore manere. A esta luz não se deve persistir no erro? – pergunto. Pode-se, quando o erro constitui os nossos princípios; sim, é admissível. Respeito essa dimensão da liberdade de se estar errado, mas sabendo que é errado.

É claro que, como diz Pedro Pires, se deve te cuidado em taxar este ou aquele de «ditador» (se o país for estável, não haverá ditadura… será o juízo; o que quer dizer que podemos ter uma ditadura em qualquer país africano, inclusive podemos voltar ao Partido Único em Cabo Verde, se se lograr uma «estabilbidade» politica) pois assim escapa[rá], nesta lógica peregrina, ao juízo da história. Mas não; a história não o absolverá dos factos. É como diz Thomas Szasz: «O pensamento lúcido exige mais valor que inteligência». Mas o que falta, de todo, é a lucidez. A liberdade tem destas coisas.

A liberdade plena – segundo definição das autoridades académicas da Universidade de Yale – é «o direito a pensar o impensável, a discutir o indiscutível e a desafiar o indesafiável». Somente um sistema democrático, não ditatorial, permite o exercício de tal liberdade.

O regime político que foi encabeçado por Aristides Pereira e Pedro Pires -- e dos seus congéneres em África pós independências -- não permitia e nem permite essa liberdade de questionar o inquestionável. O inquestionável, para Pedro Pires, era a «não liberdade» dos cidadãos que tinham um guia e dirigente (tínhamos uma tutela, como se fôssemos incapazes): o PAIGC/CV; e continua a ser uma realidade na mente do cidadão Pedro Verona Pires: a ditadura não deve ser questionada à luz dos valores externos à Africa. Parece que o ex-Presidente Pedro Pires (que acabou o último mandato como um usurpador da soberania popular; e, agora, fica cabalmente provado porque o fez: não se revê na Constituição e no Estado de Direito Democrático que este instituiu) tem memória selectiva.

Perante o silêncio, tenho de dizer, com Antígona: «não poderei ser acusado de traição por cumprir com o meu dever.» E este dever é, perante as feridas do mundo, não ficar em silêncio. Não ser um cordeiro mais.

PS: Não fiz nenhuma incursão na história da Política para dizer que a «Ditadura» emergiu, na antiguidade clássica, em períodos de crise: Sempre que se demandava «estabilidade política» era nomeado um ditador com poderes supremos de vida e morte para «colocar as coisas em ordem» e, depois, repor as instituições. (Péricles é o paradigma desta figura.) Hoje chamaríamos esta situação de Estado de Emergência para defender o Estado, suspensão da Constituição e/ou da democracia. Um ex-Presidente da República deveria -- também ele -- ter cuidado como que diz… é o que dizemos deixa de pertencer-nos. E Pedro Pires faz uma defesa desbragada da ditadura. Que fiz eu, como cabo-verdiano, para merecer isto, ó Deus?

Iagem: Diogenes, o Cínico -- John Williams Waterhouse

domingo, 11 de dezembro de 2011

  • JUNO CAELESTIS

Dizem-me eles, os antigos,
que Ele está nas bandas do norte;
mas sei que Ela está nas bordas
do Sul.
Ali está o oriente que desflora
a vida e a minha memória
todos os dias,
mesmo antes de nasceres.
--- Virgílio Brandão

  • HUMANA CONDITIO
Os trabalhadores que paguem a crise!

(O Artº.6ª. da Constituição originária de 1976 e Álvaro Cunhal revolvem-se no túmulo.)

  • O MEU POETA
Nascer de novo é possível...

(E nem estou a pensar em Nicodemos)

Imagem: The Vase of Cornflowers, Salvador Dali (1959)


  • VOZES DE ATENTAR
Vêde como nada pode ser feito contra a vontade de Deus -- Aníbal Barak.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

DEMOCRACIA REPUBLICANA OU NOVA DEMOCRACIA

Reli, no passado fim-de-semana, o livro «Cabo Verde, A Revisão Constitucional de 2010 e o Advento da Nova República» de David Hopffer Almada. Precisava de uma nova leitura, de dar espaço e oportunidade a mim mesmo para ter outra leitura do texto. Lembrei-me, então, entre outras coisas, do relativismo democrático de Corsino Tolentino e de outras pessoas do PAICV, de vários tiques autoritários do presente Governo e, também, de um namoro institucional à substância do passado colonial e de uma efectiva tutela espiritual e académica da Metrópole sobre a maioria dos cabo-verdianos que o Doutoramento Honoris Causa que a Universidade do Mindelo concede ao Professor Doutor Adriano Moreira é somente a ponta do iceberg.

(Podemos ter deixado de ter o colonizador no plano jurídico e político formal, mas não deixamos de o ter noutros aspectos, nomeadamente na alma; nomeadamente como modelo social de referência.)

É uma questão democrática? Sim, da Democracia Republicana que não temos em Cabo Verde. Temos o nomem mas não os benefícios da substância; pelo menos o povo, o suposto soberano, não os tem.

A democracia é, supostamente, uma forma de Governo tutelado pelo povo e que trabalha para o povo (lembro, aqui, Abraham Lincolm). É, desde que foi concebida, uma forma de controlar o uso inadmissível do direito ou do poder de governar. Hoje, perante os abusos e a incapacidade de governar que verificamos em vários quadrantes, é legítimo questionarmos esta forma formal mas antidemocrática de Governar. Até parece que estamos num sistema oligárquico ou aristocrático em que o poder passa de pais para filhos, de geração em geração, e sempre dentro de uma esfera social criada e alimentada ou pelo poder social do dinheiro ou pelos partidos. As mamas de onde sai o leite parecem serem, sempre, as mesmas.

O povo não suporta mais uma justiça injusta, por vezes democrática e legalmente nepotista, que vê o interesse formal das coisas e não a razão do direito e da Justiça.

O povo não suporta mais estes governantes de barriga grande e dupla queixada que só procuram enriquecer rapidamente enquanto o povo definha na periferia da sua barriga mirrada.

O povo não suporta mais a democracia de fachada, essa do estado que se diz independente mas que baixa as defesas para ser violada pelos deputados da nação.

O povo não suporta mais ser quem paga a crise económica, social, ética e moral da nação. Incapazes funcionais não só não podem como não devem governar.

O povo não suporta mais uma democracia que não é Republicana mas uma mama de meia dúzia e suas famílias. Não é uma questão de paradigma, não. É uma questão de termos uma coisa pública digna e justa; o que não temos.

O povo quer uma Republica de Cabo Verde que seja seu, de todos os cabo-verdianos, não de meia dúzia de famílias ou do lobby político-partidário de algumas áreas localizadas do país. O povo está farto de viver com tostões, e ver quem os representar viver como se tivessem milhões – e por vezes assim é. O Governo não é nem foi nomeado para fazer negócios ou criar lobbies institucionais e familiares, não. O Governo foi eleito para governar, e bem.

O que fazer? Como fazer? – perguntar-me-á.

Será preciso uma nova revolução global – uma primavera popular global – para a humanidade recuperar os ganhos civilizacionais que, nos últimos séculos (com rastilho da Glorious Revolution e das revoluções americana e francesa), granjearam esperanças legítimas de construirmos uma humanidade justa e fraterna? Talvez seja necessário – e muito provavelmente será necessário – ou talvez não. Talvez não, se entendermos que o Mundo como um todo fraterno, se entendermos que a República não é de alguns mas de todos. Assim como os ricos estão condenados a ter os pobres à porta em busca de pão; assim a democracia opressora está condenada a cair sob a força da razão e da razão da força que o povo, também, tem quando é necessário. A balança da história tem de pender, ou para o bem necessário ou a revolução necessária.

Se calhar algumas sociedades, como a cabo-verdiana – pela sua natureza geomorfológica e social –, deveriam optar por uma democracia directa ao nível de cada ilha e/ou comunidade, e deixar poderes residuais de representação externa a um executivo sujeito a euthyna global anualmente.

Os magistrados, com função jurisdicional e obrigados a aplicar directamente as normas jurídicas internacionais no âmbito dos direitos humanos, seriam eleitos directamente pelo povo – de entre as pessoas com formação jurídica adequada e a quem a comunidade reconhecesse ius prudência para julga-la. Estes teriam mandato limitado e renovável (sujeito a limite de mandatos). Politico ou magistrado corrupto seria punido com pena de prisão equivalente a metade da sua idade biológica e com opção voluntária de expatriamento a 1/3 da pena.

O povo livrar-se-ia, assim, dos que não têm consciência do que é Justiça e brincam – sob uma Beca de impunidade das suas acções sem escrutínio democrático – com a vida e os direitos fundamentais dos cidadãos. Os juízes dos tribunais superiores seriam escolhidos, por mérito e ius prudencia dos mesmos, pelo executivo eleito e encabeçado por Presidente com mandato único e limitado.

Precisamos, mantendo os valores substanciais do Estado de Direito Democrático, de reinventar as formas governar a Polis – a cidade, a nação. E com incapazes, corruptos, traficantes de influências, lobbistas, nepotistas e quejandos é que não vamos lá. O povo poderia ser povo se fosse mais cidadão, mais fiscal do poder. Mas não é. Este é uma nota de hoje; vésperas de 10 de Dezembro de 2011. E tudo pode morrer hoje que, garanto-vos, haverá quem esteja a estripar o povo. Um dia dirá basta. E será, então, a guerra justa de que Tomás de Aquino e Hugo Grócio falavam. Um rotundo não à opressão, que pode ser democrática; quando a democracia é relativa, pragmática. Esta é inaceitável pois é de uma sociedade em que o homini lupus homini – voraz consumidor, segundo a lei da evolução natural de Darwin – não tem freios. Ai de ti, pobre. Ai de ti que sabes o que é coluna vertebral…


  • When God created the world he was hearing classical music…

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

[...]
O que pensava José
quando Maria disse-lhe que estava grávida
de Deus? 

[...]

O que pensava Napoleão,
quando da ilha de Elba descobriu
que Maria-Luiza era também um deserto?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

  • A AMIZADE IDEOLÓGICA NA WEB SOCIAL
Cresce por aí uma coisa nova, sim, nova. A culpa é do amor, de uma das formas de amor. Falo da Philos – da amizade; uma das quatro formas maiores de dizer Amor no grego: Eros (sexual), Philos (amizade), Storge (familiar), e Ágape (amor incondicional ou do tipo de Deus – como dizia S. João [João III.16]: "Deus amou o mundo de tal maneira que sacrificou o seu filho…"). Este tipo de amor também se encontra no plano político: há quem ame a ideologia do seu partido de tal forma que o coloque acima do país e de todas as outras formas de amor, em particular da phileos, da amizade. E mais: há quem chegue a matar por ele, pelo Partido. Não é, como se pensa, tão incomum.

Comum é a phileos, a amizade. Esta, a amizade ou a fraternidade, vê os defeitos do outro, percebe as suas fraquezas e as suas limitações; mas, no entanto, respeita-o. Entende que a diferença é da essência da humanidade; que ser igual no sentido naturalístico não existe, que é uma ficção justificadora da opressão da maioria e que degrada a força motriz da humanidade: a diferença.

Ser diferente do outro, discordar dele pelo seu pensamento ou acções divergentes, tem uma acção transformadora, no outro e em nós. Por vezes não somos capazes de perceber esta realidade; mas um dia, cedo ou tarde, todos acabam por perceber isso. René Cassin e Carl Schmidt eram grandes amigos, foram-no até a morte. E que diferença os separava na forma como viam o mundo… A diferença – um pouco como encontramos na macro física – deveria atrair as pessoas, para serem capazes de confrontar as suas certezas com as certezas do outro; e delas emergir a diferença da síntese que os humildes – só os sábios sabem ser humildes a saber – são capazes de percepcionar e entender.

Por essa razão, ao longo de anos, envio um abraço fraterno às pessoas que vou conhecendo à distância e trocamos opiniões e perspectivas de e sobre o mundo e tudo o que o conforma. (As circunstâncias da vida permitem uma maior ou menor aproximação mas nunca uma maior ou menor qualificação.) Mas, pela liberdade de pensamento que detenho e não abdico – assim como dos princípios de que não transijo – lá vou criando (i) inimigos ideológicos, (ii) de Síndroma de A Velha e (iii) por tendência de razão, além de, numa nova categoria, (iv) «não» amigos.

Quem são estes? – perguntar-me-á. São aqueles que, (i) na social web, deixam de ser «amigos» porque eles – ou os seus familiares, amigos, gatos ou papagaios – foram objectos de crítica justa e fundamentada; (ii) assim como os que, mesmo sendo figuras públicas e do Estado, para evitarem serem objectos de escrutínio e, logo, de crítica, são «não» amigos. (alguns excluem dos «amigos» até colegas de infância, de "banquim d’Escola", por, tão-somente, apoiarem um adversário politico nas eleições.) A final e entre estes, existe uma última categoria – e at last is last at all – que (iii), para não poder ser "fiscalizado" no que diz (e poder dizer as aberrações que quiser sem poder ser vista – torna-se invisível como a mulher de Reed Richards) bloqueia o cidadão que não é soldado ou militante digital do seu partido político de eleição e demais extensões.

Existem outros, piores ainda. Seres hediondos mas que se perdoa a maldade. (Que seres pequenos… odiar quem nunca viram – e que não pertence a sua cadeia alimentar –, por razões políticas. Tenho, por elas, profunda misericórdia pois não são capazes de saber o que fazem.) São aqueles (iv) que dizem: "deixa-o pôr os pés na terra que tratamos dele, e deixará de falar demais." E só por não aplaudir o seu messias no erro, e não me calar perante a injustiça e ao mal.

A phileos, a amizade ou fraternidade, é, assim, ideológica e condicional. É gente que mata a democracia e o amor; a fraternidade. Porquê? Porque não penso como eles; porque nunca pensei – nem penso – que bota é caviar, leite condensado ou pau de bater bolo natalício. Até familiares, e não poucos, colocam os interesses pessoais e políticos acima da phileos ("somos família, não podes escrever essas coisas sem antes falares comigo" – anotei, como se a razão, o erro ou o tort deixassem de o ser só por ser praticado por familiares…).

E o que escrevo não são nada mais do que isso: opiniões e perspectivas que que emergem dos valores que partilho e me identifico. Não são baluartes e bombas H de verbo, não. São um mero e simples exercício de liberdade. Não pretendo, com as minhas opiniões, fazer inimigos; pelo contrário, pretendo tão-somente ser cidadão e levar as pessoas a entender que o mundo da cidadania está fundado na liberdade, na igualdade e na fraternidade. E mais: que não devemos ficar calados perante o mal que se causa a um povo, à uma sociedade. Não importam as consequências, a boca do cidadão não deve ser a boca de Judas. Será isso algo tão difícil de entender?

  • PALABRAS DE SABIDURÍA
Sobre un átomo del mundo, no sobre el mundo, gravita el mundo -- António Porchia.


  • Da Aceleração da História ao Doutoramento Honoris Causa.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

  • HUMANA CONDITIO
El matador de almas no mata cien almas; mata una alma sola, cien veces -- António Porchia.

Imagen: Mujer en una ventana (talvez Ana María, hermana del pintor) -- Salvador Dali (1925)

  • QUOTIDIANAS PRADO ROSACRUZ

Dizia o colibri das pedras e dos sonhos,
Quotidianas Prado Rosacruz:
«Que fazer com a maldade?
É difícil não ser contaminado por ela.
Mas é possível, se tens a eternidade como aio.
A eternidade vê tudo.
Ela estende as suas mãos como o pó,
como o mar, como a beleza
do infortúnio.»
--- Virgílio Brandão

domingo, 4 de dezembro de 2011

  • SER DEPUTADO É...  
1. Ser deputado não é ser um cidadão melhor que o povo, que os demais cidadãos, não. É ser representante do povo. É exercer o poder do povo, em nome do povo e no interesse do povo.

O que deputado diz, não o deve dizer «porque acha que é assim», mas porque o povo que representa quer e deseja que diga; não o que pode ser ou acha que deve ser mas o que deve ser no interesse objectivo do povo. O deputado deve estar perto do povo, e ouvir o que este espera do seu mandato. Um deputado que não diz o que o povo espera dele, é um traidor. Traidor porque trai a confiança dos cidadãos que o elegeram. O seu mandato torna-se ilegítimo pelo exercício inadmissível do direito de representação. Em direito isso chama-se abuso de direito. E abusados, não o quer o povo ou a cidadania.

2. Ser deputado não é privilégio de génio ou grandeza, é privilégio de servidão cidadã. Ter competência e ser competente é o mínimo que se exige para o servidor público, seja a que nível for.

Assim, um deputado arrogante – como qualquer governante agente do Estado arrogante – é como quem morde a mão que o alimenta. Um cidadão indigno de representar os seus concidadãos. Identificar essas pessoas, e não votar no Partido em cujas listas concorrem ou militam, é, será, uma boa terapia.

3. Ser deputado não é licença para o cidadão eleito enriquecer-se à custa do erário público. É, sim, mandato para criar leis em nome do povo e em benefício do povo. É, sim, mandato para fiscalizar o Governo e a sua administração da coisa pública em prol do bem-estar de todos e de uma forma justa e equitativa. É, sim, mandato para ser porta representante do povo e não chulo do povo.

O deputado tem competências e poderes de fiscalização constitucionais que tem o dever de usar para fiscalizar politicamente a acção governativa. Se não os usa, é um inútil. E as coisas inúteis têm um lugar natural.

4. Ser deputado não é sinónimo de inteligência e de capacidade. É, tão-somente ser um repositório de poderes de soberania do povo. Muitos, se passassem pelo crivo da aferição das suas competências, nunca seriam eleitos por um eleitor esclarecido. Bastará lembrar que Heliogábalo nomeou Hiérocles (cujo único mérito era ter um pénis descomunal) cônsul e quis fazê-lo César; assim como Calígula nomeou Incitatus, o seu cavalo ibérico, como Senador da maior instituição herdada da República – o Senado, a Assembleia representativa do povo.

5. Ser deputado não é ter um estatuto de impunidade, de estar acima das leis e dos demais cidadãos. Ser deputado é ser a voz dos cidadãos, um representante dos anseios, dos sonhos, das esperanças e, acima de tudo, da fé no bem comum e de cada um dos cidadãos da República.

6. Ser deputado – que na verdade é estar deputado – não é carreira política ou profissional, de forma mediata ou imediata. E, muito menos, não é nem deve ser segurança de emprego para ninguém. É colocar-se à disposição e ao serviço da nação, e estar disponível para tal. A nação não pode ser uma part time lover.

Quem não vê na função de deputado como um serviço público prioritário não pode nem deve candidatar-se a tal. O exercício do mandato soberano não pode nem deve ser preterido por quaisquer outras funções, sejam públicas ou privadas (o mesmo juízo se aplica aos juízes). E quem o faz desconsidera quer a função quer quem o elegeu, i.e., o povo; e torna-se, por indignidade, um representante ilegítimo da nação. Pelo que deveriam perder o mandato todos os deputados que suspendem o mandato para trabalhar para outras entidades, nomeadamente privadas, dando maior valor e importância ao dinheiro que a representação do povo.

O mandato pode ser suspenso – sem que se perca o estatuto de deputado – desde que seja para exercer funções governamentais ou outras (não electivas) de relevante interesse nacional que não sejam incompatíveis com a função e a natureza da função de deputado.

Que se altere a lei. Só deve ser deputado quem almeje sê-lo de verdade, não quem quer uma segurança salarial e uma reforma certa no futuro. A República é coisa pública, mas não é da Joana!

7. Ser deputado não é ser carneiro sob o cajado dirigente das estruturas partidárias. O deputado não representa os partidos; o deputado representa a nação e é porta-voz da cidadania. Mas o deputado só é porta-voz legítimo da cidadania quando defende a integridade nacional, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e os valores fundamentais em que se funda a comunidade social, política e jurídica. O deputado só é verdadeiro deputado quando defende os valores da Constituição.

Um deputado que defende os interesses de Partido político em detrimento dos interesses do povo é como o deputado que defende os interesses de uma entidade privada ou pública em detrimento dos interesses do Estado, dos órgãos deste e da comunidade: É um corrupto. Sim, corrupto. E corrupto porque usa os meios do Estado – que estão e deveriam estar afectos ao serviço do povo e dos seus interesses – para fins partidários, de uma entidade estranha ao Estado. De 1975 a 1992 tudo era permitido neste plano, pois Estado e Partido Único PAICV eram uma única coisa (coisa pública e PAICV eram uma e a mesma coisa), mas depois de 1992, com o Estado de Direito Democrático, a situação jurídica do Estado mudou… mas os vícios de sistema (muitos importados, de cultura) continuaram.

O Estado não é de Partidos ou dos partidos. O Estado é uma República e democrático – isto é: É do povo, da cidadania. Assim, se a sociedade (?) se organiza em partidos políticos para concorrer às eleições – com legitimidade questionável, diga-se en passant – isso não transforma estes em agentes directores do Estado e da sociedade como era antes de 1992. O Directório partidário do Estado e da sociedade acabou formalmente com a emergência da Constituição de 1992 – de notar a reforma do Artº.4º. da Constituição semântica de 1981 – mas a sociedade e o Estado continua a ser gerida pelos partidos. No plano substancial e da praxis política, essência do Artº.4º. da Constituição de 1981 sobrevive.

8. Os deputados da nação não devem ser acéfalos, meros cordeiros partidários. Devem ser homens livres, o que a lógica de Partido raramente permite. Tivemos, no plano político, duas revoluções (com, pelo meio uma regressão Constitucional e política em 1975, com uma evolução formal em 1981, uma ruptura constitucional em 1992 e uma nova regressão constitucional em 2010) na continuidade. A de 1975 e a de 1991-1992. Mas esta é uma outra questão, para o leitor reflectir. A verdade é que desde 1933 que temos uma Assembleia Nacional… nunca nos conseguimos livrar desse nome da assembleia dos pater patriae da mater lusa. Isso tem uma explicação que vai para além da política. Será que toda a nação cabo-verdiana precisa de um sofá? Não creio, até porque eu sou, também, a nação. E não preciso… e isso é bastante. Mas os deputados – desde 1975 até hoje – precisam, sim.

9. Os deputados da nação não estão inocentes. São, também, culpados do estado do país. Os deputados são guardiões políticos do Governo – fiscalizam-no. E são, também, guardiões dos valores enformadores e conformadores da comunidade; e por isso – reitero – têm os poderes e as competências para criarem leis para a realização do bem-estar de todos. E quando não o são? Quando são eles a violarem os direitos fundamentais dos cidadãos, com a aprovação de leis iniquas ou não os fiscalizando e agindo (como a aberração legal de uma mãe não poder ter subsídio de doença se o filho/a tiver mais de seis meses)? Pior: revendo a Constituição – por decisão que interessava aos partidos e às suas famílias politicas internacionais mas não à nação – em prejuízo sério da integridade do Estado e dos valores que o enformam.

Os deputados fizeram uma revisão da Constituição que é, em grande parte, nula. Nula por, essencialmente mas não só, violar ostensivamente os limites materiais de revisão da Constituição. Um jurista de segundo ano de qualquer faculdade de Direito de qualquer país que saiba o que é Direito Constitucional sabe isso. Não deveria sabê-lo os legisladores da Assembleia Nacional e os respectivos assessores jurídicos? Deveriam. Mas então, porque a barracada de tal revisão constitucional? (Compreendo, neste plano, o facto de Aristides Lima declinar ser Juiz Conselheiro no Tribunal Constitucional pois é daqueles que tem plena consciência deste erro e do caos que esta matéria pode[rá] vir a criar na justiça constitucional e mais: da desconstrução que este facto representa para o Estado de Direito democrático como configurado na Constituição de 1992).

Que fazer com tais deputados? De certeza que os cidadãos sabem.

10. Estamos perante o que Luigi Ferrajoli chama de crise de direito e da razão jurídica e em que o atentado contra a Constituição e às liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos são «coisas» (no sentido jurídico) do quotidiano, «normais». E, em toda a parte, os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos – e os próprios cidadãos – são coisas, um novo exército de escravos de uma democracia bastarda e sem vigias capazes. E tudo isso leva à desumanização da pessoa humana. E a cobra que não tem asas pode, um dia, tornar-se num dragão.

Ser Deputado não é ser manhento. Até gato "tatanha" sabe que o leite não dura para sempre, pelo menos para todos.

sábado, 3 de dezembro de 2011

  • O MEU POETA
A fórmula da tranquilidade e da felicidade está, essencialmente, na cegueira -- disse-me Quotidianas Prado Rosacruz.

  • O MEU POETA E EU
    A boca do cidadão não deve ser a boca de Judas -- digo ao meu poeta
    .

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011


  • BERTRAND RUSSELL ON TOLERANCE, LOVE AND HATRED
In the later years of his life the British philosopher Lord Bertrand Russell – a pipe lover like me – was asked in an interview for the future:

Q. «What would you think it’s worth telling future generations about the life you’ve lived and the lessons you’ve learned from it?»

His reply was as follows:

A. «I should like to say two things: one intellectual and one moral.

The intellectual thing I should want to say is this: When you are studying any matter, or considering any philosophy, ask yourself only what are the facts and what is the truth that the facts bear out. Never let yourself be diverted either by what you wish to believe, or by what you think would have beneficent social effects if it were believed. But look only, and solely, at what are the facts. That is the intellectual thing that I should wish to say.

The moral thing I should wish to say... I should say love is wise, hatred is foolish. In this world which is getting more closely and closely interconnected we have to learn to tolerate each other, we have to learn to put up with the fact that some people say things that we don’t like. We can only live together in that way and if we are to live together and not die together we must learn a kind of charity and a kind of tolerance which is absolutely vital to the continuation of human life on this planet.»

Watch the video.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O MEU POETA

Não existem alternativas ao bem e ao que somos – digo ao meu poeta.

Imagem: O Veneno -- Vladimir Kush

  • A MULHER DO PRESIDENTE DA REPUBLICA E A ADVOCACIA
Parece coisa de lana-caprina, mas não é. Arnaldo Silva, Bastonário da OACV fala de uma incompatibilidade que pode emergir do facto de Lígia Fonseca, “esposa do Presidente da República”, exercer a actividade profissional forense. (Noto que, em rigor, não é esposa… é mulher do Presidente da República. Que mania essa, a da esposa!) Ora, sem mais: tem razão Arnaldo Silva, e tem razão não por tal incompatibilidade ser uma susceptibilidade – e muitos pensam que estamos perante uma lacuna normativa, mas não… – mas existir uma incompatibilidade patente entre a situação jurídica mulher de Jorge Carlos Fonseca, PR da República, e a de Advogada.

Sem me alongar muito. Esta questão tem três planos fundamentais: (1) ético, (2) jurídico e político e social (3). E, data vénia, parece-me que a situação é clara em ambos os planos de consideração deste facto num Estado de Direito democrático.

(1) A maioridade da democracia está – mais do que na ética normativa ou na separação de poderes mas – na sua dimensão axiológica. E é esta que conforma, em última ratio, a vida em sociedade, as situações jurídicas. Lembro o juízo dos magistrados romanos sobre a violação de Lucrécia por Tarquínio: não havia lei, é verdade, mas a natureza das coisas (a axiologia) impedia tal acção; ela ofendia a consciência cidadã. É dela que se retira o espírito das leis. E por isso nasceu a República Romana e a Lei das XII Tábuas, a primeira Constituição Republicana.

Existe uma ética democrática – plasmado num verdadeiro costume constitucional – que impede as «Primeira Damas» dos países democráticos de exercerem uma actividade remunerada. Em Cabo Verde existe um costume segundo esta ética democrática matricial e que deve ser considerada ao se analisar esta situação. Expressa, na verdade, uma dimensão valorativa. Neste plano, é evidente que a mulher do Presidente da República não deve exercer uma actividade remunerada que colida ou seja conexa – directa ou indirectamente – com a actividade do marido. Em particular no âmbito de um Órgão de Soberania como é a actividade forense e de lobbying. Existe uma incompatibilidade ex natura, não somente ética mas prática que tem relevância jurídica e sociais relevantes.

(2) No plano jurídico, e sem ir mais longe pois outros afazeres demandam a minha presença, ressalta um facto: A Dra. Lígia Fonseca é casada com o Presidente da República – ou o contrário, para outra perspectiva –, o que torna todos os bens auferidos quer por um quer por outro propriedade comum do casal (a remuneração dele e os honorários dela entram na comunhão do casal – excepto se fossem casados no regime de separação de bens).

A remuneração de Jorge Carlos Fonseca e de Lígia Fonseca têm – como é consabido por todos os que devem saber – a natureza jurídica de «direito de propriedade comum do casal». Ao receberam o valor fruto do seu labor, este não é de um ou de outro, é de ambos. Incorpora-se no património da sociedade conjugal de Jorge Carlos Fonseca e de Lígia Fonseca. Poder-se-á dizer, assim, que com a actividade forense da mulher o Presidente da República auferiria honorários. O que autoriza um sem número de especulações – que se fazem noutros quadrantes do planeta, nomeadamente em África – que Jorge Carlos Fonseca não merece nem deve ser sujeito. (E sabemos bem como e o que é a boca d’povo.)

Não é, pois, matéria de lana-caprina; pelo contrário: é de relevância extrema, como se pode ver. Assim, quando alguém a remunera a Advogada Lígia Fonseca está, indirectamente, a contribuir para o aumento do património do Presidente da República Jorge Carlos Fonseca. Se a mesma aumentar a sua actividade, por méritos profissionais e laborais, não faltará quem venha a com a acusação de «africanização» do poder, de tráfico de influências, de corrupção e outras indignidades que se deve evitar.

Nestes aspectos, v.g., a condição de mulher do Presidente da República é, manifestamente, incompatível com a actividade forense numa sociedade como a cabo-verdiana. Aliás – e sabendo que a mulher do Presidente da República é, por natureza e como o mesmo reconhece, um dos seus conselheiros – fácil é verificar que os conflitos de interesses seriam recorrentes. (e tal pode, inclusive, comprometer a imagem de isenção da Presidência da República) caso a Dra. Lígia Fonseca decida continuar a sua actividade profissional em termos normais. Tenho de dizer, como o Imperador marco Aurélio disse a Faustina a Bela – sua mulher – e a Lucilla Augusta, sua filha casada com o co-Imperador Lúcio Vero: «A mulher do Presidente da República não basta ser séria; tem, também, de parecer que o é». É um juízo ético, condicionador da acção social e profissional da mulher do Presidente da República.

(3) Ao ouvir alguns dizerem – como Germano Almeida, ex-Conselheiro de Estado – que «nunca ninguém se lembrou de criar o estatuto da Primeira Dama…», tenho de sorrir livremente. Basta atentarmos na história cabo-verdiana – e portuguesa, já agora… – e do Constitucionalismo [ao nível da matriz] para percebermos as razões e fundamentos de tal estatuto e da sua existência. (Quem foi que disse que as normas jurídicas têm de estar todas escritas no papel e que têm de emanar da Assembleia Nacional? Quem? Sabemos.)

A demais, o Presidente da República sempre foi visto como o primeiro homem político, e um bonnus pater familias – o provedor da família. Daí a natureza jurídica de «património comum do casal» da remuneração do Presidente da República e do Pedreiro, do Professor e da Advogada, do Polícia e do Soldador, do Estivador e da Jogadora de Basquete, do Consultor e da Ministra, do Fiscal de finanças e do Electricista, do Juiz e da Dona de casa, da Rabidante e do Deputado, da Esforçada nacional que ganha 12 contos por mês e do Reformado do Estado Consultor do Banco Mundial, do Embaixador e da Doente Evacuada para o estrageiro, do Ministro e da e da Vendedeira de peixe, da Engenheira e do Barman, da Arquitecta e do desempregado…etc., etc., malagueta que é tudo uma beleza! E no plano político a mulher do Presidente é vista – feminismos a parte – como elo de equilíbrio político-social da imagem do Presidente da República: o «Presidente junto das pessoas», de forma mediata, através da mulher. Antes de o ser já era dito, caso para dizer.

Ser mulher do Presidente da República não é uma função menor; não. Pelo contrário… é uma função política a outro nível, de lobbying social. Poderoso, talvez até excessivamente poderoso, num mundo em que a imagem tem peso político por si mesma e que realidade se constrói, na verdade, na intimidade (pelo menos começa nela).

A dissolução externa do papel social da mulher pela mulher do Presidente da República não, bem analisada, um bem para a nação. As mulheres dos chefes de Estado de referência sempre compreenderam isso. Temos o exemplo de Eleanor Roosevelt – que se dedicou aos Direitos Humanos e tornou-se uma referência na história da defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana no Século XX; falando de exemplo que nos é estranho no plano da ética política. Mais próximo estará Maria Barroso que fez um extraordinário trabalho de lobby social e político (por vezes subterrâneo) na sociedade portuguesa, nomeadamente com a criação da Plataforma das ONG’s – que, sendo inicialmente uma organização não-governamental não reconhecida, acabaria por ter um papel fundamental no movimento cívico institucional, e no próprio modelo institucional das ONG’s em Portugal, ao ser reconhecida em letra de lei não somente a sua existência institucional mas, também, como matriz constitucional das demais.

Se atentarmos na história das ONG’s – e do seu núcleo essencial – na segunda metade dos anos oitenta, veremos a influência de Maria Barroso Soares e perceberemos a «cidadania» de, v.g., Fernando Nobre e a génese da sua recente candidatura presidencial. A mulher do Presidente da República é muito mais do que eram e foram as figuras aparentemente decorativas de, v.g., Soraya Bakthiari (a princesa do silêncio), Jacqueline Kennedy ou, hoje, Carla Bruni.

Em Cabo Verde, Adélcia Pires teve um papel relevante na defesa da infância – talvez as circunstâncias não a tenham ajudado a universalizar a sua acção social a todo o país, mas é de assinalar. Esteve, na verdade, mais próxima do cidadão do que o próprio Pedro Pires que, enquanto Presidente da República, refugiou-se no Palácio do Plateau.

Entendo a dificuldade, particular, diga-se, da mulher do Presidente da República desligar-se da sua actividade profissional, mas é chamada a algo maior, que exige sacrifícios – o Presidente da República sacrifica, ele mesmo, outras coisas para exercer a função de rosto da República. Lígia Fonseca sabia ao que vinha. Ela sabia, ao apoiar a candidatura do marido, que teria de enfrentar esta situação. Situação que não é inédita… mas a solução é simples e imperativa no plano profissional. Os danos colaterais são ultrapassáveis. No demais… Deus! O país precisa de quem se lance na defesa de quem precisa de ser defendida: as pessoas mais vulneráveis; dos mais pobres aos injustiçados, passando pelos meninos de rua, os órfãos, as mulheres maltratadas, o ambiente desprotegido, a cidadania refém, as artes e os artistas, a juventude… há tanto que curar, e a precisar de um Patrono, de um mecenas, de um Defensor do Povo que pode em estar na Presidência da República, ali mesmo, ao lado do Presidente.

Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos para ter acção relevante em prol da nação. Espero que Lígia Fonseca perceba que não é a coisa patética que chamam de «primeira-dama» – como o damo da Sopeirinha –, não. Espero que entenda que a sua função é, ex natura, a de mulher do Presidente da República, o seu companheiro, o seu adjutor; o primeiro de todos os seus conselheiros. Se isso de ser mulher – e ser marido – já não significa o que é… então vou mesmo é morrer solteiro.

Mas como isso não é coisa de lana caprina, a mulher do Presidente da República, com o conselho deste – as coisas, aqui, invertem-se –, saberá o que fazer, e isso é tão óbvio que dispensa ou dispensava qualquer pronunciamento publico de um dos vigias da democracia. E, neste ponto, anoto um facto agradável: o Bastonário Arnaldo Silva prestou, com a sua opinião (que não coumungo na totalidade, como referido supra) um serviço público e muito relevante à nação. O meu aplauso público. Grato. Mas como gostaria de ouvi-lo falar assim de outras coisas… que afligem a nação. De falar e de agir.