quinta-feira, 30 de abril de 2009

  • ESTADOS UNIDOS, ISRAEL E OS CRIMES DE GUERRA
De atentar. Barack Obama admite que membros da Administração Bush possam vir a ser perseguidos judicialmente por crimes de guerra, nomeadamente a tortura (como autores morais – mandantes, como se diz em terras de Vera Cruz). Mas evita politizar a questão, pois tem (terá) consciência de que abrir este dossier é abrir uma caixa de Pandora – fomentando e despertando demónios e ódios anti-americanos no Mundo, em particular no islâmico, para além de poder vir a fragmentar a sociedade norte-americana. Resta saber o que irá fazer o departamento de Justiça norte-americana, nomeadamente Eric Holder, o Procurador Geral; é que, ao contrário do que pensam algumas pessoas da terra da morabeza e da pátria do Grande Zarolho, o Rule of Law existe, e não se “subordina ao poder político” (este pensamento é típico de mentalidades autoritárias, com propensão à ditadura e ao autoritarismo). O Rule of Law pode é ser ou não usada por quem tem o poder de a usar (bem ou mal) ou não; o que é coisa diferente.

Na Noruega há quem ache que deve ser usado e, recorrendo ao princípio da jurisdição universal sobre os crimes de guerra e contra a humanidade que existe no país – prova bastante de um desenvolvimento civilizacional que acolhe a ideia de humanidade como uma unidade –, resolveram que Ehud Olmert (ex-Primeiro Ministro), Tzipi Livni (ex-Ministra dos Negócios Estrangieros), Ehud Barak (ex-Ministro da Defesa) e outros membros da cúpula política isralita deverão ser perseguidos e acusados de crimes de guerra na Faixa de Gaza, na Palestina. Os Advogados de algumas vítimas civis da Faixa de Gaza e a viver actualmente na Noruega, irão avançar com o processo judicial competente, podendo ser ou não secundados pela Procuradoria Geral norueguesa. Pedirão a emissão de mandatos de captura internacional e a extradição dessas sumidades políticas israelitas para serem julgadas.

Claro que tal nunca irá acontecer, pois Israel nunca extraditará um cidadão isrelita para este ser julgado por qualquer nação do planeta, e muito menos entregará um cidadão seu ao TPI. Entretanto, em Relatório emergente de investigação interna, o exército de Israel já fez saber que os seus soldados cumpriram com as regras sobre o direito da guerra vigentes no conflito como os palestinianos na Faixa de Gaza, e que tem sido o Hamas a utilizar pessoas civis como escudos humanos contra o exército israelita e a aquartelar-se em escolas e outras instalações civis para os atacar. Esperemos para ver o que se seguirá.

Os argumentos de que os agentes da CIA cumpriram ordens, logo não devem ser punidos (usado por Obama) por torturarm presos em Abu Braib e Guantanamo, ou que os soldados cumpriram as leis da guerra… em Gaza (usado pelo exército de Israel), não fazem sentido. Como se bombardear instalações civis e matar não beligerantes não fossem acções proibidas pelas Convenções de Genebra sobre o Direito da Guerra; como se torturar presos não fosse, também, proibido pelo direito internacional vigente. Esperemos para ver o que dirá o Relatório da ONU que está a fazer uma investigação autónoma aos acontecimentos – desconfia-se que ambas as partes beligerantes terão violado as regras do Direito Internacional da Guerra e do Direito Internacional Humanitário.

Chegando a ONU à conclusão de que, efectivamente, se cometeram crimes de guerra em Gaza (de um lado e/ou do outro lado) o Procurador Luis Moreno Ocampo usará a mesma medida que o TPI usou para o Presidente do Sudão? Emitirá mandatos de captura internacional contra o líder do Hamas e contra os dirigentes israelitas? Não creio! Um desgraçado qualquer pagará pelo mal… pois foi além das ordens, para além do Direito. O mais certo é o Relatório da ONU chegar à conclusão de que aconteceu nada. Em Gaza ninguém violou os direitos humanos, e as leis da Guerra foram respeitadas por um conjunto de gentlemans palestinianos e israelitas armados até aos dentes e que, por acidente, mataram civis nas suas casas, nas escolas, nos hospitais...

Anoto que o argumento de que os agentes da CIA cumpriram ordens há muito que não faz sentido como causa de exclusão da ilicitude ou de desculpação pelo mal causado (e Barack Obama, sendo jurista e formado numa escola com tradição de excelência, deve[ria] saber isso). Já fora assim quando os magistrados decidiram expulsar TarquÍnio de Roma (na sequência do affair Lucrécia), foi assim nos Tribunais de Nuremberga e de Tóquio, e tem sido assim, v.g., no Tribunal Penal Internacional para o Rwanda e o Burundi. Mas as regras parecem estar destinadas mais a uns do que a outros. São questões de atentar.

Imagem: Barack Obama na Sala Oval da Casa Branca

  • LEMBRANDO O GENOCÍDIO DO RUANDA
Abril esvai-se nas horas. Passam cerca de 20 (vinte) anos sobre o início do genocídio no Ruanda. O programa Bridges with Africa (que aconselho) da Radio Netherlands Worlwide produziu um programa especial sobre o genocídio ruandês que merece ser escutado – testemunhos na primeira pessoa, de ódio, justificação, perdão e da condição humana. A verdadeira reconciliação é possível? Talvez. Para ouvir e atentar – fica aqui o podcast. É que nem tudo o tempo levou. De algum modo Deus, o amor e o bom senso ainda residem algures a Sul.

Imagem: Representação da molécula Zip

quarta-feira, 29 de abril de 2009

  • SICUT ERA IN PRINCIPIO
Escutei do menino do Atlântico
depois de sete vezes três anos de amor
e sete vezes sete – como diz o logos:

«Estou em guerra com o meu criador,
pungido pela Estrela de Alva
– descobri a fenda-segredo dos seus sonhos.

Ah! De amor matarei a tua solidão
com o mosto sangrado das auroras rubras,
e o tempo não será meras horas vãs.

A brisa marinha, se te tocar, sou eu
desde os corredores cinzentos, léxicos,
a negra penugem que te formou em mim.»

As pessoas estão primeiro... – dizem eles.

terça-feira, 28 de abril de 2009

  • ORQUESTRA NACIONAL CABO-VERDIANA
Umas tímidas gotas de chuva lembrou-me a minha terra, e uma ideia: ter-se, dentro de 5 anos, uma Orquestra Nacional Cabo-verdiana. Não, não é do Manuel Veiga, Ministro da Cultura, não. É de Isaura Gomes, Presidente do Município de S. Vicente – como quem tem o dever de pensar a cultura do país não pensa, pensa ela; por ela e por todos. Muito bem! Pedras no charco, nem que seja à moda de Júlio Verne ou de Leibnitz.

Mas será que a Presidente Isaura Gomes tem a ideia do que é uma orquestra nacional, e do que implica uma estrutura dessa natureza? Estou certo que sim. Confesso que apreio gente que pensa grande, que se atreve a ir onde os demais não colocam o escabelo do pensamento; pena é ser somente em algumas coisas: Cabo Verde tem sido pensado olhando-se pelo lado errado do binóculo. Mas neste particular da música (há que manter o povo alegre, cantando e louvando os deuses, pois claro!) aplaudo a ideia da Orquestra Nacional – que é bem mais difícil de concretizar do que levar a ELECTRA a cumprir com o seu dever de levar electricidade a todos os cantos do país; de Ulisses Correia conseguir fazer da Praia uma cidade tão limpa como Singapura, e os políticos passarem a pensar nas necessidades do povo (salário mínimo, mais emprego, mais segurança, ensino superior de qualidade, estruturas de saúde adequadas, justiça mais célere, igualdade social) e não no oriente da Joana.

A Orquestra Metropolitana de Lisboa (de natureza Municipal), por exemplo, é uma autêntica sociedade das nações, e tem financiamento do Município de Lisboa, de vários ministérios governamentais, de privados e fundos próprios… mas vive, tem vivido ao longo dos anos, com inúmeros problemas; nomeadamente no recrutamento de membros para a orquestra. E Portugal tem 11.000.000 (onze milhões) de habitantes, muitos maestros e concertistas consagrados, escolas e mais escolas de música, conservatórias... etc. Nós… para acompanhar a Cesária Évora (quando despontou no horizonte, e passaram a atentar na sua voz) houve a guerra surda de egos que se sabe, e que levou a que um grupo excepcional de músicos não convivesse durante muito tempo. A cultura é necessária, sim. Mas há cultura que não é democrática. Para se ter uma ideia: um primeiro violino da Orquestra Metropolitana de Lisboa ganha, por mês, mais do que o Primeiro Ministro de Cabo Verde.

Uma orquestra nacional? Sim, venha ela. Se se conseguir músicos bastantes e suficientes para honrar o nome. Uma Orquestra Nacional – lembro-me da de Berlin dirigida por Herbert von Karajan – não é um conjunto de músicos a tocar Cosi fan Tute, O Messias ou Va Pensiero, não. Mas uma orquestra que produzisse grandes obras com base na nossa cultura musical, seria uma coisa bela de se ver, sim. Mas será que temos lençóis para esticar os nossos pés musicais? Sinceramente, não creio. Mas quero crer! Assim, com reticências de Jonas e fé de Job, fico à espera, para ver se a ideia da Presidente Isaura Gomes não é somente emoção do momento ou mera marcação de paternidade de ideia.

Imagem: Apresentação de Kenny Ruiz para La historia del soldado, de Igor Stravinski, estreiada nestes dias em Leganés (Madrid).

Sarkosy e Zapatero

  • SARKO E ZAP
– Bela mulher, a tua ó Sarko!
– Ah, sim! Onde está ela!? onde está ela?...
– Ali homem, ali. Não fugirá…
– Ah, pois… se todos tiverem fatos coçados como o teu, Ó Zap, estou tranquilo.
– Não fales do meu fato, petit Sarko!
– Não me chames petit, ó comuna regenerado!
– Ah, isso não! Fato coçado, ainda admito… mas isso…
– Oh! Esquece isso. Somos irmãos europeus, não? Anda lá, falemos do terrorismo...
– Sim, isso sim...
– E da imigração, Zap, da imigração…
– Da imigração?
– Sim, da imigração. O que se passa contigo, Zap? Não te lembras de nada. Começaram a usar a molécula Zip em ti?
– O quê?
– Ah, não importa! O que digo, Zap, é que depois dos terroristas, vamos, agora, dar cabo dos imigrantes.
– Sim, Sarko…
– O teu sorriso parece meio pateta, Zap...
– Não… é que as mulheres do meu governo são capazes de ter uma perspectiva mais cuidadosa, humanista.
– Ah, essas podem ir dar uma volta com a minha mulher enquanto decidimos as coisas.
– Não pode ser eu, Sarko?
– Tu o quê, Zap?
– A ir dar uma volta com a tua mulher enquanto…
– Ah!... Usas fatos Channel, Zap?
– Eu!? Não…
– Então, não dá. Elas que cuidam dos vestidos e dos perfumes, e nós da crise económica, do terrorismo e da imigração. Está bem, Zap?
– Bem…
– Eu já comecei a dar um jeito nos atlantes…
– Ah sim, Sarko?… Como é que foi Sarko?
– Não está ninguém a escutar-nos, pois não Zap?...

Emily Scott
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  • PROVÉRBIOS DO INFERNO

«Uma só idéia impregna a imensidão», William Blake, «Provérbios do Inferno (36)», in O Casamento do Céu e do Inferno

segunda-feira, 27 de abril de 2009

  • HUMPTY-DUMPTY
Leva-me à porta este,
pois mesmo o mundo mais belo termina
não em sonhos mas em pó e cinzas.


Imagem: Vestígios dos etruscos

  • CEGUEIRA COLECTIVA

Tudo o que Mahmud Ahmadineyad diz é anátema para o ocidente. Até dizer o que toda a gente sabe: Israel é um Estado fundado em princípios racistas. Facto histórico; basta ler-se a Tora para se chegar à essa conclusão. E ainda continua a seu assim. Aliás, a ideia de eugenia racial aparece com os povos de Israel, Judã e Samaria. Hoje, mercê de um Mundo bem mais global e perto, demasiado perto, não nos apercebemos dessa dimensão cultural do povo judeu (que sustentou a sua hegemonia cultural e financeira na diáspora judaica na europeia), mas ela existe.

Não aprecio o radicalismo do governante iraniano, mas seria de atentar no que diz: virar as costas não é nem nunca foi solução para o diálogo – este é profícuo no confronto, definha no silêncio. E quem foge, sabe do que foge. Como diz o povo, o pior cego é o que não quer ver. Eu, direi mais: é uma cegueira colectiva que, qual doença do universo de Saramago, nos querem passar como vírus de irracionalidade. Eu cá, por enquanto, vou pensando.

Imagem: Mahmud Ahmadineyad, Presidente do Irão na Conferência Mundial sobre Discriminação Racial

  • A ILHA
– Quem és? – pergunta o Sol – no azul brilhante
Que o céu, mesmo distante, cede ao mar.
Por que persistes tanto em ser gigante?
És menos que o meu brilho, a refractar.

– Sou ilha. Esse meu verde exuberante
Faz aves, por aqui, virem pousar.
Meu lar, acolhedor, traz navegante
Que a areia, um só instante, quer beijar.

– Se atreves a afirmar que não és só?
Tuas matas e terras, não são vãs?
No mar, lembra-te ilhota, és vil, és pó.

– Não feito tu, estrela das manhãs,
De quem a solidão provoca dó:
Tu vens, e vão dormir tuas irmãs.
---- Bernardo Trancoso

domingo, 26 de abril de 2009

  • DEPOJOS DE LIBERDADE E CAÇOBODYS

1. Acordo a ouvir Liu Fang e Enka (música japonesa da era Meiji, emergente dos despojos da era Tukugawa) de Godai Natsuko, Teresa Teng e Fuyumi Sakamoto que partilharei com alguns amigos. Ontem, 25 de Abril, fiz anos e tive uma prenda: uma monumental dor de cabeça. É justo: entrei no Mundo a gritar, com uma palmada no rabo, e empurrado pelo grogue.

2. Um passarinho soprou-me ao ouvido – e a outros atentos – que um membro do Governo e um ilustre Advogado da Kapital foram vítimas de caçobody às portas do Bar Garage. Será que isso irá ajudar as gentes que governam o burgo praiense e a nação berdiana a pensar mais na segurança, na necessidade de haver mais e melhor policiamento, mais e melhor iluminação e, acima de tudo, uma política criminal que seja verdadeiramente preventiva? Não creio, mas a natureza humana é assim mesma: quando nos toca à porta o inforúnio, grita-se: daqui d´El Rey. No caso, o rey vai nu – depojado de haveres na noite escura. Há coisas que tocam a todos. Shadows and dust – diriam os estoicos…

3. Carlos Veiga voltou ao MPD! – diz-se. Ilusão: Carlos Veiga nunca saiu do MPD. É o momento do MPD deixar de ter uma liderança bi-céfala, do partido ventoínha matar (ou não) o pai e/ou as lideranças deixarem de ter uma tutela sombra na figura do ex-Primeiro Ministro. Os militantes do partido serão capazes disso? Jorge Santos, acredita que sim – que pode vencer Carlos Veiga. A JPD, cautelosa, não joga – nem em cartas viciadas. E faz bem, faz bem – juventude prudente… coisa rara, verdadeiramente rara.

Isaura Gomes, que já não tem em Carlos Veiga o seu candidato tem (segundo as suas palavras de 08.04.2009) o caminho aberto para se candidatar às Presidenciais de 2011. Ou não? Se Jorge Santos conseguir manter a liderança do MPD – coisa que poucos acreditam que venha a acontecer, mas que não é nenhuma impossibilidade... –, não perdoará Isaura Gomes que deverá alinhar ao lado de Carlos Veiga e tentar sobreviver ao terrromoto político para cujo ninho segue voando alegre e contente. Sim, estará ao lado do regressado D. Sebastião, pois não tem perfil para, como o Miguel Monteiro, ficar na indecisão – no vamos ver no que isto dá: é demasiado ciente da sua propagandeada e propalada irreverência para não tomar partido... do aparentemente óbvio.

Neste momento Jorge Santos sentir-se-á, naturalmente, traído. E tem mais do que razões para isso; mas não deveria: o que acontece hoje era mais do que previsível há muito, muito tempo. A política é uma ciência, e as ciências têm uma considerável dimensão de previsibilidade. Um líder não vale somente pelas suas qualidades técnicas e pessoais, mas também por quem tem ao seu lado, por quem o aconselha, o ajuda a prever e a construir o futuro. Se Jorge Santos pensa a volta de Carlos Veiga é um caçobody ao seu MPD, deveria ter-se prevenido. O líder do MPD não é ingénuo. Não pode ser; e sei que não é. A pólvora, ao contrário do que pensam alguns iluminados, não se descobre – a pólvora, hoje, faz-se; e usa-se para se construir caminhos, mesmo entre montanhas.

4. Fez-se dois túneis para ligar Porto Novo/Janela. Obra louvável, necessária; não é tarde, porque para realizar-se coisas boas nunca é tarde. Agora, que os túneis (com duas vias) são estreitos, lá isso são! Temos de pensar no futuro, não ter ambições estreitas, pensar pequeno e imaginar que construímos o maior dos Mundos possíveis. O tunél precisava de um Marquês de Pombal cabo-vediano para o pensar e atrever-se a construi-lo; não para o útil hoje, mas para as gerações futuras.

5. Desta janela: os pássaros cantam, picam-se… e namoram. Afinal, como diz Robert Hayden, estão «encarnando o seu sonho da coisa necessária e bela».

Imagem: El venado herido, Frida Khalo

MURAL DA AVENIDA LENOX

Harlem:
Que acontece a um sonho adiado?
Será que seca
como ao sol uva que mirra?
Ou encrosta como ferida –
Donde depois o pus espirra?

Será que fede como carne em mau estado?
Ou endurece com açúcar por cima –
Como um xarope melado?

Talvez só dê de si
Como peso que incomode.

Ou será que explode?
---- Langston Hughes, 1951

Imagem: Detalhe de Assuero, Haman e Esther - Rembrandt

sábado, 25 de abril de 2009

À princesa do norte
  • OS SENHORES DE ABRIL
Abril ainda não se cumpriu.

Sair à rua nua,
– sentir as penas do povo.

Ouvir o queixume adulto
– sentir as penas do povo.

Falar com o povo silencioso,
– sentir as penas do povo.

Atentar na revolução que espera
– sentir as penas do povo.

Vender kilos de oca esperança,
– sentir as penas do povo,
e voltar cedo aos palácios de fastio
sem viver as penas do povo.

Abril ainda não se cumpriu
para o povo, não!

À minha amiga Maria de Barros, sempre solidária

  • TROCAR A ARTE DO VATICANO POR COMIDA PARA ÁFRICA?

«Haverá sempre pobres no meio de Vós» – disse Jesus Cristo (João, XII. 8). Mas isso não é uma uma fatalidade, não; é um desafio à nossa dimensão humana, solidariedade e engenho para debelar esta afronta que que a humanidade sofre desde que se conhece. Existem boas ideias para acabar com a fome e a pobreza extremas (pois é possível!), outras, nem tanto. Uma destas ideias, é trocar-se arte por comida. Sim, beleza por pão.

Trocar as riquezas do Vaticano por alimentos para os mais pobres – uma ideia que alguns resolveram repristinar. Sim, repristinar… pois esta ideia não é nova, de todo que não. No livro The Shoes of the Fisherman de Morris West, v.g., ela emerge e é concretizada. O que posso dizer, agora, de repente, é que a ideia, a ser concretizada, tornaria o Mundo mais pobre (não só de pão vive o homem, mas de arte, de beleza…) e não resolveria o problema da fome no Mundo. O problema é estrutural, e demanda mais que um punhado de dólares ou de euros para comprar pão. Se assim fosse, os bilhões de dólares em ajuda humanitária e ao desenvolvimento aos países pobres tinham sido instrumentos idóneos a acabar com a fome e a pobreza extremas em África e no Mundo em geral.

Dar comida às pessoas só para matar a fome nunca foi a solução para estas deixarem de ter fome no futuro… A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e outras organizações internacionais, por exemplo, sempre ajudaram Cabo Verde com ajuda alimentar, mas essa comida, em regra, sempre foi vendida. Porquê? – perguntar-me-á.

Há muitas razões, e não importam agora. Mas há uns anos atrás, no âmbito de um programa de ajuda alimentar em que estava engajado, falei com o então representante da FAO em Lisboa e, naturalmente, acabamos por falar de Cabo Verde (que não era o objecto da nossa conversa, mas sim países então em situação de catástrofe humanitária) e sobre o trabalho da instituição em prol do país, e o que me disse na altura foi que a ONU sabia que os alimentos não eram distribuídos gratuitamente a população mas sim vendidos. A FAO, disse-me ele, «fechava os olhos» a isso pois sabia que a política do país de vender esses alimentos a preços controlados e, depois, usar esse dinheiro para outros programas exigidos pela fragilidade económica do país, era uma boa política – no plano social e económico. Esse tipo de política continua, ainda hoje, com a ajuda alimentar internacional ao país – que tenderá, naturalmente, a desaparecer, em particular da União Europeia, pois assim demanda o Princípio da Solidadaridade (os governantes dos países pobres deveriam atentar neste princípio…) que se aplica não somente ao nível interno mas também externo.

Quem não se lembrará de ver, publicado em Liberal on line, um anúncio de Concurso Público para a venda de «frango enlatado» doado pelo Goveno italiano? E de, como anunciado há poucas semanas no Jornal da Noite, um governo europeu ter doado alimentos ao país? Estes alimentos, certamente, ajudarão na luta contra a pobreza, e permitirão aumentar o valor nutricional das crianças nas escolas no âmbito do programa escolar de alimentação, da aldeia SOS criança, das mães solteiras, e das viúvas sem rendimentos próprios.

Tenho a certeza (pois os empresários nacionais são generosos) que as grandes empresas nacionais adquiriram esses alimentos e os doaram às escolas e às ONG´s que ajudam directamente as populações mais frágeis, partilhando, assim, o seu bem-estar com os mais desfavorecidos e demonstrando a sua responsabilidade social que, num país como Cabo Verde, é de natureza acrescida e tem a natureza de dever. E, do ponto de vista empresarial, não perderão nada pois podem (e devem) fazer isso no âmbito do Mecenato Social. Se há dinheiro, para promover festivais… de Bahia das Gatas a Gamboa, passando por Santa Maria e eventos como o de Tito Paris e a Orquestra Metropolitana de Lisboa no Mindelo e na Praia, também haverá para o engajamento social dos privados na luta contra a pobreza. «Nem só de pão viverá o homem»… é verdade; mas também de pão.

Vender as obras de arte e outros artefactos, que são memória da humanidade, para comprar pão pode parecer uma boa ideia, mas é uma falácia, um produto de mentes ociosas, e mais uma forma de afrontar a Igreja Católica (por vezes merece, para despertar do marasmo). Não é, certamente, nenhuma preocupação sincera com as pessoas que morrem de fome no Mundo. Posso estar sinceramente errado; mas se assim for, gostaria de saber quantas dessas pessoas contribuem com o seu dinheiro, o seu património, o seu esforço social de forma sustentada… para acabar com a fome, o sofrimento e a injustiça no Mundo. Bastaria prescindirem do valor de uma refeição por semana para e no final do mês, por exemplo, terem dinheiro bastante para alimentar uma criança no Bangladesh, na Etiópia ou no Sudão durante bastante meses. Mas, se lhes perguntarem se o fazem… aí, como diz o povo, «a porca torce o rabo». É fácil exigir dos outros, não a nós mesmos.

«Só tem importância o que é eterno» – diz uma inscrição à entrada da Capela Sistina, no Vaticano. E nada existe de mais importante na existência que o homem, mas o homem não é só o que come; o homem é também o que lhe alimenta o espírito e a alma. E poucas coisas fazem isso como a arte. E imagino as obras de Rafael, Miguel Ângelo, a memória da Etrúria, do Egipto, do produto do helenismo… a arte romana, as obras originais de Eusébio de Cesarea, Anselmo de Aosta, Tomás de Aquino, Escoto Erigena, Dionisios Aeropagita ou os originais das obras de Origenes, Tertulianos e outros autores declarados heréticos por Gelásio I… (de valor incalculável e inestimavel) nas salas e colecções privadas dos ricos deste Mundo ou mudando-se para o Louvre, o Reina Sofia, o Metropolitan of New York e outros museus opulentos.

Muitos tornar-se-iam obras perdidas, como muitas são consideradas hoje, mas que estão na coleções privadas de famílias ricas, do ocidente ao oriente, ou em zonas esquecidas de arquivos públicos, privados e de museus. Se se vendesse as obras do Vaticano para comprar alimentos para os pobres de África (já agora: todos os pobres deste Mundo), estar-se-ia a cometer o maior genocídio cultural da história, e dar-se-ia corpo a maior tragédia cultural da humanidade depois do incêndio da Biblioteca de Alexandria, e pior, do ponto de vista da dimensão, do que as tragédias culturais emergentes da horrenda Inquisição e da infame Noite de Cristal.

A ideia de que o Vaticano e a Santa Sé (duas realidades jurídicas, substancialmente diferentes, e que tem consequências no plano do Direito Internacional Público ao falar-se desta questão de alienação de património da Igreja Católica) são alheias ao sofrimento dos mais pobres é, além de errada, injusta. A Santa Sé tem razão numa coisa: os bens culturais – que têm uma dimensão espiritual – que se encontram no Vaticano são res communis humanitas, isto é, património comum da humanidade, logo, insusceptíveis de serem vendidos, pois são bens fora do comércio. São isso mesmo, do ponto de vista material e moral, mas bom seria que o Vaticano tratasse desta questão no plano formal. Mas quem colocou esta questão, não atentou nesta dimensão do problema – o que não me surpreende.

Lembro que Gelásio I (por exemplo, porque de África se fala), o terceiro Papa africano a ser considerado Vigário de Cristo, recorria aos fundos do Vaticano para alimentar os pobres. Por isso, reza a história, morreu pobre, despojado de bens terrenos. Mas, convenhamos, no Mundo de hoje e como sempre, só se pode ajudar quem não tem tendo meios. Deixemos a Santa Sé e a Igreja Católica sem fundos, e iremos ver quem irá alimentar e educar grande parte da população mais pobre e fragilizada do Mundo. Os que gritam: Vende! Vende! Vende! E os que os apoiam, acriticamente? Certamente que não!

Mas este discurso não é docta ignorantia, como diria Nicolau de Cusa; nem santa ignorância, como diz o povo, é algo pior: falta de consciência da realidade, uma vontade acintosa de afrontar a Igreja e de fragilizá-la no Mundo. Não digo mais, mas a verdade é que a Igreja tem servido como elemento de resistência cultural e é uma reserva moral na desonsideração da vida e no choque de civilizações que o Mundo enfrenta há muito. O ataque chega, agora, de dentro, e procura ferir não os fundamentos da razão mas os meios materiais de a sustentar. É uma técnica arcana.

Eu até que me sinto confortável nesta posição de defesa da Igreja Católica, pois sendo, naturalmente, católico (no sentido etimológico da palavra grega), não sou católico apostólico romano: sou cristão, da ala protestante – e, por isso, muitos pensariam que tenho ou teria razões para aderir a esta ideia; mas não. O Mundo precisa de uma solidariedade global, não de encontrar ovelhas ou cordeiros espiatórios dos pecados colectivos da humanidade – a soma de todos e cada um de nós. Eu, sinto-me culpado pelo mal de todos os que sofrem. Sim, sinto-me culpado porque não faço tudo o que poderia e deveria fazer.

Imagem: Harpista egípcio

sexta-feira, 24 de abril de 2009

  • Imagem: The laundress (1889), Toulouse Lautrec

  • O LUGAR NATURAL DO AMOR

O meu poeta – que diz ter encontrado Melquisedeque, Yudhisthira e Enoch a passearem no Monte Cara – confiou-me uma previsão lida da mão do Mundo pelos sábios-pios.

Os amantes de Deus Sobre a Terra, fecundam a terra – é consabido.

«Que os teus passos te tragam, um dia, ao meu caminho para alimentar os meus dias de bem, e iluminar as raias do meu ser» – é um desejo de todos os que amam, ó berço de gozo. Mas porque não chegamos ao caminho do outro que esperámos para nos tornarmos na tua seara fecunda, no teu cesto e regaço transbordante? Temos medo do não, é verdade…

Que o mundo seja o nosso lugar natural! Se a terra tende para a terra, a água para os rios, os ribeiros e os oceanos, os pássaros para o céu atmosférico, as super novas para o firmamento, a anima para Shamayim e a fantasia, teus filhos, para terra-longe – porque o teu amor não pende para mim? É coisa que todos, nós que temos o belo, pensam…sempre que enfrentamos o amor rubicundo, tectónico – esse sonho de mar ausente. Mas o lugar natural do amor, já sabiam os antigos – quando nos nomearam prosopon – é o altar da iris, a janela da alma, não a pessoa. O lugar natural desta é a acção continua da hora, o desempenho iniciado pelas batidas de Moliere que começa com afogamento, espanto e grito de te deixar aos bocados de prazer.

Assim, musa da hora nocturna, bahia de ebánicas Dianas, entendo porque o lugar natural do teu amor não é pessoa – mas a iris da hora. O que não está certo… é contrário à natureza das
coisas. Assim – diz-me o meu poeta – escutei o Amante de Deus Sobre a Terra, e decidiu: «corrigirei a natureza». Então retirou a iris a todos as pessoas sobre a menos terra da terra, e passaram a ver e a fazer tudo com o coração e não com os olhos e as mãos. Assim, de acordo com a lei natural corrigida, o lugar natural do seu amor tenderia para a sua pessoa – pensava. Mas o seu amor, olhando para o seu coração, sorriu, deu-lhe uma flor da sua terra escura – um amor-de-um dia – e seguiu de mãos dadas com a simplicidade: trocou os lençóis de algodão puro e de cetim pelo testemunho do braço de Mar adoptado pelo amanhã. O Amante de Deus Sobre a Terra, sangrando na hora, devolveu os olhos aos homens e tornou-se um ribeiro secreto no Monte Cara a manar para o oceano.

Yudhisthira, Melquisedeque e Enoch, diz-me o meu poeta, foram visitá-lo; mas já não estava lá – foi secado pelo deserto crescente, pela fome de verde e de vapor d´Sul, pela solidão… por não ter lugar natural. Nunca fora rio, somente o Amante de Deus Sobre a Terra; e não tinha para onde ir, era ponto e Porto Grande de chegada e este não recebeu o seu lugar natural.

O meu poeta, o meu poeta… por vezes é cego, como Yudhisthira, Melquisedeque e Enoch no Monte Cara. Porque não levantaram os olhos para os céus, para onde manou em essência o Amante de Deus Sobre a Terra? Lá, onde o sonho é plano e é asas de lágrimas, vê-lo-iam a alimentar o amor da sua amante, a que seguiu um outro destino. Deverá estar, em Top d´coroa ou na Serra Malagueta ou no Pico de Antónia.

Imagem: Prohibited Book, Luiz Royo

  • AS ROSAS DE HELIOGABALUS

Agora que nas pétalas de rosa naufraguei
e a harpa rompe os dias das asas purpurinas,
tenho todas as penitências do mundo,
todos os remorços de Eloah sobre mim
– não sou Amon, sou o outro filho de David
padecendo do mesmo mal: a rosa de Sharon.

Agora, que o plano dos criadores fende a hora,
estou sentado à mesa de Heliogabalus
– são três horas da manhã, o vinho é de Creta,
os capões de Cápua, as ninfas do meu berço,
a água da Cantabria, o beijo sonho-de-ti
antes de cair o tecto de aromas-tuas sobre mim.

E sou, todos os dias, celebrado e assentado
entre os deuses que passaram pelo Eliseu de tudo
ao me lembrar de nós, ali, nas almofadas imperiais.
Publicado em:
Liberal

Imagem: Prohibited book II, Luis Royo

  • VOZES DE ATENTAR…

«Living things obey all the laws of chemistry and physics, including the second law of thermodynamics, which states that the amount of entropy (disorder) in the universe is always increasing. The consumption of energy is the only way to create order in the face of entropy. Life doesn’t violate the second law; living things capture energy in a variety of forms, use it to create internal order, and then transfer energy back to the environment as heat. An increase in organization within a cell is coupled with a greater increase in disorder outside the cell», Lawrence Hunter, «Molecular Biology for Computer Scientists» in Artificial Intelligence and Molecular Biology, (edited by Lawrence Hunter), s/d, p. 17

Imagem: William Blake

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS
Conjugial Love, Emmanuel Swedenborg
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Imagem: Amor profano, Ticiano

quinta-feira, 23 de abril de 2009

  • A MARCA DOS DIAS

Começo o meu dia a ouvir um sermão de Derek Prince, um dos melhores pregadores que já escutei – um visionário do entendimento do logos divino. Escuto Forever Young de Joan Baez – como se o para sempre e o eterno existissem, como se não fossem tão somente analogias do coração do Monte Cara. Escrevo o meu poema diário:

DESPERTAR ANIBÁLICO

Diz ao meu poeta um dos filhos:
– «Não fosse a beleza,
e Aníbal teria dado um mundo crioulo ao Mundo.»

Por isso há em mim uma incompleude
– sou o guerrerio e tu… Cápua.

Oh! Agarra-me pela mão, tira-me daqui,
leva-me para o meu destino verdadeiro,
leva-me para o mundo do meu filho distante.

O dia nasceu com o aroma do calor nas mãos. Diz-me que será belissímo. Só posso rir, do dia. Ainda tem no corpo a frescura, mas irá consumir-se nas horas – como todas as coisas, belas ou não. O que importará, no fim, serão as marcas que deixar. Que sejam belas, belas e puras como as águas das nascentes, o amor que a mãe nutre pela vida que transporta.

Imagem: La Spagliata, Leonardo da Vinci

«Women is a wonderfull mistery», Derek Prince
Imagem: Emily Scott

quarta-feira, 22 de abril de 2009

  • VOZES DE ATENTAR…
«Não desprezes a serpente por não ter cornos, pois não sabes se um dia não se tornará num dragão», in Water Margin, Shi Nai An

  • A FAÇANHA DE ESTRELAR UM OVO E A LÓGICA DA MULHER NECESSÁRIA E BURRA
Homens há, dizem, que nem um ovo sabem estrelar; e mulheres também – digo eu. Cozinhar é uma forma de poética amorosa, basta ler A Festa de Babete de Isak Dinesen (Karen Blixen) ou ver o extraordinário filme com o mesmo nome para se ter uma dimensão aproximada desta realidade. Mas existe uma dimensão, menos poética e mais terrena da comida, do alimento necessário; ah, sim!

– «Aprendam a cozinhar, pois podem ter o azar de um dia se casarem com uma mulher que não saiba fazer nada» – disse-nos um dia, a mim e ao meu irmão, a minha Mãe.

Assim, aprendemos a cozinhar. Mas não é que Ela tinha razão?... Sim, o meu irmão casou-se… com uma mulher que não sabia nada de cozinha. Nem estrelar um ovo! Isso mesmo: nem estrelar um ovo. Mas o problema ficou (mais ou menos) resolvido: ela foi à casa da sogra fazer um estágio de cozinha para aprender a cozinhar com ela e a cunhada – esta uma cozinheira compulsiva e apaixonada pela arte de fazer coisas boas. Coitado do meu irmão… ela aprendeu a cozinhar as iguairas que ele gosta(va) mas não apreendeu a sua realidade, não atentou na essência do que é cozinhar. Assim, o que aprendeu em casa materna foi-lhe bastante útil. Ah, pois!

Mas não foi ele que me disse, um dia:

– Dji, no dia que me casar… não casarei com uma mulher que seja nem muito bonita nem muito inteligente.
– Porquê, Naice? – perguntei-lhe, meio espantado, pois não é isso que um homem mais deseja: uma mulher bonita para alimentar-lhe os sentidos, capaz de fazer-lhe esquecer todas as demais, e suficientemente inteligente para ser um desafio à alma, de ensinar-lhe coisas que a condição masculina deixa naturalmente escapar?
– Bem, sabes como é… – hesitou um pouco.
– Eu? Não sei, não… – volvi, intrigado, para logo acrescentar: – Mas vais me dizer.

E surpreendeu-me, surpreendeu-me com uma lógica de caserna, mas eficiente e profético:

– Bem, Dji, se casar com uma mulher muito bonita, ela será constantemente assediada por uma multidão de homens que andarão atrás dela. E, se porventura cair em tentação e me enganar; será inteligente o bastante para evitar que eu nunca venha a descobrir.

Fiquei com a alma parva! Compreendi as suas razões, mas não podia concordar com elas, com nada de nada das suas razões. Mas a verdade é que devemos ter cuidado com o que pedimos a Deus – pois Ele pode conceder o que deseja o nosso coração. Sim, isso mesmo aconteceu aos israelitas quando pediram um Rei – e Deus deu-lhes Saúl; pois é, Saúl. E não é que o meu irmão casou-se com uma mulher à perfeita imagem e semelhança do que queria, do que me disse?

Só os feios dizem que beleza interior é que importa – digo eu, e o meu poeta concorda. É finito, efémero, mas conta no rosário dos olhos. Na verdade, uma mulher precisa de ter três qualidades fundamentais – uma degrada-se, as outras não. Pela ordem de importância: (a) um bom coração; (b) inteligência e (c) beleza. Esta última é como a juventude – uma espécie de gripe formal e cronológico que o tempo cura. O resto, bem… o resto que na verdade é tudo, permanece para lá da forma – pois é a substância, a mater do que somos. A mulher necessária e burra é uma utopia da segurança que, por vezes, aprende a estrelar um ovo. E não me chameis machista, não. O mesmo juízo se aplica(rá) aos homens, mutatis mutandis – pois nunca vi um homem belo.

Agora, para quem não sabe fritar um ovo, ensino como se faz – como eu gosto.
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Agarre duas fatias de pão de Mafra ou tipo caseiro, barre-os com pasta de alho, coloque no meio delas umas ervas aromáticas ao seu gosto (casadas uma com a outra, para o aroma das ervas entranhar-se no pão), e coloque-os no forno por cinco minutos (pode ser no micro ondas, mas não tanto tempo).

Quando estiverem prontos, não tostados, retira-os e coloque-os num prato. Então, coloque a frigideira no fogão, com um pouco de azeite de oliveira; e quando este estiver quente o bastante (não demasiado), parta dois ovos – de preferência ovos caseiros – na frigideira, tendo o cuidado de colocar um pouco do azeite sobre a gema, acrescentado uns grãos de sal grosso. Não os deixe ficar muito tempo na frigideira, senão estragará as gemas… ficarão demasiado cozidas, e perderão a cor de por-do sol, fundamental num bom ovo estrelado. É que o ovo estrelado, quando fica com a cor de hímem fora de prazo… perde parte substancial do seu sabor.

Retirando-os da frigideira, com uma espátula de cozinha, coloque-os directamente em cima das fatias de pão espugadas da erva aromática. Coma-os, acompanhado de um queijinho fresco com sal e pimenta, e uma taça de vinho branco fresco (se for de manhã, poderá ser por um sumo de maça ou de laranja natural – ou até um café aromático: um Etiópia ou de Santo Antão – se tiver a sorte de o encontrar). Verá que é uma espécie de ovo estrelado-poema. É um bom pequeno-almoço, para se tomar ainda na cama.

Imagem: Ovo cru, aberto. Quando for colocado na frigideira deverá ser tratado com carinho, para ficar com essa forma (a que se vê na imagem) na frigideira e dela sair íntegra. É que os olhos, também se alimentam.

  • PRIMA PRESENÇA
Beija-me, a tua ausência…
Todos os dias, quando a tarde descansa
e na recôndita torre de Dânae prima tudo
e te fatiga dos versos que me assaltam de ti
na hora do universo advento de sins
para calar o Sol de azul –
esse que te alimenta os sonhos na forja
que molda tijolos feitos das cinzas
que coloquei no altar-teu, renunciando
a todas as formas para ser não eu mas tu.

Beija-me, a tua ausência…
Pois sabe, como o pronúncio sabe, e gera
o nome que teremos no dia em que morrer,
no dia em em chegarás comigo pela mão,
dizendo-me mais do que o teu pneuma,
zoe planar, fecundo como o jardim da aurora,
distinto até da causa de todas as coisas.
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Imagem: Até as cabras e os bodes sonham com terra-corpo-longe

terça-feira, 21 de abril de 2009

  • PRIMERA LEY DEL DEBATE
No discuta nunca con un tonto. Puede ser que la gente no aprecie la diferencia.

Imagem: Emily Scott

  • VOZES DE ATENTAR...
Aforismo de Emily Dickinson:

«El éxito es considerado lo más Dulce por quienes nunca lo tuvieron»

Imagem: Júlio César deificado

segunda-feira, 20 de abril de 2009

CANTO PRIMEIRO

1
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

20
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em concílio glorioso
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu formoso,
Vêm pela Via-Láctea juntamente,
Convocados da parte do Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.

43
Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o céu tinha por amigo:
Sereno o ar, e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo.
O promontório Prasso já passavam,
Na costa de Etiópia, nome antigo,
Quando o mar descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.

71
Tamanho o ódio foi, e a má vontade,
Que aos estrangeiros súbito tomou,
Sabendo ser sequazes da verdade,
Que o Filho de David nos ensinou.
ó segredos daquela Eternidade,
A quem juízo algum nunca alcançou!
Que nunca falte um pérfido inimigo
Aqueles de quem foste tanto amigo!

106
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
--- Luiz Vaz de Camões, Os Lusíadas, I.1-3, 20, 43, 71, 106

Imagem: Jovem mãe africana

ELOGIO DA DIALECTICA

A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante. Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar!
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
Falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De nós.
De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".
Bertolt Brecht

  • PROVÉRBIOS DO INFERNO
«Se seguisse conselhos da raposa, o leão seria astuto», William Blake, «Provérbios do Inferno (63)», in O Casamento do Céu e do Inferno

  • VOZES DE ATENTAR
"Querer es poca cosa; es necesario desear ardientemente algo para conseguirlo", Ovídio

Imagem: Jarah Mariano

  • O NÃO ESTADO DO TIBETE E AS OMISSÕES DO DALAI LAMA
Tenho um profundo respeito por Tenzyn Tyastko, o Dalai Lama, em particular pela profundidade e densidade espiritual do seu pensamento. Essa sua dimensão congrega simpatias, e uma empatia quase unânime, mas não é bastante – não deve ser – para alienar a razão e a compreensão objectiva da realidade. Mas por vezes – na maioria dos casos, ao que se tem visto – isso acontece, e as multidões, sem saberem, alimentam um conflito resolvido no plano em que o colocam: do ponto de vista do Direito Internacional; ao mesmo tempo tentam abrir (e isso não é, não pode ser inocente) uma outra esfera de conflito.

Aplaudo Tenzyn Tyastko quando escreve pérolas preciosas como estas:

«Eu acredito que apesar dos rápidos avanços feitos pela civilização neste século, a causa mais próxima de nosso dilema actual é a nossa ênfase excessiva no desenvolvimento material. Nós nos tornamos tão absortos em sua perseguição que, mesmo sem saber, negligenciamos o desenvolvimento das necessidades humanas mais básicas de amor, da bondade, da cooperação e do afecto. Se não conhecemos alguém ou não nos sentimos conectados a um indivíduo ou grupo particular, nós simplesmente os ignoramos. Mas o desenvolvimento da sociedade humana é completamente baseado nas pessoas que se ajudam. Uma vez que perdemos a essência da nossa humanidade, ficamos destinados a perseguir somente o desenvolvimento material.

Para mim, está claro: um verdadeiro sentimento de responsabilidade só pode se originar se desenvolvermos a compaixão. Somente um sentimento espontâneo de empatia pelos outros pode realmente nos motivar para agirmos em favor dos seus interesses», in Dalai Lama, Ensinamentos: A Medicina do Altruísmo.

Agora, tenho muitas dúvidas e reservas sobre as suas posições políticas – pois, na verdade, o Governo tibetano no exílio é uma afronta à República Popular da China como Estado. Alimentar isso, também. Além de que o que se faz é alimentar um movimento de autodeterminação do Tibete que nunca foi reclamada – basta ver-se a história do Tibete para sabermos isso –, muito menos por Tenzin Gyatso (e tem razões – muitas, para nunca o ter feito). O que o Dalai Lama reclama é o mesmo que reclamam todos todos os opositores silenciosos ao regime político chinés: mais liberdade individual. Mas o “Governo do Tibete no Exílio» reclama mais do que a Autonomia Política e Administrativa da região do Tibete: reclama a (re)instauração do sistema feudal tibetano, com base numa estrutura religiosa (que, se bem analisada nas suas consequências, também viola direitos fundamentais da pessoa humana) que um Estado ateu não pode aceitar.

E, em verdade, o que acontece no Tibete – o “genocídio cultural”, como diz o Dalai Lama, não é, nem de perto nem de longe, o problema maior dos direitos humanos na China. Tenzin Gyatso, enquanto cidadão chinés (pois não existe e nunca existiu, ponto de vista do Direito Internacional, um Estado do Tibete), tem noção disso – daí que seja sempre reservado ao se posicionar sobre estas questões.

O Dalai Lama tem consciência que é um peão para os interesses ocidentais nas suas relações com a China. E a China, por uma questão de soberania – e até de manutenção da unidade do país e dos povos da China – nunca aceitará dialogar com Tenzin Gyatso que, como disse, é cidadão chinés; tanto como Wen Jiabao ou Yu Zhengsheng.

E, como estamos sob a égide da Revisão da Constituição de Cabo Verde e à talhe de foice, fica-se a a saber que Tenzin Gyatso (14º. Dalai Lama do Tibete), enquanto cidadão chinés, fez parte da Assembleia Constituinte (1ª. Assembléia Nacional Popular… assim se chamou!) que aprovou a Constituição da República Popular da China e, sendo então nomeado um dos vice-Presidentes do Comité Permanente da Assembleia. Estava-se em 1954, e o Partido Comunista Chinês sob a direcção de Mao Tse Tung. Dois anos depois, em 1956, Tenzin Gyatso aceitou o cargo de Presidente do Comité Provisório para a instalação e organização da Região Autónoma do Tibete.

É a tentativa de nacionalista tibetanos de restaurar o regime feudal e teocrático vigente até 1951 que viria a causar os conflitos de 1959 e o subsequente exílio do Dalai Lama na India. Mas, então, o Tibete era uma região autónoma da China. Do ponto de vista do Direito Internacional, a situação do Tibete é clara – o que não é clara são as razões que alimentam uma relidade inexistente e que só pode ter como objectivo quebrar a unidade do Estado chinés.

E, deste ponto de vista, o Dalai Lama peca pela omissão de não esclarecer de forma clara e inequivoca que a sua luta não é uma luta pela independência do Tibete mas sim pelo respeito pela integridade cultural do povo Tibetano. Nisto, não haverá quem não possa estar com ele. Eu estou. Não estou, nem nunca estarei, é com um silêncio que provoca a discórdia, o mal entendido, a dor desnecessária e, fatalmente, a violência.

Parafraseando o Dalai Lama, direi que a minha empatia pelo povo tibetano motiva-me a agir em favor dos seus interesses legítimos, mas mais ainda: dos seus direitos fundamentais, e tais não serão, certamente, a ideia de haver um Estado ou um enclave de lógica feudal e teocrática neste tempo, no século XXI – seja na China ou onde for. E estou a vontade para dizer isso, pois sou um deísta e um defensor dos direitos humanos – e dos direitos humanos dos cidadãos, não dos interesses instalados, ainda que historicamente sustentados por dados culturais.

A questão do Tibete merece ser vista sem paixão inclinada – merece uma razão objectiva –, e estamos longe de uma solução que a China, no âmbito do Direito Internacional vigente, possa ou deva aceitar. O que as pessoas que andam por aí em manifestações não sabem (?) é que o diálogo entre o Dalai Lama e a China seria, no plano político, catastrófico para o Estado chinês e para os povos da China. Seria, na verdade, a abertura da caixa de Pandora.

Imagem: Tenzin Gyatso (14º. Dalai Lama do Tibete)

domingo, 19 de abril de 2009

  • NADA É IMPOSSIVEL DE MUDAR
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
--- Bertolt Brecht


Imagem: Crianças refugiadas

  • VOZES DE ATENTAR…
«Camões ressurgiu em pleno meio-dia do romantismo do século XIX, não porque escrevera Os Lusíadas, mas porque padecera duns amores funestíssimos», Camilo Castelo Branco

Imagem: Dark Labyrinth, Luís Royo

  • O VATICANO, OS BELGAS E OS PRESERVATIVOS DA UNIÃO EUROPEIA EM ÁFRICA
A Secretaria de Estado do Vaticano, na sequência de um Protesto Diplomático do Reino de Belgica, emitiu o Comunicado que edito aqui em Terra-Longe. Gostaria, um dia destes, de ver o Estado belga penitenciar-se pelos 20.000.000 (vinte milhões) de congoleses que matou durante o período colonial. É que a su preocupação com os africanos é pungente, demasiado pungente para se poder crer nela – quando se penitenciar publicamente pelos seus males levarei a sério os seus protestos contra Benedictus XVI e as suas declarações; protestos equívocos, diga-se de passagem.

Mas percebo, entendo que o Parlamento e o Governo belgas, a braços com uma profunda crise política, tenha de fazer e dizer algumas coisas para entreter o povo, mostrar que está atento ao Mundo e que tem, ainda, uma palavra dizer no concerto das nações, que ainda tem uma espécie de responsabilidade moral para com África e os africanos. Mas isso, também, é um equívoco da história.

Benedictus XVI tem razão: o preservativo (que deve ser usado), não é a única forma de lutar contra o HIV/SIDA, existem outras formas de lutar contra isso e o plano da responsabilidade individual – da pessoa para consigo mesmo, e para com o seu parceiro sexual – é fundamental para se resgatar a dimensão espiritual da sexualidade. A ideia de que o preservativo resolve tudo é um passaporte para se postergar a fidelidade (para quem consegue ser fiel a um único parceiro) e se degradar outros aspectos da doença – nomeadamente as conexas com ela que não são protegidas pelo uso do preservativo, como as hepatites ou a sifilis – como uma forma de protecção.

Se todos os homens e todas as mulheres fossem fiéis ou se vissem a sexualidade como algo mais do que prazer carnal, se as pessoas que transmitem a doença por via não sexual (v.g. seringas e outros intrumentos infectados) fossem mais conscientes e responsáveis, a doença poderia ser erradicada ainda nesta geração. Mas isso não acontece, e como não acontece o melhor é usar-se o preservativo; mas melhor ainda, em verdade, seria se entedessemos a mensagem do Papa Benedictus XVI e o seu sentido humanista e espiritual da sexualidade.

Mas como as pessoas são cristãs somente de nomem, e não conhecem o pensamento da Igreja… é normal que tenham essas atitudes reactivas e inadequadas. Lembro-me de, há alguns anos (nos meados dos anos oitenta, e andava a tentar convencer-me a voltar a estudar), o meu amigo Rahil Samsser Khan, então Pastor evangélico, me dizer algo que recordo ainda hoje:

– «No dia em começar a andar com um preservativo no bolso, tenho o meu casameno destruído.»

Dizia isso porque amava e respeitava a mulher. Não precisava de ter preservativos no bolso, pois não iria usá-los. É esta dimensão de sacralidade, de responsabilidade e humanização da sexualidade que o Papa fala(va); e é algo de universal, transversal ao discurso cristão e de outros povos de matrizes culturais divergentes, não é um discurso beato, não. Almejar a isso é desejar um ser humano melhor, mais capaz, mais responsável. Espero que o Rahil ainda pense da mesma forma; eu chegarei lá; um dia.

Ah! Mas porque é o que Governo belga não se preocupa com o problema do tamanho, e a qualidade da lubrificação e do látex dos preservativos na União Europeia e que seguem para África? É que os preservativos de qualidade, com alto nível ou grau de segurança, não seguem para África, não. São vendidos nas farmácias a preços insustentáveis para a maioria das pessoas na Europa, quanto mais em África. Os preservativos correntes secam depressa, rebentam, são pequenos e, por vezes, perdem-se no interior do oriente. Nessas alturas, o preservativo não serve de nada. Isso, sim… é coisa que o Governo belga, todos os governos, deveriam se preocupar ao fabricarem preservativos para África, os africanos e os cidadãos do sub-continete indiano.

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COMUNICADO DE LA SECRETARÍA DE ESTADO

CIUDAD DEL VATICANO, 17 ABR 2009 (VIS).- Sigue el comunicado emitido a primera hora de la tarde por la Secretaría de Estado:

"El embajador del reino de Bélgica, siguiendo las instrucciones del Ministro de Exteriores, ha comunicado al arzobispo secretario para las Relaciones con los Estados la resolución con que el parlamento de su país pide al gobierno belga que "condene las declaraciones inaceptables del Papa con motivo de su viaje a África y que eleve una protesta oficial ante la Santa Sede". El encuentro tuvo lugar el 15 de abril.

La Secretaría de Estado toma acto, con disgusto, de ese paso, extraño en las relaciones diplomáticas entre la Santa Sede y el reino de Bélgica. Deplora que una asamblea parlamentaria haya considerado oportuno criticar al Santo Padre basándose en un fragmento de entrevista desgajado y aislado del contexto, que ha sido utilizado por algunos grupos con claro intento de intimidación, casi como para disuadir al Papa de expresarse sobre algunos temas, cuya relevancia moral es obvia, y de enseñar la doctrina de la Iglesia.

Como es sabido, el Santo Padre respondiendo a una pregunta sobre la eficacia y el carácter realista de la posición de la Iglesia en materia de la lucha al SIDA, declaró que la solución había que buscarla en dos direcciones: por una parte la humanización de la sexualidad y por otra, en la amistad y la disponibilidad auténticas hacia las personas afectadas, subrayando además el compromiso de la Iglesia en los dos ámbitos. Sin esa dimensión moral y educativa no se ganará la batalla contra el SIDA.

Mientras en algunos países de Europa se desencadenaba una campaña sin precedentes de los medios de comunicación sobre el valor dominante, por no decir exclusivo, del profiláctico en la lucha contra el SIDA, es de consuelo constatar que las consideraciones de orden moral efectuadas por el Santo Padre han sido entendidas y apreciadas, en particular por los africanos y por los verdaderos amigos de África, además de por algunos miembros de la comunidad científica. Una reciente declaración de la Conferencia Episcopal Regional de África Occidental (CERAO) dice. "Agradecemos el mensaje de esperanza que (el Santo Padre) vino a confiarnos en Camerún y Angola. Vino a animarnos a vivir unidos, reconciliados en la justicia y la paz para que la Iglesia en África sea ella misma llama ardiente de esperanza para la vida de todo el continente. Y le damos las gracias por haber replanteado a todos, con delicadeza, claridad y agudeza, la enseñanza común de la iglesia en materia de pastoral de los enfermos de SIDA". SS/... /... VIS 090417 (440) http://www.vatican.va/
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Imagem: Mulher africana, trabalhando

sábado, 18 de abril de 2009

Nem só de pão viverá o homem… Jesus Cristo

  • ON THE SALE BY AUCTION OF KEATS’ LOVE LETTERS
These are the letters which Endymion wrote
To one he loved in secret, and apart.
And now the brawlers of the auction mart
Bargain and bid for each poor blotted note,

Ay! for each separate pulse of passion quote
The merchant’s price. I think they love not art
Who break the crystal of a poet’s heart
That small and sickly eyes may glare and gloat.

Is it not said that many years ago,
In a far Eastern town, some soldiers ran
With torches through the midnight, and began

To wrangle for mean raiment, and to throw
Dice for the garments of a wretched man,
Not knowing the God’s wonder, or His woe?
---- Oscar Wilde

  • Imagem: Maria Madalena, El Greco

  • HUMANA CONDITIO

"Quelle forme faut-il prendre pour exprimer parfois son opinion sur les choses de ce monde, sans risque de passer, plus tard, pour un imbécile?" Flaubert, Lettre à George Sand

sexta-feira, 17 de abril de 2009

The Swing - Fragonard

  • AS MUITAS FACES DE AMILCAR CABRAL
Chove. Tenho de sair e apanhar chuva. Mas Abril é assim. Eu nasci em Abril. A revolução foi em Abril, e trouxe esperança... mas é sempre águas mil. Será porque Abril, ainda, não se cumpriu? A chuva lembrou-me Cabral, Amílcar Cabral. Fica, em foto, momentos da sua vida - a mesma vida que deu para que a minha terra seca e amada fosse independente, livre e pensasse no futuro pela cabeça dos seus filhos e das suas filhas.

«Jurei a mim mesmo que dedicaria a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia da minha morte, ao serviço do meu povo, da Guiné e de Cabo Verde. Servir a humanidade, dar a minha contribuição, na medida do possível, para que a vida do homem venha a melhorar no Mundo. Esta é a tarefa que me impus», Amílcar Cabral

Imagem: Amilcar Cabral em diversas ocasiões

  • A UTILIDADE QUASE MARGINAL DO BLACKOUT
A ELECTRA, em definitivo, resolveu fazer escola em Lisboa e esta fez mais uma perninha por aqui. Depois de, durante o dia, a Sonaecom ter entrado em colpaso e empresas como a Optimus, Clix e a Brisa (deu direito a uma borlas nas autoestradas… de carros, de carros) terem entrado em colapso, seguiu-se a EDP que reolveu, também, pregar uma partidinha aos cidadãos – na minha zona caiu a luz, parece uma noite da Kapital do meu berço.

Aproveito esta desgraça (não há Lusíadas por perto) para ler poesia a luz de velas – de uma vela negra em forma de anjo, uma vela belíssima... custa-me vê-la arder, mas um dia deveria ter o seu destino de vela, que seja hoje, dando corpo ao verbo de alguns dos meus poetas negros. Podia ser outra vela, sine nobilitate; mas esta merece este destino.
.
Ah, escute comigo um pouco da nossa história étnica-poética-política-social na voz da sofrida negritude afro-americana.

«Bom é Deus, sincero e terno, não duvido.
[…]
Espanta-me, contudo, esta coisa interessante:
Que faça um poeta negro, e que ele lhe peça que cante!» (Countee Cullen, 1925).

«Poema para o retratro de um jovem africano a maneira de Gauguin

Todos os batuques das selvas me latejam no sangue.
E todas as luas selvagens e quentes das selvas me brilham na alma.
Tenho medo desta civilização –
Tão dura,
Tão forte,
Tão fria.» (Langston Hughes, 1965)

«Aqui na margem do inferno
Fica Harlem –
Recordando as velhas mentiras,
Os velhos pontapés nas costas,
O velho, tenham paciência,
Que eles dantes nos diziam» (Langton Hughes, 1951).

«Pelas ténues regiões donde os meus pais vieram
Meu espírito, escravizado pelo corpo, anseia» (Claude MacKay, 1922).

«Chegai-vos a mim sonhos desiludidos
trazei-me a glória das almas sem fruto.
Encontrarei um lugar para elas nos meus jardins» (Conrad Kent Rivers, 1968).

Chegou a luz, e lia a Sinfonia Negra de Melvin Tolson:

[…]

VI – TEMPO DI MARCIA

Dos abismos do Analfabetismo,
Pelos labirintos da Mentira,
Atravessando as vastidões da Doença…
Nós avançamos!

Dos becos-sem-saída da Pobreza,
Pelos desertos da Superstição,
Atravessando as barricadas do Racismo…
Nós avançamos!

Com os povos do Mundo…
Nós avançamos!» (Melvin B. Tolson, 1944).


E o meu anjo negro, um Serafin – pois tem uma lira nas mãos – ficou sem cabeça… consumido pelo fogo. Acendi um cigarro negro nas suas chamas, e fumei-o a janela, ouvindo Tudo Fadiga Dja Caba de Solange Cesarovna. A minha alma, agora, está consumida por Frederick Douglass, um belíssimo poema de Robert Hayden. Vou fazer de conta que não há luz, acender a minha vela-anjo-negro e atentar nesta coisa necessária e bela da alma.

Imagem: Dark Labyrinth (LXXVIII), Luis Royo.