domingo, 30 de agosto de 2009

iuris

Decálogo del sexo sin amor, ¿lo practicas?, por Elizabeth Flores

A ler... estes novos Dez Mandamentos (escritos por Elizabeth Flores) para lidar com «Nossa S'nhora d´boca v'rôd pa tchom» e com o Calumus, como diria o americano. Afinal, «amai-Vos uns aos outros» não é a marca da nova dispensação do Mundo livre? Sim, «crescei e multiplai-Vos...» mas se for só para multiplicar o prazer, estes conselhos são bem úteis — mas, anoto a minha verdade: o amor é o sal do Sexo, o marmelo da marmelada, o açucar do café vulcánico... E, como dizia Salomão (e o sábio que me perdoe o usus abutendi das suas palavras) — que teve 300 mulheres e uma tantas concubinas —, «A alma farta pisa o favo de mel, mas para a alma faminta todo o amargo é doce» (Provérbios, XXVII.7). Por isso é que não falta(rá) — enquanto o eterno for hoje — quem coma sem sal, marmele sem marmelada e se queime no vulcão sem o doce of companionship! É a natureza, como digo... A liberdade — como diz o meu poeta.
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Ah! Só mesmo uma mulher escreveria um Decálogo do Sexo Sem Amor sem «levar na pinha» e ter uma inquisição feminina e moralista (a classe de mulheres que vivem sem a Gloria Mundi do sexo). Mas porquê, ó Deus, santos e santinhos!, é que não podemos ser livres, livres o bastante para dizer o que pensamos, sentimos, gostamos, vivemos ou queremos viver? Sim, porque não dizer o que nos dá orgasmos — esses, e os de alma? Comai e bebai que amanhã morreremos — exorta(va) S. Paulo.
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Someone have to do the dirty work? Yes! It´s hard to say? Who cares? I don´t give a dime for unhappy moralists… — says my poet. It´s Sunday and I have got a cadeaux from the wire fish! Isso tud p'dzê — sima gent antigue tava dzê — que «d'pos de passâ sab morrê ka nada!» Mas tem sabura, nhis gent... Ah, tem sabura k'no tem d'sabé aproveitá dret (risk d'mas ê cosa d'taná!); e esse amdjer t´insná uns cosa k'nô dvê t'má atençom. I se bzote f'ca incomodôd k'esse imaja k'um pregá li... bem, é só fazê sima nhô Pâde Fernand: bzote limpá oi n'tapete (ele tava limpá pé...).

  • A BASE DE TODA A METAFÍSICA
E agora meus senhores,
Dir-vos-ei algumas palavras que deverão permanecer
no vosso pensamento e na vossa memória,
Como base e conclusão de toda a metafísica.
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(Assim falou aos alunos o velho professor,
Ao encerrar o animado curso.)
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Após ter estudado o antigo e o novo, o sistema grego
e o germânico,
estudado e dissertado sobre Kant e Fichte, Schelling e Hegel,
Exposto a sabedoria de Platão e a de Sócrates ainda maior
que a de Platão,
E maior que a de Sócrates a do divino Cristo à qual
longamente me dediquei.
Relembro hoje os sistemas grego e germânico,
Observo todas as filosofias, as Igrejas e as doutrinas cristãs,
Mas vejo claramente sob o nome de Sócrates, vejo claramente
sob o nome do divino Cristo,
O terno amor do homem pelo seu companheiro, a atracção
do amigo pelo amigo,
Do esposo pela esposa amada, dos filhos e dos pais,
De cada cidade por cada cidade, de cada terra por cada terra.
----- Walt Whitman

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Imagem: Walt Whitman (ou será Leonardo da Vinci?) — autor desconhecido

  • VOZES DE ATENTAR
Nada mejor para el corazón que una soledad que le dé paso al reino de la meditación.
Ahmad Ibn Ata'Illah, Libro de la Sabiduría (Kitab Al-Hikam ), II,12
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Nota: Às portas do paraíso, também...

Connatus essendi

sábado, 29 de agosto de 2009

  • OS BLACK OUT´S — DA ELECTRA A RTC-RCV ON LINE
Quando é que o Governo irá perceber que a ELECTRA existe para dar a luz, e não escuridão; para fornecer água e não para meter água? A função da ELECTRA é satisfazer duas necessidades fundamentais, não alimentar quaisquer luxos. E tem de ser capaz de resolver os problemas, sem desculpas; sem desculpas! Pois estas já chegam, não satisfazem quem quer viver num país bem governado, num país de desenvolvimento médio. Para quê a sociedade de informação, a governação electrónica, a administração electrónica, e o Mundo Novo se não existe electricidade? Não pode ser para inglês ver e saber, não! Têm de ser úteis ao povo, à nação cabo-verdiana.

Mas não somente a ELECTRA que sofre de black out crónico, a RTC/RCV também. Por exemplo: tem um site bem conseguido, mas depois falta o mais importante: que as coisas funcionem! O telejornal da TCV – que deveria estar on line – não funciona, e nem com e-mails (o que já fiz mais de uma vez!) a alertar para essa anomalia se melhora.

A RCV, uma rádio fundamental para o país e a Diáspora (em especial para esta), não funciona no site da mesma! É uma coisa extraordinária! Pois ela funciona no portal da
sapo.cv. Agora, aparece a informação que está em actualização… até parece que é um problema grave, e não é! Basta(rá) a mudança de um link; coisa que se faz em cinco minutos! A culpa é do Governo? Não, pois o que se passa com a RTC-RCV é uma manifesta negligência de fornecimento de um serviço público e a tutela deveria ter atenção a esta situação.

Romeu Modesto, Secretário de Estado da Administração Pública, disse na Guiné-Bissau, durante a inauguração de um Balcão da Casa do Cidadão, que a «Administração pública presta um serviço de qualidade» aos cidadãos. Pode ser que seja essa a vontade, e estou convicto que é e será assim; mas a realidade prática é diferente.

O Governo pode esforçar-se e fazer o seu melhor ao nível das decisões, mas se os executores não cumprirem com a sua parte, tudo é e será debalde. E fazer o streaming de vídeo ou áudio não, de todo, um problema de difícil solução (leva menos mesmo tempo a fazer-se do que o dispendido pela pessoa que colocou o aviso em flash a dizer que o site está «em actualização, em breve o portal estará operacional). Até porque o que era difícil era ter-se o programa de emissão instalado; a sua manutenção é simples. Enfim… «O que estraga a vinha não são as raposas, são as raposinhas» – diz bem Salomão. E é a imagem do Administração pública e dos seus serviços que sofrem, i.e., o Governo – em última análise.

A questão da ELECTRA é mais complexa, pois, além dos problemas de gestão e de financiamento, existe um outro estrutural: o programa energético nacional, que ainda não se sabe bem o que é – se bem que se tem de aplaudir o Governo por ter decidido apostar nas energias renováveis. Vamos ver se o fará com a racionalidade devida e não de acordo com os interesses eleitorais; a ver vamos. E se o petroleiro que transportava combustível para Cabo Verde – e que se atrasou – não tivesse logrado chegar ao país? Teríamos tudo parado, provavelmente. Seria o black out total, não seria somente na Capital, mas em todo o país. Andamos, nisto da energia e da ELECTRA e da sua (não) política a viver como a cigarra. E, um dia, o inverno chegará e a cultura do «deixa andar» e «fica para amanhã) será confrontado.

Imagem: Carmen Electra numa praia a noite, e que poderia ser a Laginha…

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

  • DIGGING
Between my finger and my thumb
The squat pen rests; as snug as a gun.
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Under my window a clean rasping sound
When the spade sinks into gravelly ground:
My father, digging. I look down
.
Till his straining rump among the flowerbeds
Bends low, comes up twenty years away
Stooping in rhythm through potato drills
Where he was digging.
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The coarse boot nestled on the lug, the shaft
Against the inside knee was levered firmly.
He rooted out tall tops, buried the bright edge deep
To scatter new potatoes that we picked
Loving their cool hardness in our hands.
.
By God, the old man could handle a spade,
Just like his old man.
.
My grandfather could cut more turf in a day
Than any other man on Toner's bog.
Once I carried him milk in a bottle
Corked sloppily with paper. He straightened up
To drink it, then fell to right away
Nicking and slicing neatly, heaving sods
Over his shoulder, digging down and down
For the good turf. Digging.
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The cold smell of potato mold, the squelch and slap
Of soggy peat, the curt cuts of an edge
Through living roots awaken in my head.
But I've no spade to follow men like them.
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Between my finger and my thumb
The squat pen rests.I'll dig with it.
------ Seamus Heaney

Uma saída obrigatória...

  • O PÓS CAPITALISMO DE PAULO PORTAS E MANUELA FERREIRA LEITE, OS NOVOS ESCRAVOS E A BUJARDA DE DAVID HOPFFER ALMADA.

Eleições. É ver os cartazes que andam por Lisboa e Portugal, contra aqueles que, passando por dificuldades económicas, vivem dos subsídios do Estado. É ver o CDS do Paulo Portas a gritar contra o povo subsídio dependente (toda a gente sabe do que fala, mas ninguém se atreve a dizer e a reconhecer que se trata de um discurso étnico e racialmente dirigido essencialmente contra aos ciganos e os mais pobres: um discurso racista e aporofóbico) e Manuela Ferreira Leite a seguir esse discurso com particularidades: acabar com os subsídios aos pobres para abaixar os impostos dos ricos. Pois claro: agora estamos em transição para o capitalismo pós capitalismo – os pobres que paguem a crise! – dizem os senhores da aristodemocracia politica e económica ou poliarquia em que vivemos.

No segundo quartel do Século III, havendo em Roma uma crise económica – que, como agora, já vinha de trás (desde a governação musculada do Imperium de Caracala a leviana de Eliogábalo, passando pelo condicionado de Macrino) – quem sofreu mais foi o povo e houve lugar a muita indigência, havendo então muito pobres envergonhados (pessoas antes prosperas e que a crise lançara nas ruas de Roma como indigentes). Ricos que, eles mesmos, se tinham lançado, muitos deles, no negócio da usura e fazendo concorrência a banca e tiveram problemas com os clientes – assim como a própria banca sofreu burlas «legais» que levou a que o Severo Alexandre proibisse a classe politica de se envolver nos negócios da bancários.

Mas as medidas imperiais foram mais longe: criou um sistema de apoio aos necessitados, mas havia quem não quisesse trabalhar; quem só pensasse em folgar. Severo Alexandre mandou proclamar em Roma que todos os que andassem na indigência fossem obrigados a trabalhar ou a aprender qualquer ofício; caso se recusassem a cumprir com a lei deveriam ser sujeitos à servidão – escravatura – sem necessidade de se recorrer a qualquer magistrado. Caso resistissem a ser escravos poderiam, legitimamente, ser mortos. Foi, certamente, uma forma draconiana de acabar com a indigência e, de acordo com a lei civil romana, sujeitar à servidão muitos que não tinham vontade ou eram incapazes de dirigir as suas vidas mas que não queriam morrer. Alguns países revolucionários contemporâneos (como a Cuba de Fidel e Raul Castro) têm leis análogas para a indigência – não são mortos, mas são presos, dai ser um país onde não se vêm mendigos ou pessoas confessando a sua fome (é o socialismo envergonhado).

Tenho a quase certeza de que Paulo Portas bem que desejaria aprovar uma lei dessas na Assembleia da República, e que o PSD de Manuela Ferreira Leite apoiaria tal medida legislativa – afinal, não foi ela que disse que se calhar o melhor era esqueceremos a democracia e termos a uma ditadura por seis meses (como faziam os romanos em tempo de crise)? Isso quer dizer uma coisa: suspender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. O pior de tudo, e isso pode até parecer espantoso não o sendo, é que a maioria dos cidadãos apoiaria uma decisão de reduzir a escravidão quem não quisesse trabalhar. A teoria é arcana e a sua praxis política também: dá ao povo uma grande crise, alimenta-lhe o medo e poderás dispor da sua vontade e da sua liberdade.

E se sabem estas coisas – parecem conhecer a história da República Romana, pois fazem uma imitatio das suas políticas ou assim desejam… ao que dizem – porque não propõem uma Lei para acabar, como Severo Alexandre, com a promiscuidade entre o poder político e a banca? É que assim (i) deixaríamos de ter problemas como a da Sociedade Lusa de Negócios, o BPN, o Banco Insular e leis processuais civis e de custas judiciais para impedir o povo de aceder a Justiça (que, lembro, começaram o António Costa, o actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, como Ministro da Justiça…) e que beneficia a Banca, as grandes corporações, id est: os ricos e (ii) tornam o povo num exército virtualmente escravo da Banca – os cidadãos trabalham para, em grande parte, sustentar as instituições financeiras e não as suas famílias. Estamos perante uma nova forma de escravidão, de uma escravidão livre – «escravos de orelha furada», instituída por uma decisão de «livre necessidade», como diria Espinosa.

Esta aristodemocracia ou poliarquia em que vivemos – uma verdadeira nova monarquia sine nobilitas, vê o povo como um instrumento e não como o fim da política (e o bem-estar do povo é o fim de toda a polícia!). Basta vermos os políticos que, ao longo dos mandatos, enriqueceram de forma escandalosa enquanto o povo ficava cada vez mais dependente das instituições financeiras e sem capacidade de autodeterminação económica e financeira (e depois falam mal de África e/ou dos «mal governados»). Na política deve-se atar a boca do boi que debulha!, em todos os continentes, nos países «bem» e «mal» governados. E não é somente em Portugal que se quer um exército de dependentes (como novos Feudos ou Morgadios), em Cabo Verde também; por isso é que se ouvem coisas como as que se atribui ao deputado David Hoppfer Almada: de que há doutores a mais em Cabo Verde e que os filhos dos pobres deveriam ir para cursos profissionais (não creio, custa-me a crer!, que o possa ter dito no sentido em que foi veiculado – sendo certo que as palavras em si são, em qualquer sentido que sejam formuladas e tomadas, um non sense).

Mas isso, isso também não é coisa nova: Antonino Eliogábalo pensava de forma análoga e o que se atribui ao deputado David Hoppfer Almada e futuro candidato presidencial é a expressão verbal de uma prática social existente em Portugal e Cabo Verde há muito – a aristocracia académica (herdeira de práticas coloniais) e social criada e sustentada há muito (licenciados, mestres e doutores casam com licenciados, mestres e doutores; políticos com políticos; empresários com empresários ou com aqueles; os cristãos protestantes com cristãos protestantes – como ensina a doutrina cristã, e os sine titulum que sirvam de carne para canhão! Pois… que fiquem na fralda, e de fralda!). O Imperador Antonino Eliogábalo, certamente com um Hopffer Almada como assessor, pois já tinha exilado o jurista Ulpiano que não alinhava nestas coisas contra direitos fundamentais, legislou nesse sentido… Mas isso, isso fica para depois; para outras núpcias.

O poder económico, herdado ou adquirido, e a ciência de academia não podem nem devem servir como forma de opressão económica e de discriminação social – directa ou indirecta, deve servir, isso sim, para igualar o desigual (assim ensinava, e bem, Aristóteles à Nicómaco) e criar-se uma sociedade mais justa. E é por se assumir esta realidade desejada que um deputado do PAICV me disse, há uns anos, que o partido era/é um partido Social Democrata (!?). Pois será, neste sentido de Manuela Ferreira Leite e de Paulo Portas (que não da matriz política da social democracia emergente com o Estado Social de Weimar e que a República Federal da Alemanha é um dos bons exemplos) e a que José Sócrates não escapa e que se quer importar para Cabo Verde: um socialismo de gaveta, envergonhada, cega às necessidades e aos legítimos anseios dos mais pobres e ostensivamente elitista – a ter-se como certa as palavras de David Hopffer Almada – e em que os ricos são cada vez mais ricos e s pobres cada vez mais pobres e é necessário manter-se esse status quo no futuro. A economia e a educação são as formas pelas quais se controla um povo, uma sociedade; e não se pode ser inocente ao se contemplar acções e discursos dos dois lados do Atlântico.

É urgente repensar-se os conceitos de «Política» e «Democracia», e voltarmos aos sentidos etimológico e teleológico dos mesmos para se assentar no que é necessário: curar das necessidades de desenvolvimento global e estrutural do país e, em particular, dos mais pobres, fazendo com que sejam cada vez menos pobres – de bens materiais e de conhecimento – e assim construir-se uma sociedade mais coesa, próspera e solidária; é que assim, com esses discursos… assim não dá! O povo não agradece; pois «pove podê panhâ bidion, mas ka ê cego».

---- Prima forma: Liberal on line

Uma espécie de paragem obrigatória...

  • O MEU POETA
Toda a tragédia não natural é previsível – lembra-me o meu poeta.

Imagem: Ernesto Che Guevara no Congo

  • MULTITUBETEXTURA 2: dot matrix symphony
    Márcio André

VICIADOS NA PARTIDARIZAÇÃO

O Expresso das Ilhas publicou um artigo de opinião de Ulisses Correia e Silva, Presidente da Câmara Municipal da Praia. "Viciados na Partidarização" é um texto a ler com atenção por todos os cabo-verdianos.

«O Estado tem responsabilidades pela orientação da política de educação, da cultura e da comunicação social - veículos de mudanças comportamentais - mas para que as suas opções e acções produzam efeitos na alteração do estado social, é preciso que ele seja autêntico e engajado com essa transformação. Não é o que acontece entre nós. E a responsabilidade é principalmente dos partidos políticos.

«A prática política ou é diferente do discurso político, ou o discurso político não é clarificador e permite que práticas perversas predominem. Há um excessivo peso do político/partido face à sociedade, característica de um país dependente da ajuda externa e da dívida externa, com uma economia distributiva e da não libertação ainda dos resquícios do Partido/Estado. Mas o mais determinante, é que se joga um jogo de interesses que torna o exercício do poder refém da partidarização e do clientelismo» Ulisses Correia e Silva dixit.

Aqui está um artigo da lavra de um político com responsabilidades – no passado e no presente, e de quem se espera que venha a assumir outras no futuro; e tal só dependerá dele mesmo – a ter um discurso que não deve cair em saco roto, que deve levar os cidadãos e os órgãos e agentes do Estado a pensarem se querem ter um Estado social ou um Estado de partidos e dos seus clientes. A opção é tautológica.

Daqui, de terra-longe, um bem-haja ao Ulisses Correia e Silva por esta denúncia, por colocar o dedo numa ferida que anda coberta de seda mas que, antes de gangrenar, é necessário espreme-la e retirar o pus malcheiroso. Que estas ideias sejam norte da sua gestão na capital da nação, pois os praienses e todos os cabo-verdianos precisam de um Estado, central e local, que não seja clientelar.
Que outras vozes, de políticos que sabem do que falam pois são parte «do sistema», venham a terreiro dizer, com a mesma frontalidade e elegância, o que diz Ulisses Correia e Silva. Mas (e há este mas…), palavras sem acções de pouco valem – e o povo, esse que «não é ignorante», espera mais e melhor dos seus representantes (inclusive do Ulisses Correia e Silva — a esperança do povo é mais funda que a Fossa das Marianas).

Imagem: Ulisses Correia e Silva, Presidente da Câmara Municipal da Praia (in Expresso das Ilhas)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

  • ULTIMA VERBA
Nasci na Lydia — confesso:
Quando teu nome descortinei
entre as remessas de pétalas cuninas
que nascem nas asas ramais das borboletas
um mundo seminal gerei, no teu ventre.

Desde então, peregrino só de ti,
sacrifico todos os meus momentos
no teu altar, para da genealogia ser o primeiro
e fundir teu silêncio ao logos
que me faz ser, e ser teu.

Sim, antes de ser carbono
era ápice do teu riso — ad incognitum nasci.

E anoita o céu a mão cunária,
a espera inexpiável,
o nosso Monte Cara parindo pão.
-
Imagem: Khajuraho, India

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Despojos do progresso?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

  • MANIFESTO ANTI-DANTAS E POR EXTENSO, de José de Almada-Negreiros (na voz de Mário Viegas)

Ai o deserto! O deserto cresce…
Dedico este poema, com animus de Almada, aos Dantas de Cabo Verde. Pim!

Como o poema não está completo, grafo aqui o que resta do mesmo (quem desejar, posso enviar o poema completo em mp3 — pois coisas belas são para ser compartilhadas):

***

E AS CONVICÇÕES URGENTES DO HOMEM CHRISTO PAE E AS CONVICÇÕES CATITAS DO HOMEM CHRISTO FILHO!

E OS CONCERTOS DO BLANCH! E AS ESTATUAS AO LEME, AO EÇA E AO DESPERTAR E A TUDO! E TUDO O QUE SEJA ARTE EM PORTUGAL! E TUDO! TUDO POR CAUSA DO DANTAS!

MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!

PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO O MUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!

MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
José de Almada-Negreiros

POETA D'ORPHEU
FUTURISTA
e
TUDO

  • O QUE É UMA MULHER?
Lia os jornais on line, tentando saber o que se fala e se escreve pelo Mundo e, de repente, uma pergunta assola-me o pensamento: «O que é uma mulher?» O caso da atleta sul-africana Caster Semenya traz à luz uma discussão sobre a dimensão e a natureza do género que, não sendo nova, vai para além do óbvio e obriga-nos a pensar a humanidade out of the box.
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É uma situação que destrói preconceitos e pré conceitos. Temos a alma redonda, mas o intelecto é... quadrado! Em algumas coisas, como a nossa relação no plano do género, estamos no pior da época medieval.
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Imagem: Autor desconhecido

  • VOZES DISSIDENTES
"Chavez constrói um Mundo diferente e possível" – Noam Chomsky dixit.
Leia mais no El Pais on line.


Imagem: Hugo Chavez recebendo Noam Chomsky no Palácio Miraflores em Caracas (El País)

  • THE UNTOLD ENTIRE UNIVERSE ALONE
I am the entire universe at the corner stone
of your soul taken from Midgard made today –
yes, the velvet ocean of magnolias
streaming the afternoon´s dreams untold
— She said at the fending lovers hour,
day and night by themselves: the wind-blown.

When I wake up at the digging fingers left
i was part of God: She was all on me,
her taste, flavor and marks of pleasure and pain
stood in there, like a graveyard of virgins, flowers
pushed by honey of unspeakable legends.

— I am alone, she thinks, far, far away…
but her shaved secret tells me not, ask me
to look at the entire universe, to feel the flavor
coming from my skin: it, the entire universe.
--- Virgílio Brandão


Imagem: Aishwarya Rai

  • I DO NO HAVE A CLUE

Para alguns, os do Norte (e porque será que Ezequiel nos diz que El Elohim habita nas «bandas do Norte»?) é assim... A Sul, muitos, mas muitos milhões, morrerão sem saber o que são estas coisas. Felizmente? I do not dare to have a clue on this! A felicidade é demasiado volátil, tem a mesma distância que pode tornar um homem bom num bomem justamente mau. Onde poderá alguém encontar refúgio de um anjo vingador? Deus, por vezes, tem de fechar os olhos — o que não cria, não controla. Men just don´t grow up!

Meanwile, i wrote my daily poem in english and I share it with you: THE UNTOLD ENTIRE UNIVERSE ALONE

  • AS PRESIDENCIAS DE ISAURA GOMES OU COISAS EXTRA ORDINÁRIAS
Há coisas extraordinárias, de todo. A última entrevista de Isaura Gomes ao Expresso das Ilhas de Cabo Verde (que tem coisas deliciosas, que só poderiam vir da edil Mindelense) é uma delas. Atentemos em duas perguntas/respostas.

EXI — Já falámos da candidatura de Carlos Veiga à liderança do MpD. Quem apoia nesta disputa?
ISAURA GOMES — Eu não apoio ninguém, porque eu sou a segunda pessoa da Comissão Política, que tem que aceitar todas as candidaturas. Eu ontem [6 de Agosto] não estive na apresentação do Dr. Carlos Veiga por outros motivos. Mas admito que foi uma surpresa para mim o anúncio dele, não estava mesmo à espera.

Espanta-me que tal anúncio tenha apanhado Isaura Gomes de surpresa, e não foi somente a Presidente da Câmara Municipal do Mindelo e vice-Presidente do MPD a ser apanhada de surpresa… não! O que torna, para mim, o facto ainda mais surpreendente, espantosamente surpreendente. Não se deixar surpreender por uma coisa destas, ser capaz de prevê-la, é, de todo, uma característica fundamental de aferição do perfil do Presidente da República e de uma pessoa que ambiciona a dirigir o MPD (sim, é ambição da edil Mindelense e já o disse – de forma mais ou menos clara e, subliminarmente, vai confirmando isso com as suas acções). E não dizer que se deixou surpreender, também…

Na verdade, bom seria que Isaura Gomes tivesse consciência de que foi a sua Conferência de Imprensa de Abril que projectou a necessidade de Carlos Veiga desistir do seu projecto presidencial (e note-se, é necessário, que o condicionamento moral de Carlos Veiga ao dizer que não se candidataria à primeiro Ministro para depois se candidatar à Presidência da República também se aplica ao Primeiro Ministro José Maria Neves… e isso é coisa de estratega político, de quem vê longe, para além do óbvio). Ao contrário de Isaura Gomes que, em Abril, deixou claro uma coisa: iria se candidatar à liderança do MPD – basta ler o texto da Conferência de Imprensa para se perceber isso. Jorge Santos tem agora o Carlos veiga como candidato ao seu lugar, mas se ele não tivesse avançado, Isaura Gomes teria avançado – esta é uma das "razões" dela não ter aparecido, naturalmente, na apresentação do candidato Carlos Veiga à liderança do MPD.

Ficou à edil Mindelense a candidatura à Presidência da Republica, e aprendeu, rapidamente, que não basta ser o mais inteligente, o mais forte, o mais capaz e ter a razão das coisas para se vencer seja o que for se a estratégia falha. E faleceu competência estratégica à Isaura Gomes no momento em que ela mais precisava dela, e precisava de estar calada sobre esta matéria. Terá, agora e necessariamente, de preparar uma moção à Convenção do MPD, ao lado de Jorge Santos ou sozinha – se a tese da lista única vingar (e Isaura Gomes tem noção disso, por isso prefere um debate aberto e com moções de estratégia discutidas e escrutinadas) – pois há que preparar o futuro que pode ser longo ou não.

Mas alguém terá dúvidas de que Isaura Gomes se colocou na posição de reserva moral e/ou política do MPD, a espera de um deslize do Carlos Veiga, caso a edil venha a falhar o seu projecto presidencial (e, sabiamente, tem percepção de que a escolha do Carlos Veiga neste plano é relativamente clara), para se candidatar a liderança do MPD? Por essa razão, acima de todas as demais, é que não apareceu na apresentação do Carlos Veiga e defende, naturalmente, a democracia interna no presente contexto. E tem razão, no plano dos princípios e da sustentabilidade das suas ambições.

O problema é que o MPD, e todos os seus militantes, têm, terão consciência de duas coisas. (i) Uma derrota do Carlos Veiga na Convenção seria a morte política deste, e o MPD não pode, de momento, dar-se a esse luxo; e, por outro lado, (ii) uma vitória de Carlos Veiga na Convenção do MPD – e não acredito que tenha avançado sem ter contado bem as suas espingardas e ter garantido a sua eleição – só será uma vitória a medida de um projecto de transformação social galvanizadora se for por aclamação da sua liderança; qualquer resultado que não este é-será uma derrota; o que Carlos Veiga e Comissão Politica Nacional do partido sabem.

Mas Carlos Veiga e os militantes do MPD que o apoiam terão de ter cuidado, muito cuidado, para não alcançarem uma vitória de Pirro. A verdade é que, no presente contexto político, Isaura Gomes não tem condições políticas objectivas para se candidatar à Presidência da República; porque no demais está como todos os cidadãos cabo-verdianos – tem o direito de se candidatar. Só que uma coisa é ter-se o direito subjectivo a seja o que for, e outro é poder-se, pelas condições objectivas de situação, exercer o mesmo. O Carlos Veiga, avisado, convoca a unidade do MPD.

Mas Isaura Gomes vai mais longe, na entrevista ao Expresso das Ilhas.

EXI — O nome apontado como possível candidato presidencial do PAICV é o actual primeiro-ministro, José Maria Neves. Como o avalia como eventual adversário?

ISAURA GOMES — Eu respeito todos os adversários. Mas se formos adversários na mesma corrida, farei tudo o que for preciso para ganhar. Ou seja, ele será um alvo a abater (risos).

Tudo, o que será tudo? Na verdade Isaura Gomes deveria estar atenta, pois há quem esteja disposto, há muito tempo, a fazer tudo (mas é tudo mesmo!) para acabar com a carreira política dela; corta-lhe as asas, como ela mesma disse, metaforicamente, na Conferência de Imprensa de Abril (quando manifestou as suas ambições presidenciais e a liderança do MPD). E o perigo vem de dentro, pois se o António Monteiro levar as suas palavras atém ao fim, em caso de se lograr provar as suspeitas de corrupção no Município, ainda teremos eleições intercalares na Câmara Municipal do Mindelo.

Isaura Gomes não é pessoa corrupta, e nem me parece que seja corruptível – e os seus adversários políticos sabem disso; pelo que o alvo não é ela, directamente, mas a Autarquia que ela gere e as pessoas que fazem parte da gestão do Município. As declarações de António Monteiro têm uma dimensão de demarcação de qualquer possível acto de corrupção na Autarquia, e Isaura Gomes deveria, há muito, ter uma posição de claro e inequívoco distanciamento das acusações e seus destinatários. A lealdade política e a amizade têm limites objectivos – principalmente quando se tem as ambições políticas da edil Mindelense. Ademais, o interesse publico e dos cidadãos está para além de tudo o mais. E, neste com momento, o alvo a abater chama-se Isaura Gomes e uma possível queda da Câmara Municipal de S. Vicente por corrupção de qualquer membro do executivo é/será desastroso para as ambições políticas de Isaura.

O jogo político, pelas suas particularidades, começa antes de se entrar em campo, e há muito que Isaura Gomes deveria ter convidado quem é suspeito de corrupção a colocar o lugar à disposição e, assim, salvar o seu executivo e o seu próprio futuro político pois, em última análise, quem responde pela Autarquia é a sua presidência (caso não se venham a provar as acusações públicas feitas ao executivo, estou certo que Isaura Gomes será implacável: assim, como ensina a Bíblia, se deve ser com os perversos). E tudo, tudo é uma coisa demais para ser dita para quem quer ser Presidente da República, árbitro do jogo político. E são coisas destas que, ao contrário do que pensa Isaura Gomes, que a desqualificam para a função de Presidente da República.

Lembro o que Cícero dizia à Catilina, em pleno Senado: em dada altura o Senado encarregou
[1] o Cônsul Lúcio Opimio (de quem Plínio o Velho dá notícia na História Natural e Salústio refere na Guerra de Jugurta) de cuidar da República para que esta não pudesse sofre mais danos do que sofrera até então, mas este, no seu zelo pelo bem público, acabaria por imolar o seu próprio filho (Cícero, Catilinárias, II). Tudo, é demais (o "by any means necessary", de Malcolm X é um minus, um desvalor no plano da ética política) e vitórias píricas são insustentáveis. É que, mesmo quando estão em causa interesses do Estado, existem valores que devem ser preservados; Antígona deixou isso bem claro a Creonte (Sófocles, Antigona, II).

Mas Isaura Gomes pode escolher o caminho mais óbvio e mais fácil: alinhar com Veiga, Santos e Livramento para, quais bombeiros, se prepararem para apagar o fogo doloroso da crise em que o país esta(rá). Mas o país está a precisar de bombeiros? É coisa que o jornalista não perguntou à Presidente da CM de S. Vicente, a que não quer imitar a águia do Mindelo e voar, mas voar mesmo!
______
[1] O que os romanos chamavam de Ditadura.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

  • VOZES DE ATENTAR...

As mulheres carregam a metade do céu sobre os céus ombros e devem conquista-la – Mao Tze Tung.

Nota: O céu de Mao, não é, de todo, o céu dos ocidentais. Era, é, o que resulta paradoxal dito por um anti-imperialista (mas não foi criticado por causa da falta de sentido critico do seu tempo), o céu Imperador Qin Shihuang. Sei o que alguém vai me dizer, mas a resposta é antecipada: the king can do no wrong e cousas há que não têm importância – um erro belo, um equívoco que gere felicidade valem mais do que todas as verdades do Mundo que causem infelicidade.

Imagem: Mao Zedong, Andy Warhol

domingo, 23 de agosto de 2009

  • MIGNON
—¿Conoces el país donde medra el limonero
y doradas naranjas bajo la parra brillan?
Del cielo azul un leve céfiro se desprende
plácido el arrayán y altivo el laurel vibran.
¿Conoces el país?, dime.
……………………….................................……. —¡Oh, sí, allá
contigo, amado mío, quisiera yo volar'

—¿Conoces tú la casa? Su techo se sostiene
sobre columnas; fulgen el salón y las cámaras,
y marmóreas estatuas, mirándome, se yerguen;
Oh, ¿qué te han hecho, dime, mi pobre malpocada?
¿Conoces el país?, dime.
……………………….................................……. —¡Oh, sí, allá
contigo, mi ángel bueno, quisiera yo volar!

—¿Conoces la montaña y su nubosa senda?
La mula, entre niebla va buscando el camino
del dragón en las cuevas la vieja raza anida;
rueda la roca y cae y en el agua se abisma.
¿Lo conoces tú?, dime.
……………………….................................……. —¡Oh, sí, allá
oh padre mío, debemos el paso enderezar!
------ Johann Wolfgang Goethe
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Imagem: Uma Senhorita chamada Evy que foi eleita «Miss Verão 2009» da Cidade Velha da Ribeira Grande de Santiago (in A Semana on line) em Cabo Verde.

  • HILLARY CLINTON E 35 RAZÕES DA BOA (NÃO) GOVERNAÇÃO DE JOSÉ MARIA NEVES
Facto: os elogios da Secretária de Estado norte-americana à «boa governação» cabo-verdiana tiveram o condão de elevar o Governo de José Maria Neves em exemplo para África, e de «calar» uma oposição quase acéfala. Foi, no plano político, uma verba eucalyptus panglossiana de uma inesperada fada madrinha. Três coisas que me espantaram, espantam!, e que provam que ainda – mau grado termos lutado contra o imperialismo e o colonialismo – temos mentalidade de colonizados, humildade cristã espremida (na perspectiva de Nietzsche) e ambição pequena, demasiado pequena para as ambições e necessidades reais do povo cabo-verdiano.

Mas em que contexto é que se dá esse «elogio da boa governação» (lembra-me Erasmo de Roterdão e a sua obra dedicada a Thomas Morus, Ministro de Henrique VIII), e em que se baseia Hillary Clinton para dizer o que disse? Ela mesma o diz: pelo que ouviu! Não foi pelo que viu (ou ouviu do povo), mas sim pelo que ouviu: dos relatórios e do que foi dito e contado pelos políticos numa lógica de comparação com o pior que África revela. Quem fica contente com esta perspectiva, não me parece merecedor de governar Cabo Verde – seja este Governo, seja a oposição! A nossa terra e o nosso povo merecem – já o disse antes e reitero-o agora – outro padrão comparativo: o dos países desenvolvidos!

Boa governação em Cabo Verde? Sim, se comparado com o Zimbabué e a República Democrática do Congo! Transparência na governação e não corrupção? Sim, se comparados com o Quénia, o Zaire, o Gabão ou a Guiné Equatorial! Não violação dos Direitos humanos? Sim, se compararmos a nossa realidade com a do Continente africano cleptocrata e corrupta no global – mas o mal dos outros não justifica os nossos males! O termos mais mulheres que homens num Governo é razão para elogio? Não! A não ser na lógica feminista (e Hillary Clinton não escapa à esta armadilha ideológica), pois o que o partido que formou Governo fez foi chamar para o Executivo as pessoas – não o género – que pensou e pensa serem as mais competentes.

O Irão de Khameney e Amenidejade irá ter, dentro de dias, mais mulheres no Governo que muitos países ditos democratas (na Europa, v.g., foi preciso haver leis de quotas para haver mais mulheres na política). Isso torna(rá) o Irão um país democrata ou respeitador dos direitos humanos e das mulheres em particular? É claro que não – a não ser com vício silogístico; pelo que devemos ter cuidado com as inferências que retiramos do discurso político, venha de onde vier – ser do país mais poderoso do Mundo não quer dizer que se seja do «mundo das ideias» ou da razão plenipotenciária. As mulheres continuam a ser as maiores vítimas da discriminação social e da violência em Cabo Verde: dos empregos precários e escandalosamente mal pagos, passando pela violência doméstica e moral, o assédio moral, a discriminação de género na escola por engravidarem… (que o governo não faz nada, a não ser dizer que vai «estudar a questão») and so on!

É tempo, mais do que tempo, de deixarmos de confundir a nuvem com Juno! E, é bom que seja dito: a América não é uma democracia, como bem diz Noan Chomsky (e não fala propriamente da fraude eleitoral que determinou a derrota de Al Gore, nem da ilegitimidade da pena de morte – que é incompatível com a ideia de democracia – ou da venda de lugares políticos, não; fala de algo bem mais profundo, do que é denominado por Robert Dahl como Poliarquia), mas sim uma mera ilusão de democracia. Os políticos fazem com o povo algo análogo ao que Baudelaire diz sobre o Diabo: «a maior arma do Diabo é convencer as pessoas de que não existe»; assim, a maior arma dos políticos é convencer as pessoas que vivem numa democracia. A percepção de Alexis de Tocqueville (A Democracia na América) é, ainda hoje, um instrumento importante para percebermos a dimensão da «democracia» americana.

Temos uma Constituição de matriz ocidental – e a assunção dos respectivos valores – mas continuamos a comparar o projecto social da mesma com os padrões políticos do subdesenvolvimento de África! Como não posso pensar que os políticos não entendem a Constituição e os seus valores, tenho de chegar à outra conclusão para este facto: é uma lógica de desculpabilização da inépcia política que nós, os cidadãos-povo, não podemos nem devemos aceitar! Eu, como cidadão, exijo do Governo do meu país que cumpra com tudo o que a Constituição consagra, que realize o mandado do projecto social constitucional; não aceito, recuso-me a aceitar desculpas políticas com base em comparações espúrias e contra a matriz social (e cultural, pois a Constituição e a Democracia são, essencialmente valor e cultura) que preconizamos como Povo, Nação e Estado.

Mas o que é isso da «boa governação»? Será, certamente, a «escolha certa» consabida pelos cientistas políticos, mas tenho as minhas dúvidas de que seja aquilo que é vendido ao povo cabo-verdiano como facto consumado – com base em números e ouvir dizer – em dadas circunstâncias, como a visita da Secretaria de Estado Hillary Clinton. A realidade de uma boa governação não se casa com os números, mas com a satisfação das necessidades dos governados; os números só são relevantes quando expressam a verdade da realidade.

É por isso que o Primeiro Ministro José Maria Neves não se deve deixar «emprenhar pelos ouvidos» – como diz o povo, mas atentar na realidade (e esta não se engana) real e perguntar a si mesmo se é bem governado um país onde:

(1) não se consegue ter água para todos; (2) luz para suprir necessidades básicas (com a kapital da Nação cronicamente às escuras – e um Governo que já se revelou manifestamente incapaz de resolver o problema da ELECTRA); (3) em que a Ministra das Finanças vem a público reconhecer um erro notório na política fiscal – e que não é nada mais do que a ponta do iceberg fiscal; (4) em que a segurança dos cidadãos não é efectivamente garantida pelas forças de segurança; (5) em que o Supremo Tribunal de Justiça leva mais de dois anos a julgar um recurso de apelação no âmbito do poder paternal (ignorando, de forma ostensiva os direitos fundamentais de uma menor); (6) em que o Governo está há dez anos para instalar os serviços do Defensor do Povo (Provedor de Justiça) e o Tribunal Constitucional; (7) em que as leis – como foi o caso do Código Eleitoral – e a Constituição são reformadas numa espécie de cúpula e na surdina; (8) em que Governo é refém de um sistema de aprovação de leis fiscais absurdo; em que (9) que não existe um ordenado mínimo nacional – deixando os cidadãos mais desfavorecidos à mercê de empresários inescrupulosos;

(10) em que o ensino superior se torna elitista por se estar a tornar um sistema de formação privada em que os discentes pagam propinas mensais superiores a remuneração auferida pela maioria dos cidadãos trabalhadores (daí ser um negócio em que muitos se aventuram): (11) em que os deputados acumulam funções electivas e remuneradas e outras no Estado e/ou empresas públicas; (12) em que funcionários públicos acumulam funções e remunerações enquanto o (13) país tem uma taxa de desemprego a rondar os 20%; (14) em que a juventude se vê obrigada a emigrar, desertificando assim o solo pátrio; (15) em que alguns querem empurrar os «pobres» para a formação profissional (que é, em verdade, quase inexistente no país e é uma das falhas estruturais de Cabo Verde) para depois serem consumidos por terra-longe – daí os acordos com países europeus para «trabalhadores qualificados»; (16) em que a desigualdade social cresce a olhos vistos – com o consequente crescimento da criminalidade e de outras formas de comportamentos desviantes (ao contrário do que diz a Ministra da Justiça, não é o desenvolvimento que provoca o aumento da criminalidade: é o subdesenvolvimento, a pobreza, a guetização e a discriminação social que o faz!); (17) em que não existe um politica de retorno dos quadros formados no exterior (será por se pensar, mesmo, que cabo Verde tem «doutores a mais»?) e que promove algumas fragilidades; (18) em que o sistema de Saúde precisa de urgente requalificação, com custos insustentáveis para o Estado (ter cuidados de saúde é, para muitos, um luxo: quem tem dinheiro tem Lisboa, Boston ou Bruxelas); (19) em que a TACV se encontra em quase falência técnica, quando deveria dar lucro;

(20) em que não existe um plano de emergência em caso de alguma catástrofe natural; (21) com algumas ilhas, em termos de acessos ao resto do país e ao Mundo a mesma distância de Marte; (22) em que o Orçamento do Estado é, em grande parte, financiado por empréstimos bancários externos – como as consequências futuras que tal endividamento público terá no futuro da frágil economia nacional; (23) em que a Administração fiscal não controla as constas dos partidos políticos e dos detentores dos cargos públicos; (24) em que o Governo não consegue conter o tráfico de estupefacientes e de pessoas no arquipélago – chegando a Ministra da Justiça ao cúmulo de ter um discurso de quase capitulação perante o aumento do crime; (25) em que o tribunais reclamam independência do poder politico e os políticos reconhecem a necessidade (26) de haver um poder judicial independente e com um Governo incapaz de encontrar soluções adequadas para essa realidade; (27) com os pobres a reclamar trabalho, pão e justiça – recebendo migalhas e musicais de verão, como se fossem lídios e não cabo-verdianos; (28) em que o lixo ameaça afogar a pouca terra que temos; (29) em que o ambiente, enquanto direito fundamental dos cidadãos, é desconsiderado por ausência de politicas sustentáveis;

(30) com um Ministério da Cultura que não cura das raízes da nação, e um Governo que não consegue instituir a língua materna como língua nacional por manifesta falta de coragem política (censura que é, também extensível à oposição; (31) em que se admite a possibilidade – que os americanos rejeitaram liminarmente – de poder-se extraditar cidadãos nacionais para serem julgados no estrangeiros ou entrega-los ao Tribunal Penal Internacional, porque o Governo apresenta uma proposta de Lei no sentido de resolver-se estas questões sem ser por via da revisão da Constituição; (32) em que o Governo assume responsabilidades internacionais, nomeadamente o Tratado da Extradição da CPLP, que o obriga a rever Constituição e brigar com esta e os direitos, liberdades e garantias dos cabo-verdianos; (33) em que a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania é uma instituição materialmente tutelada pelo Estado; (34) em que a exteriorização de riqueza dos titulares de cargos públicos e de cidadãos com modo de vida não conhecido não é devidamente escrutinado; (35) em que a Imprensa é tudo menos livre e isenta, pois nada mais são do que caixas de ressonância dos interesses do poder instituído e/ou da oposição, e não dos interesses do povo e da nação.

Perante estas realidades (e mais há e haveria para dizer), parece que o que precisávamos era de um Emile Zola para um renovado J´Acuse social. Mas, verdade seja dita, há gente de boa vontade no Governo e na oposição que contribuem e contribuíram para que o país se tornasse um projecto político e social viável. A consolidação da independência nacional foi conseguida, em parte, nos últimos anos; mas nota-se, hoje por hoje, uma tentativa de retrocesso ao nível da independência económica, de projecto social democrático e do discurso político (paradoxalmente entre os parlamentares, os representantes do povo).

Existem aspectos positivos, sim; é verdade que os há. E felizmente que os há! Há que dizer, no entanto, que o facto do Governo (i) não ter o suporte parlamentar de uma maioria qualificada, como os dois primeiros governos depois de 1991 tiveram; (ii) de haver a convergência com o Euro (logo, uma limitação no plano da política monetária); (iii) e uma limitação da acção governativa no plano fiscal (que limita as políticas financeiras do Governo), além (iv) as limitações ex natura da estrutura económica e insular do país e a que acresce (v) a crise económica internacional e que tornam a acção governativa particularmente penosa sem, no entanto, serem situações ou razões desculpantes para a maioria dos males que o país sofre. É que o povo de Cabo Verde não quer uma política de sobrevivência, quer e ambiciona mais: uma política de desenvolvimento real, efectivo e sem ter de hipotecar os valores fundamentais que abraçou ao se tornar num Estado de democracia pluripartidária.

«O Presidente Obama e eu dizemos: sim, é possível, a boa governação em África. Olhem para Cabo Verde» – Hillary Clinton dixit. Isto é, no meio disso tudo que enumeramos, uma coisa resulta clara e espantosa para os americanos: não seremos, neste aspecto da boa governação, um exemplo somente para África mas para todo o Mundo: a nossa bolsa de valores não sente a crise internacional e, mais do que tudo, a nossa economia é blindada e anti-crise. Hillary Clinton levou a receita na bagagem, e o Luminoso Obama poderá, agora, fazer jus ao seu nome. Quem sabe, lá mais para a frente, não venhamos a ter um Nobel crioulo: o inventor da receita para vencer a recessão económica Mundial e a crise do capitalismo selvagem.

Mas, ironia a parte, o que foi dito é uma prova pleníssima de que a boa governação não é assim tão boa como se diz e se apregoa! Esta «boa governação», bem vendida e comprada por Hillary Clinton e o Luminoso Obama (o que exige ciência, diga-se an passant), faz-me lembrar o que Kant disse quando, em Konisberg, foi informado das atrocidades que se cometiam em França depois da revolução: «é o homem a aprender a viver em liberdade». O que não é, de todo, um elogio à percepção dos nossos parceiros e amigos americanos da realidade; não somente de Cabo Verde, mas de África em geral.

Agora, como disse em outra ocasião e aqui neste mesmo espaço, uma coisa resulta certa: governar um país com as fragilidades económicas e sociais de Cabo Verde é um exercício contínuo de milagre(s); e se queremos almejar a um Mundo Novo – admirável ou não – temos que o construir com transparência e verdade, pois esta liberta e aquela credibiliza. É com elas que se pode construir, como diz o Primeiro Ministro José Maria Neves, uma África nova, optimista e positiva. Por isso é que as instituições devem funcionar!

E, em Cabo Verde, as instituições funcionam? – perguntar-me-á. É, de todo, uma pergunta retórica, pois (i) A crise endémica na Justiça, (ii) a crise social: desemprego, criminalidade, pobreza, (iii) a falência da Assembleia Nacional (que delegou numa Comissão político-partidária a sua função mais nobre: rever a Constituição) em encontrar uma solução de revisão da Constituição, (iv) o não funcionamento do Provedor de Justiça e do Tribunal Constitucional, com funções estruturantes no Estado de Direito cabo-verdiano.
--- Publicado inicialmente em Liberal on line

sábado, 22 de agosto de 2009

Video: Entrevista da Al Jazeera Jean Pierre Bemba na sua casa em Faro, Algarve, Portugal, em 2007.

  • A LEI DO ABSURDO

O Tribunal Penal Internacional decidiu colocar Jean Pierre Bemba, ex-Vice-Presidente da Republica Democrática do Congo, em liberdade provisória; mas Portugal & companhia (os mesmos que o foram buscar a Kinshasa para exilar-se em terras lusas), não deixam.
--- Leia o
Despacho judicial de Ekaterina Trendafilova, Juiz da III Câmara de Instrução do Tribunal Penal Internacional.

  • PROMETEO (1774)
¡Cubre tu cielo Zeus
con bruma de nubes
y como un jovenzuelo
que cardos decapita
ejercítate en robles y altas montañas!
Tienes que dejarme
mi tierra sin embargo
y mi choza
que tú no has hecho
y mi hogar
cuyo fuego
me envidias.

No conozco nada más pobre
bajo el sol que vosotros, dioses.
Alimentáis parcamente
de ofrendas
y aliento de oraciones
vuestra majestad
y viviríais en la miseria
si no fueran
niños y mendigos
locos llenos de esperanza.

Cuando era un niño
no sabía nada de nada,
dirigía mi ojo extraviado
al sol, como si allí hubiera
un oído para oír mi queja,
un corazón como el mío
que de mi apuro se compadeciera.

¿Quién me ayudó contra
la arrogancia de los titanes,
quien me salvó de la esclavitud
de la muerte?
No lo has logrado todo tú,
santo corazón ardiente
y ardías joven y bien,
engañado, gracia de salvación
para el durmiente allí arriba.

¿Honrarte? ¿Por qué?
¿Has paliado los dolores
alguna vez del agravado,
has aplacado las lágrimas
alguna vez del angustiado?
¿No me ha forjado hombre
el poderoso tiempo
y el eterno destino,
mis señores y los tuyos?

Te figuras acaso
que debía odiar la vida,
huir al desierto,
porque no todos los sueños floridos
de las mañanas de la infancia
maduraron.

¡Aquí estoy sentado, forma hombres
a mi semejanza,
una estirpe que a mí sea igual
en sufrir, llorar,
gozar y alegrarse
y en no respetarte
como yo!
----- Goethe
in Johann Wolfgang Goethe, La Vida es Buena (Cien poemas), Madrid, Visor, 1999

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cartas D'Amor de Eça de Queirós
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  • PRIMEIRA CARTA A CLARA
Não, não foi na Exposição dos Aguarelistas, em Março, que eu tive consigo o meu primeiro encontro, por mandado dos Fados. Foi no inverno, minha adorada amiga, no baile dos Tressans. Foi aí que a vi, conversando com Madame de Jouarre, diante de um console, cujas luzes, entre os molhos de orquídeas, punham nos seus cabelos aquele nimbo de ouro que tão justamente lhe pertence como “rainha de graça entre as mulheres”. Lembro ainda, bem religiosamente, o seu sorrir cansado, o vestido preto com relevos cor de botão de ouro, o leque antigo que tinha fechado no regaço; mas logo tudo em redor me pareceu irreparavelmente enfadonho e feio; e voltei a readmirar, a meditar em silêncio a sua beleza, que me prendia pelo esplendor patente e compreensível, e ainda por não sei quê de fino, de espiritual, de dolente e de meigo que brilhava através e vinha da alma. E tão intensamente me embebi nessa contemplação, que levei comigo a sua imagem, decorada e inteira, sem esquecer um fio dos seus cabelos ou uma ondulação da seda que a cobria, e corri a encerrar-me com ela, alvoroçado, como um artista que nalgum escuro armazém, entre poeira e cacos, descobrisse a obra sublime de um mestre perfeito.

E, por que o não confessarei? Essa imagem foi para mim, ao princípio, meramente um quadro, pendurado no fundo da minha alma, que eu a cada doce momento olhava – mas para lhe louvar apenas, com crescente surpresa, os encantos diversos de linha e de cor. Era somente uma rara tela, posta em sacrário, imóvel e muda no seu brilho, sem outra influência mais sobre mim que a de uma forma muito bela que cativa um gosto muito educado. O meu ser continuava livre, atento às curiosidades que até aí o seduziam, aberto aos sentimentos que até aí o solicitavam; - e só quando sentia a fadiga das coisas imperfeitas ou o desejo novo de uma ocupação mais pura, regressava à imagem que em mim guardava, como um Fra Angélico, no seu claustro, pousando os pincéis ao fim do dia, e ajoelhando ante a Madona a implorar dela repouso e inspiração superior.

Pouco a pouco, porém, tudo o que não foi esta contemplação, perdeu para mim o valor e encanto. Comecei a viver cada dia mais retirado no fundo da minha alma, perdido na admiração da imagem que lá rebrilhava - até que só essa ocupação me pareceu digna da vida, no mundo todo não reconheci mais que uma aparência inconstante, e fui como um monge na sua cela, alheio às coisas mais reais, de joelhos e hirto no seu sonho, que é para ele a única realidade.

Mas não era, minha adorada amiga, um pálido e passivo êxtase diante da sua imagem. Não! Era antes um ansioso e forte estudo dela, com que eu procurava conhecer através da forma e essência, e (pois a Beleza é o esplendor da Verdade) deduzir das perfeições do seu Corpo as superioridades da sua Alma. E foi assim que lentamente surpreendi o segredo da sua natureza; a sua clara testa que o cabelo descobre, tão clara e lisa, logo me contou a retidão do seu pensar: o seu sorriso, de uma nobreza tão intelectual, facilmente me revelou o seu desdém do mundanal e do efêmero, a sua incansável aspiração para um viver de verdade: cada graça de seus movimentos me traiu uma delicadeza do seu gosto: e nos seus olhos diferenciei o que neles tão adoravelmente se confunde, luz de razão, calor que melhor alumia... Já a certeza de tantas perfeições bastaria a fazer dobrar, numa adoração perpétua, os joelhos mais rebeldes. Mas sucedeu ainda que, ao passo que a compreendia e que a sua Essência se me manifestava, assim visível e quase tangível, uma influência descia dela sobre mim – uma influência estranha, diferente de todas as influências humanas, e que me dominava com transcendente onipotência.

Como lhe poderei dizer? Monge, fechado na minha cela, comecei a aspirar à santidade, para me harmonizar e merecer a convivência com a Santa a que me votara. Fiz então sobre mim um áspero exame de consciência. Investiguei com inquietação se o meu pensar era condigno da pureza do seu pensar; se no meu gosto não haveria desconcertos que pudessem ferir a disciplina do seu gosto; se a minha idéia da vida era tão alta e séria como aquela que eu pressentira na espiritualidade do seu olhar, do seu sorrir; e se meu coração não se dispersara e enfraquecera de mais para poder palpitar com paralelo vigor junto do seu coração. E tem sido em mim agora um arquejante esforço para subir a uma perfeição idêntica àquela que em si tão submissamente adoro.

De sorte que a minha querida amiga, sem saber, se tornou a minha educadora. E tão dependente fiquei logo desta direção, que já não posso conceber os movimentos do meu ser senão governados por ela e por ela enobrecidos. Perfeitamente sei que tudo o que hoje surge em mim de algum valor, idéia ou sentimento, é obra dessa educação que a sua alma dá à minha, de longe, só com existir e ser compreendida. Se hoje me abandonasse a sua influência - devia antes dizer, como um asceta, a sua Graça – todo eu rolaria para uma inferioridade sem remição. Veja pois como se me tornou necessária e preciosa... E considere que, para exercer esta supremacia salvadora, as suas mãos não tiveram de se impor sobre as minhas – bastou que eu a avistasse de longe, numa festa, resplandecendo. Assim um arbusto silvestre floresce à borda de um fosso, porque lá em cima nos remotos céus fulge um grande sol, que não o vê, não o conhece, e magnanimamente o faz crescer, desabrochar, e dar o seu curto aroma... Por isso o meu amor tinge esse sentimento indescrito e sem nome que a Planta, se tivesse consciência, sentiria pela luz.

E considere ainda que, necessitando de si como da luz, nada lhe rogo, nenhum bem imploro de quem tanto pode e é para mim dona de todo bem. Só desejo que me deixe viver sob essa influência, que, emanando do simples brilho das suas perfeições, tão fácil e docemente opera o meu aperfeiçoamento. Só peco esta permissão caridosa. Veja pois quanto me conservo distante e vago, na esbatida humildade de uma adoração que até receia que o seu murmúrio, um murmúrio de prece, roce o vestido da imagem divina...

Mas se a minha querida amiga por acaso, certa do meu renunciamento a toda a recompensa terrestre, me permitisse desenrolar junto de si, num dia de solidão, a agitada confidência do meu peito, decerto faria um ato de inefável misericórdia – como outrora a Virgem Maria quando animava os seus adoradores, ermitas e santos, descendo numa nuvem e concedendo-lhes um sorriso fugitivo, ou deixando-lhes cair entre as mãos erguidas uma rosa do paraíso. Assim, amanhã, vou passar a tarde com Madame de Jouarre. Não há aí a santidade de uma cela ou de uma ermida, mas quase o seu isolamento: e se a minha querida amiga surgisse, em pleno resplendor, e eu recebesse de si, não direi uma rosa, mas um sorriso, ficaria então radiosamente seguro de que este amor, ou este meu sentimento indescrito e sem nome que vai além do amor, encontra ante seus olhos piedade e permissão para esperar. Fradique
in Eça de Queirós, Cartas D'Amor - O Efêmero Feminino, Garamond, Rio de Janeiro, 2001
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Imagem: Auto Retrato, Salvador Dali (1954)

  • O MEU POETA
A vida é rápida, nós somos um relampago diurno — disse o meu poeta.

Imegem: Almada Negreiros

  • EU SOU TREZENTOS...
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
---- Mário de Andrade
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Imagem: Serria Tawan

  • MALCOLM X ON BLACK NACIONALISM

Dá que pensar, se se transpor este discurso para um universo e uma realidade mais alargadas. Em vez de negros e brancos, falar-se de ricos e pobres (os pobres que muitos, ao que parece, não querem doutores) ou de «classe mais baixa», como dizia uma Ministra em terras de morabeza, e a elite "esclarecida" e bem instalada.

Alguém se lembra(rá) das razões da luta pela independência em África, e pela consagração efectiva dos direitos cívicos nos Estados Unidos da América? Do orgulho que era, então – mesmo sob o jugo opressor –, ser-se africano ou afro-descendente? Alguma coisa de muito errado anda por aí, e todos sabemos o que é. Não me perguntem, pois "alguém ainda será crucificado" — como dizia o poeta.

¿Qué loco sembrador anda en la noche, aventando luceros que no han de germinar nunca en la tierra? Dulce Maria Loynaz, CXXII
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AS MASCARAS DA MORABEZA CABO-VERDIANA E SUBTILEZAS: «O AL BINDA QUE MORRA!»

A propósito de um ser que recusa a sê-lo e que se auto-baptizou como Al Binda, pergunto a mim mesmo: como é que pessoas inteligentes conseguem o milagre de confundir a nuvem com Juno? Ausência de colírio de razão, falência de percepção, a seu tempo descortinável – quando a chuva cair. Esse Al Binda incomoda muita gente, lá isso faz – a maioria das vezes sem razão de ciência ou qualquer outra, mas incomoda; como verifiquei ao ler uma notícia sobre Abílio Duarte no A Semana on line.

Li no diário on line, um comentário de «Jorge Alberto» (um renomado e respeitado político da terra que usa este e outros nomes como máscaras para fazer desabafos políticos que não pode [!?] fazer com nome próprio – o que até compreendo; em parte…) a dizer ipsis verbis:

«Mas já não se compreende tanta monstruosidade vinda de gente portadora de uma certa cultura, mas que, a coberto de pseudómino, aproveitam para se armarem em ignorantes para conspurcar a cidadania de todos aqueles que não leram pelas suas cartilhas. É o caso do Al Binda que, uma vez desmascarado, passou a utilizar o pseudónino de Underdoglas, para continuar a passar por ignorante, e poder dizer asneiras por má-fé, quando se trata de alguém que, basta que se saiba quem ele é, para ser desmascarado como um homem culto e conhecido por muita gente da sua geração. Só não divulgo neste fórum quem é esse tal de Al Binda ou Underdoglas, porque não me compete fazer isso, visto seria um desrespeito pela privacidade dos outros. Só que a continuar assim e se a pessoa não respeita aos outros, poderá também um dia desses não merecer o nosso respeito!»

Ora, quem não respeita os outros não merece ser respeitado (e sei que o Jorge Alberto, nem que seja por razões de formação e ideológica, leu Kant e conhece os imperativos morais deste), pelo que revelar a verdade e desmascarar um sepulcro caiado e mascarado não é violação de nenhum dever. Violação de um dever moral é saber quem é que ofende, ameaça e vilipendia cidadãos que dão a cara, que não se escondem nos vãos de qualquer coisa ou raios que o parte, e muito menos em discursos velados. Mas cada um é como é, e cada um vê o que é capaz e chega para ver; nem sempre «somos a medida de todas coisas», como diria Protágoras. Nossa S´nhora d´riôla rogai por nós! Coisas da natureza – dir-me-á o meu poeta.

Sei que o Jorge Alberto, também, não gostaria que se soubesse quem ele é – naturalmente. E o Al Binda, estou certo, se soubesse quem é o Jorge Alberto há muito que o teria gritado aos quatro ventos, em particular ao zéfiro do Leste antes de uma chuva serôdia. Há cerca de um mês escrevi uma Carta Aberta a um amigo – que, por acaso, é um amigo próximo do Jorge Alberto (esse andou a veicular, acintosamente, que eu era o Al Binda) –, e, como é do meu timbre, disse-lhe o que tinha a dizer e informei-o de que iria publicar a dita carta (pois é justo que as pessoas que convivem connosco saibam por nossa voz o que dizemos e pensamos delas). Pediu-me encarecidamente para não o fazer, e acedi ao seu pedido: as minhas razões eram e são menores que os prejuízos que lhe poderia causar. O que o «Jorge Alberto» não sabe, e agora fica a saber, é que, um dia destes, terá de dizer quem é o Al Binda – num tribunal qualquer. E terá de o fazer não como «Jorge Alberto» mas com o seu nome de baptismo; coisa que, certamente, não quererá nem desejará.

Por isso, ó M.I. «Jorge Alberto», fica aqui, sem subtilezas, um desafio ao cidadão responsável que é: diga quem é o Al Binda! E se achar que sou eu (já, noutra ocasião, perguntou a um amigo comum se eu era um outro mascarado – hoje percebo porquê, pois não entendia, até há pouco tempo, essa cultura de mascrinha e os seus objectivos); diga-o! Eu, da minha parte, prometo que não revelarei a sua identidade real – de forma directa ou indirecta – e apelo a quem o saiba para, do mesmo modo, não o fazer. Agora, esta forma de fazer política no anonimato não me parece coisa muita digna – como me disse em determinada ocasião, Cícero primava pela frontalidade; e quem é político deve, tem o dever de o fazer a todo o momento.

Cícero, ó «Jorge Alberto», se vivesse hoje faria o mesmo a Catilina, não usaria o pseudónimo, não! Afinal, se fosse o Almada Negreiros – o que era merecido mesmo era um «Manifesto Anti Dantas» a esse Al Binda; sendo certo que não me parece ser merecedor de tanto. Ratos, «Jorge Alberto», matam-se com DDT (já agora, use um pouco para si mesmo, suicide essa mascara e ressuscite para a luz do dia – para a arena da política «transparente»).

E essa profilaxia social, ó «Jorge Alberto», é feita, deve ser feita, de forma adequada e com verdade por toda a sociedade, por todos nós – uns com mais responsabilidades do que outros; e no seu caso tem responsabilidades acrescidas. Pois de outro modo, tenho de fazer-lhe a mesma pergunta que o Mário Matos fez, bem, no A Semana on line: «Dondê sociedade civil?» (deve perguntar ao Primeiro Ministro e líder do PAICV, pois não foi ele que disse – a propósito da visita de Hillary Clinton a Cabo Verde – que temos uma sociedade civil forte? Ah!, cogito: será que o Mário Matos começa a discordar do líder antes do tempo programado?). Não queira, ó «Jorge Alberto», ser um desaparecido ou naufrago social, parte de «uma geração representada por um Dantas» – como dizia Almada Negreiros. Assim, o Dantas, id est, o Al Binda «que morra». Pim!

É responsabilidade sua, a de «matar» o Al Binda e ressuscitá-lo para a luz do dia (se não o fizer é, moralmente, responsável pelas ofensas e afrontas que o mesmo venha a perpetrar contra os seus concidadão). Se sou instigador e possível autor moral deste «homicídio de pessoa moral»? Sim, assumo a responsabilidade de o instigar a dizer a verdade, a limpar o porão até de si mesmo: assuma, ó «Jorge Alberto», a sua responsabilidade social nesta matéria; pois outra coisa não é de esperar da pessoa atrás do «Jorge Alberto». Pim!

Também sabemos que os Al Bindas, Underdouglas e quejandos fazem-lhe um favor político pouco descortinável mas vital, não é, ó «Jorge Alberto»? Pim! Por esta razão, não tenho muitas esperanças de que venha a dizer quem é o Al Binda e/ou o Underdouglas; pois este ainda vai fazendo alguns favores políticos (se calhar sem se aperceber de que é instrumentalizado – talvez por inconsistência política e necessidade de «dar nas vistas») a ambos os lados da barricada. Enfim: somos um país de subtilezas e nem sempre somos capazes de as entender; daí existir uma fome larvar a alastrar pela nação inteira e que não é de pão...
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Imagem: Fernado Pessoa, Almada Negreiros