sábado, 31 de outubro de 2009

  • PÉROLAS VERDADEIRAS

    Acabo de ouvir na RCV o discurso de Carlos Veiga no encerramento da Convenção do MPD. Um discurso claro, com ideias, curadora de eventuais feridas internas — que se tem tentado, bem, evitar —, congregador do partido e mobilizador ao nível interno e externo, e demarcando o inimigo do MPD: a pobreza e a falta de desenvolvimento do país.

    A moção de estratégia em si, é documento para ser lido e analisado com cuidado. O que ouvi, durante o discurso e depois — durante a Conferência de Imprensa, segundo deu para entender — agradou-me. Muito, devo dizer. Alguns ilações podem ser tiradas, algumas particularmente interessantes, mas isso fica para depois. Agora, resta ver os órgãos eleitos do partido, e saber quem é que foi eleito para se ter uma ideia do que o novo líder do MPD pode contar, e esperar pelas decisões necessárias que terá de tomar. No discurso, começou bem. É que, em verdade, a liderança de Carlos Veiga começa hoje, hoje é o dia zero. Amanhã é um outro dia, que seja novo.

    Eu, vou ver o Braga-Benfica.

Ao (re)ler Caim, de José Saramago, lembro-me da obra de um outro ateísta: Arthur Miller, nomeadamente o seu livro The Creation of the World and Other Business. Absolutamente compreensível, pois nihil novi sub sole. E o nobelado anuncia um «nunca visto atrevimento» da sua obra...

A analogia com Saramago não se fica pela obra, estende-se a perplexidade perante a possibilidade de perder-se a consciência e a sua luta, o connatus essendi, de preservarem o seu ser para além da morte, Arthur Miller (como confessa, expressamente, em entrevista que concedeu há alguns anos a BBC) através da sua obra, José Saramago através desta e de mais, muito mais: a sua intervenção política e uma desesperada imitatio mártir do passado.

Imagem: Marilyn Monroe (1954), antes de casar com Arthur Miller

  • MOMENTO ERÓTICO
Por vezes… a maior parte das vezes, o melhor seria ter os olhos a parte necessária e bela da vida dos sentidos. O que não aplaca os olhos, não aplaca a alma. E assim, evitei de mandar três rodas de ppp que seriam bem merecidas.

Imagem: Shannon Stewart

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

  • PIGS IN THE PARLOR

    Por vezes, lemos coisas tão absurdas que, para não se sermos mal-educados resta-nos ser gráficos. O absentismo presente, o uso de instrumentos de trabalho, em particular de órgãos do Estado para se ter «bases de dados» privados – que, note-se, viola normas jurídicas (pois é, «legalismu») – para fins de propaganda política é coisa a ter-se em conta na terra da morabeza, onde se confunde «morabeza» com fraternidade…

    Os fins, por mais nobres que possam ser ou parecer não justificam os meios. Mas há quem ache que sim, by any means necessary, é o lema. Mas, porque escrevo isso, se o que quero e me lembro mesmo é das palavras do meu Mestre, sim o quero mesmo é ser gráfico, direccionadamente gráfico.gov? Que seja, e seja entendido. I am not talking just about giving parlors to pigs, i am talking about "pigs in the parlor"!

  • MOMENTO ZEN

PUSHKIN E ANNA KARÉNINA DE TOLSTOI

Por vezes fazemos e dizemos coisas cujas consequências não somos capazes de imaginar. O acidente, o incidente ou, simplesmente, o que compartilhamos pode gerar mundos.
A propósito da língua, no outro referia-me a Pushkin e a Gogol e recebi um e-mail a perguntar-me a que isso tinha a ver com a língua, que o cabo-verdiano é sui generis, que é uma coisa nova e grandiosa. Sorri, pois só poderia fazer isso — perante isso e outras coisas mais.

O que me lembrou da sábia asserção de Salomão: nada há de novo debaixo do Sol; sim tudo tem uma origem, uma razão e um sentido. Aconselhei uma amiga a ler Anna Karénina uma das maiores obras da história da literatura — de Tolstoi. Decorria o ano de 1875 quando o Conde Tolstoi recebeu na sua casa em Yasnaya Polyana a visita de um familiar, cujo nome não vislumbro de momento (se calhar não sei, pois se soubesse lembrar-me-ia), que estava a ler Pushkin. Esse bendito afro-russo, o maior dos poetas de língua russa e inspirador das melhores obras de Nicolai Gogol — pater do realismo russo — estava, sem saber, prestes a legar mais à humanidade estética.

Por mero acidente, na verdade curiosidade que um escritor não excessivamente arrogante tem, Tolstoi agarrou na obra e, enquanto dava «uma vista de olhos» na obra alguém entrou na sala e ele exclamou:
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— Aqui está uma coisa deliciosa! Esta é a forma de escrever! Pushkin vai ao coração da matéria!
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Tolstoi ficou de tal modo impressionado com a assertividade e clareza de Pushkin que se reviu, imediatamente, na sua escrita. Sem mais, pediu para não ser interrompido a nenhum pretexto ou razão e fechou-se na sua livraria. E começou, nesse momento, a escrever a sua obra maior: Anna Karénina. Levaria anos para a terminar, iniciando-se a sua publicação no Mensageiro Russo de 1875. Momentos, despertares

Imagem: Alexander Pushkin

  • Quem estiver em Coimbra... contos curtos de classicos russos, para ouvir.

  • Yo quiero te amar, diserte que no hay cosas, cielo y todo sin te, además Dios eres tú, ¿no?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

  • CINCO. EU, O MEU POETA, MARYLIN, DEUS E O MAL

«Uma das provas que Deus não existe é Marilyn Monroe ter-se casado com Arthur Miller» diz-me o meu poeta. E lá vou eu, de mão na cabeça, desbravar memórias.

Marilyn Monroe depois de um casamento atribulado com Joe di Maggio, casou-se com Arthur Miller, um homem cujo objectivo na vida era deixar a sua consciência na sua obra literária e não propriamente amar. Novo divórcio, é claro. A busca do amor (que é mais difícil de ser encontrado por pessoas especiais e capazes de amar) levou-a a um amor necessariamente de furna com John Fitzgerald Kennedy, a um desgosto profundo de quem sabia merecer mais do mais simples que se pode exigir: amor.

Como é que a mulher não poderia se suicidar? Um pensava que era Deus, outro que Deus não existia e o terceiro não pensava que era Deus mas mais do que Ele. Não há alma que resista. Sim – como me disse o meu poeta –, a culpa de Deus será admitir na existência pessoas boas… pois a evolução natural diz-nos que os fortes sobrevivem, e os fracos perecem; que isto está inscrito no padrão genético de cada um que procura perpetuar-se, by any means necessary.

Será por isso que muita gente confunde a bondade, o perdão, a urbanidade e a gentileza com fraqueza? Será por isso que o padrão do mal cresce a cada dia que passa, e as pessoas se tornam mais duras e desumanas (revelam-se, na verdade revelam-se)? Tudo indica que o mal vai vencer, que o humanismo e as transcendências mais não são do que formas de resistência ao mal. A final, será a natureza humana a vencer Deus (a nossa consciência e/ou inconsciência dEle), quando destruir toda a humanidade vergada sobre o fel do seu próprio mal.

Imagem: Marilyn Monroe

Alegres e contentes...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

  • O INÍCIO DO FIM DO ANGOLAGATE
O Angolagate, caso de tráfico de armas entre Angola e França durante o conflito armado angolano, chegou ao fim, pelo menos no tribunal correccional de Paris. Falcone, Arcadi Gaydamak, Mitterrand, Pasqua... o início do fim do processo, pois há muito para percorrer. Um processo de interesse particular para Angola e os angolanos, não por causa da decisão em si mas pelas revelações que constam no processo que, certamente, servirão de subsídio para se perceber (em particular pelos historiadores, politólogos e sociólogos) os contornos do conflito armado angolano e que o alimentou e se alimentou dele.

A magistratura francesa, com todas as suas particularidades, mostra-se verdadeiramente independente. Do poder político e não só, e não só... e iso é uma questão de cultura, sim: de cultura democrática.
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Imagem: Pierre Falcone saindo do tribunal

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

  • PRIMEIRAS IMPRESSÕES DA ASSEMBLEIA NACIONAL

Fiquei a saber, na voz da Deputada Janine Lelis: os novos juízes foram nomeados para o Supremo Tribunal de Justiça e… sem gabinetes. Como trabalham? — pergunto. Não faz mal, iis t’desenraká´s’iis midje — deverá ter pensado a tutela.

O líder da bancada do PAIC, Rui Semedo, diz que: «já há meios para se instalar o Tribunal Constitucional». Isto é, a culpa de não haver TC é, afinal de contas e do ponto de vista do PAICV, do MPD. Genial! — diria um espanhol. A Ministra da Justiça, Marisa Morais, diz que primeiro aprovam-se os nomes dos juízes, depois se fará a Portaria para os funcionários do Tribunal Constitucional e o demais… pois «já existem todos os meios». Mas que meios? Os valores aprovados no Orçamento do Estado? Ninguém perguntou, e ninguém disse.

Todos perceberam: primeiro a mobília, depois a casa. Ah! Esquecia-me (os deputados também): como foi aplicado as verbas inscritas no Orçamento de Estado para instalar, este ano que corre, o
Tribunal Constitucional? Há um edifício fantasma que será o Tribunal Constitucional e ninguém sabe. Será na Praia, em São Vicente, na Assomada ou no Ribeira Brava, Nova Sintra, algures no Maio ou São Filipe? Ninguém quer saber? Nem um pouquinho de curiosidade, um b’kedim, um nikim de kuriosidad (agora é assim que se escreve, kapado!) ó nhis gent?

O MPD, ao parece, ainda continua a não estudar o discurso; a não ter uma estratégia parlamentar. A Cristina Fontes, Ministra da Defesa e da Reforma do Estado, diz coisas com sentido no que a Justiça diz respeito; até porque são evidências. Pena é não ser acompanhada por outros… media via, media via. Faz sentido o que diz.

A boa oposição (má para o poder) não pode ser, não deve ser cega, e muito menos obtusa. É um problema estrutural, ou mera falta de perspectiva? A verdade é que o país não melhorará enquanto a oposição não melhorar, não for mais incisiva e consciente da sua função. O facto de o MPD ter, neste momento, um líder que não é parlamentar dificulta-lhe a estratégia, mas não explica muita coisa.

Correndo o risco de ser injusto – e se for o caso penitencio-me e pedirei desculpas ao visado – parece-me que percebi um facto insólito: é impressão minha ou um deputado da oposição tinha a pergunta (a ser feita ao Secretário de Estado da Educação) escrita, e leu-a como mau aluno da terceira classe? A rádio tem dessas coisas… e a vida também: é um sofrimento, ouvir e não ouvir estes deputados, este Parlamento. Ó Marcelo! Marcelo

Yasnaya Polyana, casa onde Lev Tolstoi nasceu, viveu e morreu.

domingo, 25 de outubro de 2009

  • A FRANÇA E A CASTRAÇÃO QUÍMICA DOS AGRESSORES SEXUAIS

    A França prepara uma legislação draconiana para os autores de crimes sexuais: a castração química. No plano das políticas criminais é, será uma medida proporcional e adequada e nos termos em que é proposta? Se em alguns casos limite a castração química poderá ser a única solução adequada no âmbito da ponderação dos direitos e interesses legítimos do agente do crime e da sociedade, já me parece excessivo ter uma lei que – no quadro do direito penal da culpa – se recorra a isso como mecanismo genérico.

    O problema é que, e nisso resta a minha preocupação maior, no âmbito do direito penal da culpa os prevaricadores sexuais são, em regra, inimputáveis e nem sempre são tratados como um perigo social mas como criminosos comuns – em vez de aplicar-se-lhes medidas de segurança de forma a evitar-se problemas de reincidência, são sancionados com penas que não resolvem o problema de base: as patologias.

    A França, segundo intenções do seu executivo, resolveu recorrer ao mecanismo draconiano da castração química. Isso, em dado plano, pode ser considerado por muitos como adequada – e nem sempre é –, mas levanta muitos problemas nos planos técnico e ético que não são despiciendas. O que os franceses querem é uma pena depois do agressor sexual ter cumprido a pena (e note-se que entre os agressores sexuais existem os acidentais e os patológicos, o que demanda um tratamento diferenciado), uma espécie de «tratamento preventivo» compulsivo.

    A verdadeira pátria das liberdades anda a desviar-se em demasia dos cânones dos direitos fundamentais da pessoa humana, como neste caso. E existem outras soluções possíveis, é uma questão de olhar-se para o direito penal para além da culpa, da mera retracção vingativa que o admirável mundo novo da genética nos impele a reflectir, a perceber num outro quadro a problemática da criminalidade sexual. De todo o modo, estou certo que
    Michèle Alliot-Marie não conseguirá separar a sua condição de mulher da de Ministra do Interior da França com um Presidente como Nicholas Sarkosy e tudo fará para aprovar tal legislação. É uma perspectiva que dá votos, muitos votos e popularidade. Mas será adequada, justa? Ao ler uma entrevista da Ministra Michèle Alliot-Marie ao Le Figaro, as minhas dúvidas e preocupações adensaram-se.

    Imagem: Michèle Alliot-Marie, Ministra do Interior da França

O expressionismo

Os Princípios de Bangalore e Cabo Verde

  • REIVINDICAÇÃO DA ARTE

    A boa, que ao seu amor nada nega
    E se lhe entrega com antecipação
    Saiba: que não é boa vontade não
    Mas talento, o que ele deseja na esfrega.

    Mesmo se à velocidade do som
    Do sou-tua dela à cópula chega
    Não é pressa que o botão dele carrega
    Quando às bolas seminais dá vazão.

    Se é o amor que primeiro atiça o fogo
    Precisa ela depois, para Inverno amparado
    De ser dona ainda de um traseiro dotado.

    De facto, mais que o fervor no olhar
    (Também faz falta) um truque há que usar:
    Coxas soberbas, em soberbo jogo.
    ----- Bertolt Brecht, Poesia erótica
Imagem: Stock Whipping, Milo Manara

sábado, 24 de outubro de 2009

  • MANUEL VEIGA E O LEILÃO DO DIA DA CULTURA

Acabo de ouvir algumas declarações do Manuel Veiga, Ministro da Cultura, no programa Ao Sábado da RCV. E teve uma ideia maravilhosa: leiloar o dia Nacional de Cultura a ilha, isto é a Câmara Municipal, que der mais, ganha. Deus! E depois acrescenta que a cultura é de todo o país, e que algumas ilhas não dispoem de condições necessárias para acolher as celebrações do Dia Nacional da Cultura. Mas, não é ao Governo de que faz parte que deve(ria) criar essas condições, desenvolvendo e promovendo o desenvolvimento das ilhas? O que devo dizer? No comments! At all.

Ah, parece que — pela forma como fala — o Ministro da Cultura não se considera remodelável. Depois se verá, a semana e o novo ciclo ainda não começou — acho e diz-me o meu oráculo. Será que o Ministro da Cultura pensa que o povo é pateta, que não ouve, não vê e não fala? Não creio, e isso é que me espanta ainda mais: o silêncio tumular, a falta de reacção — de muitos e demasiados.

A oposição não pode limitar-se a mudar de líder, e ficar na mesma: adormecida. Não pode, não.

Imagem: Salvador Dali

Escrevi um Manifesto Contra José Saramago, e tenho andado entre o send e o delete. Vale a pena? That’s the question. Escrevi outra há uns meses atrás e por razão e pessoa diversa , mas guardei-a (saberá lá Deus e mais alguém porquê). É melhor ter um amigo do que ter razão.

Imagem: Cipião Emiliano (Africanus maximus) recebendo vassalagem, Federico Madrazo

Summer Altice

  • MOMENTO ERÓTICO

  • ULTIMAS PALAVRAS1
"Hoje estais queimando um ganso, mas dentro de um século, encontrar-vos-eis perante um cisne. E esse não podereis queimar", John Huss

Imagem: Gun, Andy Warhol

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1 De João Huss aos seus algozes e ao carrasco.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

  • O PRÉMIO ANDREI SHAKAROV PARA A LIBERDADE DE PENSAMENTO

    O Prémio Shakarov para a Liberdade de Pensamento foi atribuído ao Memorial, ONG russa de que Andrei Shakarov foi membro. Oportuno, este reconhecimento do Parlamento Europeu a uma luta que vem de longe, de muito longe… e que muita gente, usando da sua liberdade de pensamento e de expressão, esquece. Humana conditio. Confesso que, por vezes, tenho vontade de lançar uns tomates e uns ovos bem podres aos senhores no Parlamento Europeu, mas saber desta decisão faz-me pensar, por algum tempo, que são capazes de tomar decisões para além dos interesses dos grupos políticos desse Fórum que prometeu tanto e não passa de uma imensa torre de marfim.
Imagem: Andrei Dimitrievich Sakharov

  • A BIOGRAFIA DE CARLOS VEIGA

    Uma coisa nova em Cabo Verde, no plano do género literário
    a biografia política. A capa não é esteticamente apelativa, não se pode dizer que seja bem conseguida. Esperemos que o conteúdo o seja, pois o biografado cauciona a obra com a sua presença e intervenção no lançamento da mesma. Será isso prudente? A obra e o tempo o dirão.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

  • A NOVA CULTURA E O PRÉMIO LITERÁRIO PEDRO CARDOSO

A produção da cultura cabo-verdiana encontra-se espartilhada, infelizmente, na música e nalgumas manifestações de arte folclórica ou de artesanato para estrangeiro ver e comprar — e os artistas verdadeiros, por não servem como “verdadeiros artistas”, ficam na sombra. Mas, mais do que isso, algumas manifestações culturais imanentes não crescem para além do marketing do tradicional sabe k’cagá, da visibilidade dos media ou de lobbyes instalados que, no plano da literatura, por exemplo, só conseguem ver algumas figuras da escola claridosa (alimentando um saudosismo clássico que os remete à meras relíquias do passado), e do movimento Pro Cultura e autores da sua esfera de influência que, aos poucos, constroem um admirável mundo novo que sonham, há muito, substituir o movimento da Claridade. E o ALUPEC é um dos instrumentos principais para se alcançar tal objectivo.

O que, em verdade, tem cristalizado novas formas de ver e de entender a diversidade da alma literária cabo-verdiana que, ao contrário do se quer fazer crer, está para além dos claridosos e pós claridosos e do movimento Pro Cultura e seus filhos — como uma espécie de ruptura com o passado, tendo pelo meio Germano Almeida como referência de um romancear novo e um alvo a abater — pois o mundo e a realidade cultural cabo-verdiana é, hoje por hoje, não a de «um meio pequeno» mas a de um mundo global que muitos não querem ver e, em verdade, anseiam confinar a nação numas trevas esclarecidas ou iluminadas.

É uma tensão que existe muitas vezes não de literatura ou de cultura literária em si e por si, mas de origem geográfica ou meio social integrante do actor cultural — há muito e que a emergência de uma língua tecnicamente confinada a um grupo que a pariu e apadrinha há muito abre, com a sua «legalização», portas para a superação quantitativa dos claridosos e a consagração de um novo nativismo nacionalista e que se expressará na língua materna em forma do ALUPEC. O prémio literário Pedro Cardoso aparece nesse contexto, sem surpresas.

O Ministro da Cultura ouviu as críticas sobre as omissões do seu Ministério no ano passado, e criou uma bolsa ad hoc e com o nome de concurso literário. By the book, absolutamente. Eu até que, sem fazer de oráculo, consigo imaginar quem sugeriu o nome do patrono do prémio… Só faltou o Manuel Veiga, o Ministro da Cultura, ter concorrido e ganho o prémio com o livro que apresentou Dia Nacional da Cultura – certamente que financiado pelo fundo de promoção do ALUPEC/Ak…

Espanta-me, confesso, o silêncio sobre estas matérias que estão patentes há muito e que, ao que parece, ninguém quer ver. Se houvesse um índice de liberdade intelectual e cultural em Cabo Verde talvez fosse possível tirar algumas ilações como as que se podem tirar sobre a liberdade de imprensa e política nesta questão da língua cabo-verdiana não é preciso ninguém vir do exterior para nos dizer o que está bem e o que está mal.

E ocorre-me, agora, uma pergunta: Com tantos cientistas em Cabo Verde, não é hora de começarem a mostrar a ciência que são capazes de produzir, começarem a dizer o que se passa no país? Coisas como, por exemplo, (i) qual é taxa de desemprego real no país, e porquê é que tal é vista como um «dado normal»; (ii) porque as artes não são promovidas como ciência; (iii) porque o circuito da cultura é, quase, sempre a mesma, dos mesmos e para os mesmos; (iv) porque proliferam as universidades privadas, que vão assumindo a função do Estado, numa sociedade onde o acesso ao ensino público deveria ser universal e gratuito; (v) porque os lugares das instituições ligadas ao Estado, directa ou indirectamente, estão sob direcção de dirigentes partidários do presente ou do passado... & etc.

Estamos perante um dado cultural, ou será que, também aqui, estamos perante as cadeias partidárias — a ciência ao serviço da política e não da sociedade? Pergunta retórica? Talvez, talvez…

Imagem: Mariah Carey

  • Redemption song, Bob Marley

  • ON THE MASSACRE OF THE CHRISTIANS IN BULGARIA

    Christ, dost Thou live indeed? or are Thy bones
    Still straitened in their rock-hewn sepulchre?
    And was Thy Rising only dreamed by her
    Whose love of Thee for all her sin atones?

    For here the air is horrid with men’s groans,
    The priests who call upon Thy name are slain,
    Dost Thou not hear the bitter wail of pain
    From those whose children lie upon the stones?

    Come down, O Son of God! incestuous gloom
    Curtains the land, and through the starless night
    Over Thy Cross a Crescent moon I see!

    If Thou in very truth didst burst the tomb
    Come down, O Son of Man! and show Thy might
    Lest Mahomet be crowned instead of Thee!
    ----- Oscar Wilde

    Imagem: Boris Vallejo

  • VOZES DE ATENTAR
«Te es preciso inquirir todas las cosas con intención sencilla, ya sean las verdaderas persuasibles, o ya las opiniones de los hombres, en las cuales no se halla fe segura» Parménides de Elea

Imagem: Nietzsche

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

  • Casta Diva, Maria Callas

  • JOSÉ SARAMAGO E O ASSALTO AO CRISTIANISMO

    Raramente me aborreço com alguém (até porque aprendi a perdoar, em todas as circunstâncias), em particular se não conheço a pessoa em causa, mas não consigo e nem posso deixar de exteriorizar o meu desagrado para com José Saramago, pois, desta vez, passou dos limites do admissível e, para «o perverso deve-se ser indomável». A liberdade, verdade seja dita, tem limites, não é um absoluto. E, seja também dita, uma coisa é liberdade artística e outra, substancialmente diferente, a liberdade de expressão e os seus limites imanentes.

    Sou, como se sabe, defensor do direito à asneira, mas há asneira e asneira monumental, acintosa e degradadora da humanidade e da sua liberdade, que, como já dizia o homem de Konisnerg, tem o limite na liberdade do outro
    nomeadamente a de conhecer, de saber e de escolher ou não uma dimensão espiritual da vida. E não era Jesus Cristo quem dizia que «não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam a nós»? Saramago, pelos vistos, faz leitura selectiva — tipo pregador de terceira categoria.

    E se Saramago tinha toda a razão deste Mundo e dos possíveis para se sentir afrontado perante a tentativa de coarctarem a sua liberdade (e eu também, na altura, me senti afrontado — ainda que não subscrevesse alguns aspectos da sua obra — quando censuram O Evangelho Segundo Jesus Cristo), como é possível vir, hoje, defender a censura da Bíblia? O homem precisa de saber que ninguém sabe tudo, que o Princípio de Peter também se aplica aos nobelados. Se a Igreja Católica Apostólica Romana sofre, ainda hoje, as dores causadas pela culpa de ter queimado Giordano Bruno, João Huss e outros, eu não.

    E daqui da obscuridade da minha pena terá de ouvir o que lhe é devido, escutar o meu manifesto. Deus não entenderia o meu silêncio, e eu também não, pois há muito que não via nem ouvia tanta incontinência verbal, como a que José Saramago resolveu brindar o país e o mundo. Não, não farei como Pilatos. Essa tentativa de recrucificação moderna de Jesus Cristo não é nova, nomeadamente pelos marxistas; e o mundo cristão é frouxo na reacção, demasiado frouxo, intimidado pelos títulos e pela notoriedade dos seus assaltantes.
Imagem: Arte religiosa etíope

Selma Hayek

MOMENT(O) ERÓTICO

  • A CASA DA CULTURA E O CABO-VERDIANO NA HOLANDA

    Chegou à minha caixa de correio electrónico um e-mail em forma de anunciação que diz que informa que o Consulado Geral de Cabo Verde em Roterdão faz saber aos convidados (para a inauguração da Casa da Cultura e que acontecerá no 24 de Outubro, com início às 16h00 (4 horas da tarde), nas instalações da Casa da Cultura) que «no quadro da sua deslocação a Holanda S.E. Senhor Manuel Veiga, Ministro da Cultura de Cabo Verde irá proferir uma palestra subordinado ao tema “Caminhos da Valorização da Língua Caboverdiana”
    1, às 15h00 do próximo domingo dia 25 de Outubro, nas instalações da Casa da Cultura em Baan 6 - Rotterdam.

    No âmbito dessa palestra serão abordados os aspectos ligados ao ensino do crioulo. São convidados a estarem presentes nessa conferência de muita importância, podendo debater sobre a matéria com o Responsável da Cultura de Cabo Verde.» Quem quiser ir, atenção: o quadro de convidados é defenido a priori. É que isso de discutir a língua cabo-verdiana não é para todos, não. Fica, no entanto, o contacto do Consulado:
    http://www.conscv.nl/
Imagem: Jackson Pollock
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1 Já notou que, em alguns documentos públicos cabo-verdianos não se usa o hífen ao se escrever «cabo-verdiano» mas sim «caboverdiano», como se o Acordo Ortográfico já estivesse em vigor em Cabo Verde? No Brasil está, até ver… mas em Cabo verde não. É só um pormenor, um pormenor…

terça-feira, 20 de outubro de 2009

  • A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO PELVICO E A INCONTINENCIA URINÁRIA
    Palestra a ter em conta!
DIA 30 DE OUTUBRO DE 2009 - 20H

A musculatura do pavimento pélvico é responsável pela sustentação dos órgãos pélvicos e pela continência urinária e fecal; alterações na pelve podem levar a alterações posturais, prolapsos genitais, dores e disfunções sexuais.

A gravidez, a multiparidade, a obesidade, a menopausa e o sedentarismo são as principais causas da fraqueza da musculatura do pavimento pélvico.

Incontinência Urinária: A Incontinência Urinária é a perda involuntária de urina. 18 a 30% da população feminina com mais de 40 anos sofre desta patologia e a sua incidência nas mulheres mais jovens tem aumentado consideravelmente. Por acharem constrangedor ou por pensarem ser uma evolução normal da idade infelizmente são poucas as mulheres que relatam aos seus médicos a presença desta doença. A incontinência urinária leva a problemas sociais, psicológicos e de higiene, afectando a qualidade de vida destas mulheres; é uma das principais causas de internamento em lares pelo incómodo causado aos familiares.

O objectivo desta palestra é informar o modo de tratar estas patologias e obter melhor qualidade de vida, como prevenir eficazmente patologias do pavimento pélvico.

Participação por inscrição com a Associação Ser Inteiro Plataforma Transdisciplinar, Consultoria e Formação 214 075 993 - 914 523 064 - 967 551 176 siplataforma@gmail.com - http://www.serinteiro.com/

INFORMAÇÃO, MELHOR PREVENÇÃO, MAIS SAÚDE!

Imagem: Lola Luv

  • BERNARD KOUCHNER, O PRAGMÁTICO

Bernard Kouchner, disse em entrevista ao Le Figaro que os afegãos «deverão se entender»… Pois é, mas não é isso que a União Europeia e os Estados Unidos da América andam a tentar há anos? Será que é tempo de lembrar-se o que Luís XVI dizia a Turgot : «Não se pode obrigar um povo a ser feliz». Mas pode-se fazer feliz os poderosos, isso sim.

Bernard Kouchner, Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, tem uma perspectiva muito interessante do Direito internacional, e por vezes aparece com tiradas surpreendentes, como no caso da extradição de Roman Polansky, em que anunciou que «iria escrever», em conjunto com o seu homólogo da Polónia, Radoslaw Sikorski, à Hillary Clinton para pedir a libertação do realizador de nacionalidade francesa e de origem polaca. Como se a secretária de Estado norte-americana mandasse no sistema judicial suíço ou estado-unidense.

Dizia Bernard Kouchner que «não acusamos a justiça internacional, mas sim a maneira como foi utilizada», i.e., que Polansky foi convidado a ir para visitar a Suíça e foi preso no âmbito de uma acção da polícia helvética que considerou ser uma história «sinistra», pois o tratamento dado a Roman Polansky «não foi muito simpático». E porquê? Porque «um homem de tal talento, reconhecido no mundo inteiro, reconhecido no país onde foi detido» deveria ter um tratamento diferenciado. Ah!, Polansky, seja dito, é amigo de Bernard Kouchner… A Justiça funciona assim, infelizmente, mas há que manter as aparências, não é?

O chefe da diplomacia francesa é, decididamente, o homem indicado para conseguir com que os dois candidatos à Presidência do Afeganistão — ambos com culpas no cartório na massiva fraude eleitoral que ocorreu no país cheguem a um consenso. As leis? Ah, isso pouco importa. Há que ser-se simpático, pragmático e, se possível, salvar a cabeça do Presidente Karzai, o amigo do ocidente. As pessoas se entenderão, de uma maneira ou de outra. Política, real politics.

A solução, a única solução que se admite num Estado que se quer de Direito é só uma: uma segunda volta das eleições; isso na impossibilidade (a jurisprundência dos interesses...) de se inabilitar os dois candidatos que recorreram à fraude. Deveriam, ambos entender-se numa coisa: nenhum eles tem condições éticas e morias para ser Presidente do Afeganistão. Mas não é isso que Bernard Kouchner quer se entendam, não Kouchner é de uma Europa política pragmática, demasiado pragmática.

Imagem: Bernard Kouchner, Ministro dos Negócios Estrangeiros da França

A fome, René Magritte

O José Saramago é, verdadeiramente, um inculto!
é o que apraz-me dizer, de momento.

  • AVE, DEA, MORITURUS TE SALUTAT

A Judith Gautier

La belleza y la muerte son dos cosas profundas,
con tal parte de sombra y de azul que diríanse
dos hermanas terribles a la par que fecundas,
con el mismo secreto, con idéntico enigma.

Oh, mujeres, oh voces, oh miradas, cabellos,
trenzas rubias, brillad, yo me muero, tened
luz, amor, sed las perlas que el mar mezcla a sus aguas,
aves hechas de luz en los bosques sombríos.

Más cercanos, Judith, están nuestros destinos
de lo que se supone al ver nuestros dos rostros;
el abismo divino aparece en tus ojos,

y yo siento la sima estrellada en el alma;
mas del cielo los dos sé que estamos muy cerca,
tú porque eres hermosa, yo porque soy muy viejo.
---- Victor Hugo

«Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos», in O Princepezinho, Saint-Exupéry

Imagem: Fábula, Gustav Klimt

  • A TERRA PUSILÂMINE CRÓNICA

    07:40. Chove copiosamente em Lisboa. Acabo de ouvir na RCV on line uma crónica matinal do Daniel Medina, sobre o «O atraso». Merecedora de passar em hora com maior audiência; mais: deveria ser ouvida com atenção pelo agentes políticos e sociais da terra e não só. É que isso de andar a assobiar para o ar, de omitir o que se deve fazer com urgência, é uma forma de atraso; é que, em última análise, torna-se um lavar mãos de à moda de Pilatos. É que o atraso em decidir, a pusilanimidade, em particular a crónica, atrasa mesmo. Não é inócuo de todo, tem consequências.

    Segue, de uma Lisboa fria e chuvosa, uma saudação grata ao Daniel Medina por crónica tão bem conseguida e pedagógica.
    Ah, a RCV ouve-se nesta hiperligação... uma vez que no site da mesma a rádio continua a não funcionar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

  • BORGES E EU, Jorge Luis Borges

    Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agra­dam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atribu­tos de um actor.

    Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição.

    Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamen­te, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola.

    Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.

    Não sei qual dos dois escreve esta página.

    Imagem: Columba Dominguez

DICTA CATONIS
Ditos de Catão, o Velho (o Censor)

«Não confies em nada do que muitos te prometem, pois raras vezes se cumpre o que tantos prometem» (Marco Pórcio Catão, Dicta Catonis, I.13).

domingo, 18 de outubro de 2009

  • O MEU POETA...
"Um Rio de violência, de um lado. Um oceano de silêncio, do outro. O verde, é comum; e o amarelo também..." murmúrio do meu poeta.

  • AO POVO CABO-VERDIANO,1 Eugénio Tavares

“A ti, Lázaro, me dirijo. Falo-te, porém não sei se me ouves; invoco quando deve haver de levantado na tua alma e a incerteza do teu olhar apenas me dá a impressão fria da caligem que envolve a tua inteligência, da miséria em que se empocilga a tua triste existência moral. Fisicamente, eu sei, existes: bem te vejo curvado sob a mó de um labutar esmagador, investindo com quanto há de tempestuoso na adversidade para que não falte o pão na boca dos teus filhos. Moralmente, porém, não oiço a tua voz no concerto das vontades orientadas na disciplina e fortalecidas na união.

Vítima da dissolução do meio em que fadejas, pessoa civil sem valor real; força política sem consciência de direitos; dizer-te vivo é caluniar a tua incapacidade cívica e intelectual.

Tua sombra hesitante, eu a enxergo dentro da escura nulidade a que te reduziu o desmarcado egoísmo dos últimos degenerados da nossa orgia administrativa. O que têm feito, por ti, esses que, com proficuidade, podem exercer benéfica acção moral e política? Quando é que para elevar o teu nível moral ou económico sacrificam, eles, a mínima parcela do seu tempo ou do seu dinheiro? Quando é que se deixaram de abusar da tua ignorância? Quando foi que eles viram, na política, não um meio de fazer frutificar habilidades em proveito próprio, mas uma força de fazer progredir povos?

A tua classe preponderante não é um elemento de acção política; não é uma engrenagem do progresso; é uma das faces mais ridículas do egoísmo. “Cumpre, pois, irmão, o dever iniludível de exercer os teus direitos políticos. “Educa-te; une-te; disciplina-te; se associares o teu trabalho ao trabalho dos outros, de muitos, quando não possa ser de todos; trabalharás muito menos e lucrarás muito mais... Porque a riqueza de um, meu amigo, é, quase sempre conseguida à custa da miséria de muitos...”
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Imagem: Luís Royo

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1 Ao Povo Cabo-verdiano, de Eugénio Tavares. In intervenção de Corsino Fortes (homem de cultura, discreto, sensível, ciente das suas responsabilidades e atento às necessidades dos cabo-verdianos, foi, de todos os Embaixadores de Cabo Verde que passaram por Portugal, honra lhe seja feita, aquele que mais se preocupou, em termos práticos com a Comunidade cabo-verdiana) no Colóquio Internacional Humanismo Latino na Cultura Portuguesa ocorrido na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2002) sob o título de «Eugénio Tavares - Um Construtor do Humanismo Cabo-Verdiano». Fica aqui a hiperligação para o texto, que merece uma leitura atenta neste Dia da Cultura Cabo-verdiana e da celebração do nascimento de Eugénio de Paula Tavares.

  • NÃO ME PERTENCE

    Talvez eu desse tudo: a imensidade
    Do Amor; o sonho taciturno e mudo;
    Toda a luz da razão; a flor do estudo;
    O fruto da lição e da verdade.

    Daria esta alma louca de saudade;
    Daria o meu futuro carrancudo;
    A minha carne à dor; daria tudo,
    Tudo, menos a minha liberdade!

    Sim: essa, à força, só ma podereis
    Levar. Não me pertence! Não me veio
    Por herança, dos homens nem das leis.

    E, se dispor de um bem inalienável,
    Diante da lei, é crime abominável,
    Crime maior será dar o alheio...
    ---- Eugénio Tavares

    Iamgem: Deus Tezcatlipoca

Mater...

  • A ORGIA DOS DIPLOMAS OU A DITADURA DO CONHECIMENTO EM CABO-VERDE

    Existem várias formas de opressão. Verifica-se, ao longo da história, uma mutação desta realidade, e, não raras vezes, os oprimidos se tornam os piores opressores: sendo libertos se tornam arrogantes e «senhores» do opressor ou do instrumento de opressão. Em Cabo Verde, e nos países pobres em geral, grassa há muito uma forma de opressão subliminar e que tem uma dimensão hedionda; não somente pela sua natureza ou visibilidade, mas pela qualidade de quem é o seu agente activo: os detentores do conhecimento. Sim, esses que se chamam doutores & engenheiros, mestres & doutorados, investigadores & cientistas, políticos & politólogos, banqueiros & gestores, filhos de fulano & sicrano… que, em razão de uma ciência qualquer — adquirida pela fortuna de dadas condições sociais ou a ferros de estudo acessível à qualquer mente —, se acham homens e mulheres «melhores» e «mais capazes» do que os outros, aqueles que não tiveram a oportunidade de estudar como eles.

    É uma realidade entristecedora, que custa perceber e encarar com o sorriso e o riso que me provoca, em regra. E é triste ver quem tem a responsabilidade de ajudar aquele que conhece menos ou tem um défice de informação (mas que não é menos inteligente ou menos capaz por isso), a ter foros de sábio, de homem superior. E, por via disso, tem-se criado uma aristocracia intelectual, não raras vezes bacoca, snob de razão tout court e cheia de vento; uma classe que acede ao melhor que a terra tem, que oprime o povo que a pobreza ou outras responsabilidades existenciais (como o sobreviver) não permitiram ou permitem o aceder às letras e, consequentemente, à informação privilegiada. São vistos, de certo modo, como o vulgo mais vulgo, a «arraia-miúda», os plebeus do saber e tributários da casta universitária.

    Os diplomados são, em África, o sucedâneo do «branco» colonial, os comendadores ou encomendados da República; os outros, os insapientes formais, são os descamisados, os passeantes da periferia, da parte baixa da Praça Nova — os pés-descalços sem licença formal, os excluídos da «cultura». Rabelados forçados pela pobreza, pela estrutura social que dita, como Heliogabalus, que cruzamento fecundo só mesmo entre iluminados, para iluminados nascerem. Já basta deste pedantismo de forma, é tempo de valorizarmos as pessoas pelo que são e não pelos papéis que mostram e de «onde» os exibem. Que importa se o cidadão X, Y ou Z estudou em Bolonha, Oxford, Salamanca, Lisboa ou Montpellier (precursoras das universidades no ocidente, i.e., da Europa), se passou pelo MIT, John Hopkins, Harvard, MIT, Standford, LBS, Sorbonne, etc… se sai dessas instituições como uma ilha, um pedaço de pedra lascada, fria e arrogante?

    A escola por onde se passa é uma espécie de pedigree, de passaporte para a competência? Não, de todo que não. A formação de uma pessoa é muito mais do que formação escolar ou académica, e ela só tem valor pelo que projecta no futuro da pessoa e da sua comunidade. Pode-se ter todos os diplomas do Mundo, de bacharelatos a Phd’s magna cum laude, se não se pensar que isso é e serve para sermos mais humanos e ajudar os outros a irem mais além e serem felizes, nada mais se será que uma pedra polida, com algumas lascas e sem valor.

    E é essa mesma elite ilustrada que, por prática, exibe os diplomas — e parece que quem não os tem é excluído, não importa o que sabe ou não, o título académico é a nova cavalaria, a Aristocracia académica. E essa, parece, também levar à aristocracia política, à poliarquia necessária. Nos países pobres isso quer dizer, necessariamente, uma ditadura do conhecimento formal em detrimento de outras formas de saber e de estar na vida.

    Os sábios dos diplomas, sendo necessários, não são podem ver na sua titulação qualquer forma de
    licencia ou alforria académica para oprimir os que – segundo o papel ou de facto conhecem ou sabem menos; devem, sim, assumir essa faculdade colectiva para o saber como uma forma para aprenderem mais, como uma responsabilidade intelectual pessoal e social. Só assim se será, verdadeiramente, mestre, professor ou conselheiro. E os maiores mestres da humanidade, que eu saiba, nunca passaram por nenhuma universidade (e nem gritaram aos quatros ventos as suas notas, pois notas não é saber como prova Albert Einstein)

    Ser-se e/ou parecer-se, em determinadas circunstâncias, menos do que se é, ou até mesmo um pouco “burro” ou “pateta”, é, de todo, a forma maior de ser-se sábio. É, em grande medida com a humildade e a urbanidade de juízo
    , o que diferencia o conhecer e o saber. A cultura é a essência do povo, mas como o povo aspira à excelência, há uma dimensão de cultura que não é escolástica e muito menos livresca — e esta dimensão da cultura não é democrática, e não se consegue com meros títulos académicos e, de certeza, não é um contra humanismo ou instrumento de opressão, pelo contrário. Há coisas que não se compram, nem estão à venda ou sujeitas a qualquer forma de negócio jurídico. Em lado nenhum — felizmente, tenho de assentir. Os génios instituídos da minha pátria deveriam ser mais humildes, que é dizer mais humanos, mais fraternos, mais propensos a serem pessoas humanas e não pavões escolásticos. O humanismo é a verdadeira cultura, sem ela os títulos académicos nada mais são que cal de sepulcros.

sábado, 17 de outubro de 2009

  • SABEDORIA DA RAPOSA

    "Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo", in O Princepezinho,
    Saint-Exupéry

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Aos meus inimigos, passados, presentes e futuros.
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  • EPIFANIA

    Quando uma lágrima
    não nos comove, ainda que vivos
    estamos mortos.

    Quando o amor não nos move,
    nunca vivemos.

    É o meu canto, a cruz dada.

    E a epifania da hora plena
    guiza os ancestrais beijos da rosa
    negra que nunca teve.

    Diz-me que nascerá de novo,
    que trará no coração a rocha maior
    que move o Mundo.

    E fará isso por mim — diz-me.

«A sua atitude deve ser a de um herói sem medo, mas o coração deve ser como o de uma criança: cheio de amor». in Regras de Soyen Shaku

Imagem: Manuela Arcuri
_______
(
1) Quando eu era criança, diz a mãe, depois de ser amamentado pouco mais de um ano, passei a amamentar-me numa outra mulher que tinha acabado de dar a Luz. Assim, mamei durante dois anos e isso deve ter-me feito algum bem; acho.

  • CHANT DU VIEUX MOSELLIEN (1957)

    Maintenant, on intègre l’humanité
    On canalise la Moselle
    Le sacrement reste détourné
    Le calice demeure toujours soustrait au laïc.
    Le Bon Dieu demeure caché
    Le monde entier devient melting pot
    L’automate devient global
    Au laïc on offre du véronal.

    Pour Alexandre Kojève, en souvenir de la discussion autour d’un verre de vin palatinois à Düsseldorf.
    Carl Schmitt
  • in Alexandre Kojève – Carl Schmitt Correspondence
Imagem: Last winter, Konstantin Kalynovych

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

  • CLIMATE CHANGE AND THE UNITED NATIONS

    The United Nations Summit on Climate Change is coming. It will be at Copenhagen, in December. What can we do? That is not the question. The real question is: when we will do what must be done? I agree with PJean-Pascal van Ypersele — Deputy Chairman of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) — that the key question for action is «Is there the political will to strike a deal and implement the necessary measures to really tackle climate change?» And the answer is clear: there must be! We, the humanity, cannot afford any more delays on sustainable and fair decisions on this matter.

    We can have a good world, but we deserve a good, fair and clean world! It is possible, and we must believe it. We, men and nations, have a duty of making Earth a better world than we found it. It is a choice between a possible future and no future at all. Can we really choose? I don’t think that it is a matter of choosing or not, but of to act or not. It´s more than a question of politics, it’s a matter of surviving or not. Developed countries can save their industries, for sure, but they will not save the world – especially
    insular and sea coasted countries. The planet has no patience.

  • O MEU POETA

"Temos de reaprender a amar" — diz-me o meu poeta.

  • O GENOCÍDIO KULTURAL CABO-VERDIANO

    Desvela-se o ALUPEC, a tempo. Será que não se consegue ver que a «padronização» da língua cabo-verdiana é um kulturcídio, um genocídio cultural da diversidade linguística da nação cabo-verdiana? Se ainda há pouco tempo não tinha dúvidas em caucionar o ALUPEC como Alfabeto Cabo-verdiano
    desde que devidamente certificada pela ciência devida, servisse toda a nação e fosse instituída segundo as regras prescritas pela Constituição , depois de ouvir, ler e analisar o que se tem passado e acarrear isso com a razão e a razão das coisas, concluo que se está perante um processo político de padronizar e unificar não somente todos os crioulos num sistema de escrita comum que não será somente assimilacionista mas integradora, pois, além da escrita comum, também e necessariamente, preconiza uma forma de falar comum e segundo a «matriz» de Santiago.

    Em poucas gerações, o crioulo da Brava, Sal, Santo Antão, S. Nicolau... desaparecerão, assimilados pelo Alfabeto alupecano, e teremos um krioulo unificado, sim, mas a que custo? Será que vale a pena perseguir este projecto político? Parece-me que não. E, nesta dimensão — porque afecta o conteúdo essencial de um direito fundamental —, também briga com a Constituição da República pois restringe direitos fundamentais, nomeadamente a integridade linguística dos cabo-verdianos cuja variante da língua cabo-verdiana o projecto do Governo se propõe (dito e confessado pelo M.I. Manuel Veiga, Ministro da Cultura) a restringir e, a breve trecho, eliminar em favor das variantes de Santiago e São Vicente com este, a seu tempo, porque será assim, com os dias contados. Lá estou eu a lembrar os etruscos…

    Estamos, sem dúvida, perante um genocídio cultural silencioso; um golpe institucional à diversidade linguística e cultural do povo cabo-verdiano. Nem S. Vicente é matriz do Barlavento, nem Santiago é matriz de Sotavento; a matriz linguística do país é comum, a língua materna e matricial é comum — o português. Nem argumentos quantitativos e de economia da língua (argumento falacioso…), pois a cultura de um povo não se mede, não se compra, não prescreve e não se pode usucapir.

  • MOMENTO ERÓTICO

Laguna Véneziana, Jean Louis Grig