domingo, 26 de junho de 2011

  • ASSUNÇÃO ESTEVES, FERNANDO NOBRE E A ÉTICA PARLAMENTAR
«Ours is essentially a tragic age, so we refuse to take it tragically. The cataclysm has happened, we are among the ruins, we start to build up new little habitats, to have new little hopes. It is rather hard work: there is now no smooth road into the future: but we go round, or scramble over the obstacles. We've got to live, no matter how many skies have fallen» (D.H. Lawrence, Lady Chatterley’s Lover). Poderia o autor destras belíssimas linhas estar a falar do Portugal de hoje, destes dias trágicos e infelizes em que vivemos – onde, at last!, se descobriu que até os juízes, os guardiões da ordem jurídica e da moral social dominante, fazem batota (pior é quando o fazem não na formação mas no Julgamento das pessoas e usam a prerrogativa da «convicção do julgador», uma espécie de poder divino de condenar, para destruir homens bons).

Mas nem tudo é mau, existem boas notícias. Assunção Esteves foi eleita Presidente da Assembleia da República! Que bela notícia para o país! Foi minha professora de Direitos Fundamentais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (acomulava, na altura, a função docente com a de Juiz no Tribunal Constitucional). É das pessoas mais inteligentes com quem já tive o prazer de privar; com uma dose considerável de vaidade intelectual, é certo... mas tem todo direito a tê-la! ao contrário de muitos pavões que andam por aí. Sempre achei um desperdicio a sua ida para a Assembleia da República... A razão? Não estava entre os seus pares, e a academia portuguesa perdia em muito. Com a sua eleição o país tem um Presidente da Assembleia da República que é uma cidadã com uma dimensão intelectual e humana de excepção. Estar-lhe-ei para sempre grata por me ter apresentado, em particular, o pensamento de Robert Alexy e uma perspectiva alargada dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais.

Muitos se apressaram a reduzir este evento ao facto de ser mulher, de ser a primeira mulher a exercer essa função. Que pequenez intelectual! Assunção Esteves sabe(rá) melhor do que ninguém o que fazer enquanto Presidente da Assembleia da República pois conhece a natureza da função e que o povo de Portugal espera da classe política. Reitero: poucos politicos têm a sua dimensão intelectual a humana... Lembro-me de, um dia, alguém ter-lhe furtado uma caneta, e de como ficou desgostosa! Pensei que era uma coisa estranha: um Juiz do Tribunal Constitucional, com uma choruda remuneração, desgostosa por ter perdido ou terem-lhe furtado uma caneta. Uma Montblanc, dizia.

Anos depois, em 1998, ofereceram-me uma Montblanc em Paris, que, curiosamente, foi igualmente furtada, em Albufeira (percebi, então e em analepse situacional, o seu desgosto; não pelo valor material da coisa em si mas pelo que representaria ao nível dos afectos). Nunca fiquei a saber se recuperou ou não a sua caneta (ou esferográfica). Do mesmo modo que achava graça, eu e os meus condiscípulos da FDL, o facto de ela não saber como se ligava e se desligava «essas máquinas» (assim chamava os nossos gravadores que registavam as aulas!). hoje percebo porquê. A data... não. Além do mais é uma mulher glamour intelectual: um sorriso luminar, uma energia contagiente e uma inteligência que se percepciona à distância.

Os deputados portugueses estão, neste aspecto, de parabéns! O mesmo não direi na forma encontrada para dizer a Fernando Nobre que a Estrela de Alva é um aviso milenar: a sua anunciada humilhação pública e parlamentar em nada dignificou a Assembleia da República, e somente a eleição de Assunção Esteves salva os deputados de uma critica mais severa pelo desvio da ética parlamentar. Sacrificou-se a ética parlamentar no altarde uma moral particular, partidária, e com um resultado necessário mas com danos colaterais evitáveis. Salvou-se, no processo, a feliz eleição de Assunção Esteves. Se ao país, por fatalidade, falhasse neste momento o Presidente da República... que bela Presidente teria!

O futuro dirá se ouve um desvio da ética parlamentar para «colocar Fernando Nobre no devido lugar» (como parece) ou houve lugar à uma ruptura mais profunda da ética parlamentar nacional. Parece-me que a coisa é bem mais mesquinha... ainda que devidamente motivada e reactiva.

Imagem: Assunção Esteves, Presidente da Assembleia da República Portuguesa

2 comentários:

mrvadaz disse...

E a gaja é de facto, como custumo dizer, "bom cota"!

Virgilio Brandao disse...

Engraçado... agora que coloca essa questão apercebo-me que nunca a vi nessa perspectiva tão natural e animalesca (o que é bem estranho num homem que tem uma paixão abissal pela mulher enquanto tal).

Há pessoas pelas quais nos apaixonamos pela alma (no sentido grego)e não pelo que os nossos instintos dizem no imediato. Existem (também) mulheres assim... e perceberá isso cedo ou tarde.
Abraço fraterno