sexta-feira, 9 de novembro de 2007

E NO ENTANTO, JOSEPH CINQUEZ…


Em Fevereiro de 1839, mercadores de escravos portugueses raptaram um número não determinado de pessoas da Serra Leoa e embarcou-as para Havana, Cuba, então centro do comércio negreiro. Comprados por um comerciante espanhol – proprietário agrícola nas Caraíbas – 53 serra leoneses foram embarcados no navio «Amistad».

A 1 de Julho de 1839, Sengbe Pieh, conhecido como Joseph Cinquez pela história – nome que lhe foi dado pelos seus captores esclavagistas espanhóis – liderou a revolta a bordo do “Amistad” e, depois de matarem o capitão do navio, exigiram ser devolvidos à Africa.

O navio acabou por ir parar a Long Island, Nova Iorque, e – no dia 24.01.1839 –, abordado pelo U.S. Washington da marinha americana, os marinheiros foram libertados e os africanos do «Amistad» presos e enviados para a prisão em New Haven, Connecticut, e acusados de pirataria e de homicídio nos tribunais americanos.

Na verdade, como se pode ler no retrato e que terá sido o discurso de Cinquez depois de tomar posse do navio (1.7.1839) com os companheiros, o que o mesmo queria não era matar ninguém – era ser livre como sempre fora: “[…] estou decidido que é melhor morrer do que ser escravo do homem branco […]”.

E tinha razão. O caso acabou por tornar-se numa disputa sobre a “propriedade” de Joseph Cinquez e seus companheiros, com contornos políticos e diplomáticos complexos e que passavam ao lado dos africanos escravizados à força. O caso chegou ao Supremo em Janeiro de 1841.

John Quincy Adams, então ex-Presidente do Estados Unidos da América, terá representado – na qualidade de Advogado – Cinquez e os seus 52 companheiros junto do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos e, em alegações que terão se prolongado por oito horas (certamente um mito), logrou convencer os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal dos Estados Unidos de que o seu constituinte e os companheiros eram homens livres, nascidos livres e com direito a lutar e resistir pela sua liberdade. Não eram escravos – coisas sujeitas a negócio jurídico – mas homens livres.

E, no acórdão «United States v. The Amistad», de 9 de Março de 1841, o Juiz Conselheiro (Senior Justice) Joseph Story redigiu o acórdão do Tribunal Supremo e leu-o. O Tribunal decidiu que os africanos do “Amistad” eram “pessoas livres que tinham sido raptadas e transportadas ilegalmente e que nunca tinham sido escravos”. Segundo o Juiz Joseph Story, «[…] it was the ultimate right of all human beings in extreme cases to resist oppression, and to apply force against ruinous injustice," the opinion in this case more narrowly asserted the Africans right to resist "unlawful" slavery.»

Este facto, tido como um incidente na história, deu força e ânimo bastante ao movimento anti-exclavagista para reclamar a abolição total da escravatura e foi uma das razões estruturantes que levou à divisão bélica do Norte e do Sul e que viria, a seu tempo, a estar na origem da guerra civil e na constituição da Federação dos Estados Unidos da América como a conhecemos hoje.

Os Estados Unidos acabariam por abolir a escravatura em 1865. Portugal, que foi o primeiro Estado europeu a escravizar africanos – trazidos da Mauritânia em 1444 – e conseguido que o Papa Nicolau V autorizasse a escravidão dos negros (1452), aboliria, também, a escravatura em 1869. Diz o Decreto Real do Rei D. Luís:

«Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia da publicação do presente decreto.

Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos o deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 19 de Dezembro de 1854» (D. Luís, Diário do Governo, 27 de Fevereiro de 1869).

E Sengbe Pieh – sim Sengbe Pieh e não Joseph Cinquez –, voltou à sua terra natal como um homem livre e a sua luta pela liberdade foi causa da liberdade de muitos – dos 53 somente 35 voltaram às origem com vida. Ah, mas ainda – lembro… – no Alabama e no Mississipi há quem pense que a razão de ser da sua luta não existia.

O jornal "Sun" de Nova Iorque no dia 31 de Agosto de 1839 deu notícia da fotografia anexa ao texto e que foi em New Haven, Connecticut, enquanto se aguardava julgamento. A cópia data de 9 de Novembro de 1839. E, todavia, a escravidão segue…
Virgílio Rodrigues Brandão


  • Ah, foi – então – um dos dias em que a Justiça teve olhos e verdade; não foi Langston?

«That Justice is a blind goddess

Is a thing to which we black are wise:

Her bandage hides two festering sores

That once perhaps were eyes.»

JUSTICE, by Langston Hughes



  • Cópia da decisão da decisão do Supreme Court no caso «United States v. The Amistad», (National Archives and Records Administration, Records of the Supreme Court of the United States, RG 267 Identifier: 301672).

Sem comentários: