quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

  • O DESPERTAR E A MUDANÇA COMO IMPERATIVOS SOCIAIS
A última pessoa que quis mudar o Mundo e a mentalidade da humanidade foi... crucificada! É verdade: falta-nos tudo e nada para mudar o Mundo; mas não nos falta muito para ajudar a mudar a nossa forma de ser e de agir, para ajudarmos a mudar a casa onde vivemos, o nosso bairro, a nossa cidade, a nossa ilha, o nosso país… devemos andar devagar, pois a caminhada, por mais longa que seja, começa com um passo. E como custa dar um passo! (É fácil lidar com coisas, com abstracções e números; mas como é difícil lidar com pessoas!)

Caminhar não serve para caminhar, como poeticamente diz Mário Benedetti… caminhar serve para construir os objectivos, para escavar e fundar o futuro; todos os passos que damos, assim como os que não damos, têm uma dimensão transformadora, muitas vezes mediata e imperceptível. Heraclito, Septimio Severo, Petrarca, Camões e Lavosier já o diziam: o «Mundo é feito de mudança». No sentido espiritual e material… podemos estar satisfeitos com o que temos, e isso é legítimo; mas se formos ambiciosos o bastante para querer mais, a mudança é um imperativo. O que é certo é que não fazer nada – à nossa real dimensão e poder –, para mudar o que nos circunda, é construir para, segundo o princípio da inércia, manter o estado em que nos encontramos e, fatalmente, alimentar a pobreza material e espiritual da nossa condição social e humana.

É preciso mudar! Sim, mudar é um imperativo existencial e humano; e por isso celebramos o Natal e as mudanças trazidas pelo nascimento glorioso do Sol, no sentido naturalístico, e pelo nascimento do Messias, no sentido espiritual mais fundo; por isso celebramos o Ano Novo, no sentido de mudança de sentido existencial, de condições de vida, num momento prenhe de esperança de que «amanhã», o hoje de ontem, será melhor. Mas é preciso fazer algo para isso, para que a esperança se torne num facto, para que a fé no amanhã melhor não seja morto à nascença por carecer de acção e alimento, como uma planta sem água para poder geminar e luz para fazer a fotossíntese; é necessário não nos conformarmos com pequenas conquistas, com pequenas coisas, com frutos de ambições anãs, não nos conformarmos com o hábito das privações endémicas, do verbo vazio ataviado de poesia popular e ciência coxa. Mudar é, ex natura, da essência do humano e das sociedades ambiciosas e progressistas; mudar é querer mais e melhor.

Quem não muda perece. Na melhor das possibilidades estagna e sofre as consequências da falta de ambição de mudar de forma funda, de transformar-se. A mudança semântica e cosmética leva, fatalmente, à desgraça. No plano político podemos ver os casos da Grécia e de Portugal onde, nomeadamente neste último, vemos um retrocesso absurdo e cego – de uma cegueira contagiosa, epidémica – nos direitos e nas garantias fundamentais dos cidadãos no que concerne aos direitos sociais de cidadania; tudo porque o país não mudou quando deveria ter mudado, não agiu quando deveria ter agido e os cidadãos, quando deveriam ter dado um sinal claro de «basta!», de que não desejavam o rumo em que as coisas seguiam, seguiram o caminho do «as coisas irão melhorar», «Deus tem»… e que o problema é/era da crise… a crise, o novo sinónimo e nome-desculpa para a incompetência. E, é bom lembrar, o Estado Novo e os demais ismos europeus à data, foram instaurados por causa da crise; porque as sociedades de então demandavam soluções inovadoras, de novos paradigmas, de novos mundos, de um porvir glorioso. Nada de novo: assim nasciam os ditadores na antiga Grécia e em Roma.

Nada no Mundo é de ter-se como certo; e é por isso que as conquistas do Estado de Direito Democrático, v.g., a alternância política e as liberdades, devem ser interiorizadas como valores fundamentais, que devem ser defendidas como defenderíamos a nossa mãe, a pessoa amada, a nossa casa… só assim poderemos, individualmente considerados e como sociedade, ser agentes de transformação social. Em Portugal assiste-se à uma regressão grosseira dos direitos fundamentais de cidadania, nomeadamente nas conquistas dos trabalhadores e da segurança social dos mesmos e das suas famílias, mas em Cabo Verde as coisas são bem mais graves, pois assiste-se a algo bem pior: à regressão dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cabo-verdianos. E isso não é prelúdio de nada de bom, pelo contrário.

E este caminho é algo que é preciso fazer o Estado arredar pé! Mas para isso é preciso mudança, mas a mudança não pode ser somente política, ela deve(rá) ser cívica, deverá passar por um despertar não semântico da sociedade cabo-verdiana, por um despertar consciente e activo. Um despertar de exercício do poder soberano, e de forma soberana. Será o povo de cabo-verdiano capaz de despertar, de combater o sedativo de vaidade de que se alimenta? A ver vamos…

Um dia a sociedade acordará e, olhando-se no espelho, terá os olhos de Doryan Gray.

PS: A mis amigos en España, ¡Feliz navidad!

Imagem: Pablo Picasso

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