quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

| NOTA PRÉVIA

A propósito da ELECTRA e do Governo ter descoberto a polvora da sabotagem… repristino este artigo escrito há uns anos e publicado no Liberal on line de 29 de Maio de (2005-2006?). Pela sua actualidade (para aqueles que dizem que sou contra o Governo e o seu investimneto nas energias renováveis), compartilho-o contigo, leitor de Terra-Longe.

A pólvora das energias renováveis que o Governo descobriu em fim de mandato, é defendido há muito por muita gente (desde os anos 60, sim...). É tempo de colocar algum colítrio em certos olhos, e de acicatar algumas memórias. O Governo andou a dormir em matéria de energias renováveis? Não sei. O que sei que é que algumas ideias que apresentei no passado foram por ele adoptados, mas fora do tempo e – em certa medida – de forma desadequada. Vaidade minha? Seja, vanitas vanitatis. A realidade e os factos falam por si.

Muitos queriam e querem-me calado, mas se me quiserem… terão de me levar! É a ordem natural das coisas. E há nada, além d'Hela, que compre o meu silêncio. |

  • A GESTÃO DA ENERGIA E A RESPONSABILIDADE DE GOVERNAR
 A noção de Política vem da palavra grega «Polis» – cidade, sendo entendida como a arte de governar, de gerir bem o bem público. Mas, como em todas as artes, há (como Paulino Vieira dizia no outro dia a José Luís Tavares) os que são «artistas verdadeiros e os que são uns verdadeiros artistas». Estes últimos são os incapazes com reconhecimento imerecido e que, não raras vezes, tomam conta da coisa pública.

Os políticos existem para gerir o Estado tendo em conta não somente o presente – satisfazendo todas as necessidades dos cidadãos –, mas um futuro sustentável. Se não acreditam nesse futuro, como alguns parecem não acreditar na viabilidade de Cabo Verde como sociedade (quem foi que disso isso mesmo?), devem deixar a gestão da coisa pública a quem acredite e seja capaz de o realizar com eficiência. Quem não acredita não é, não pode ser capaz.

Atentemos somente numa questão básica e estrutural da sociedade cabo-verdiana: a energética. O que se passa com a ELECTRA e a forma como, objectivamente, não consegue gerir a distribuição de energia nas Ilhas é uma suma vergonha e uma falta de consideração para com os governados. Se é verdade que estamos perante uma flagrante incompetência de gestão ao nível da Empresa, também não é menos verdadeiro que se está em face de uma incapacidade, ao nível governamental, de satisfazer uma necessidade básica dos cidadãos.

Bem, quando as pessoas são incapazes, o que fazer é, obviamente, demiti-las. A responsabilidade começa nos corpos directivos da ELECTRA e acaba na tutela governamental. Quem não é capaz de solucionar os problemas deve deixar o seu lugar a quem pode e acredita. A inércia do Governo – é um problema que não é de hoje – nesta matéria é insustentável. Deve chamar à responsabilidade quem a tiver e assumir as suas, solucionando o problema sem paliativos; em última análise, muda-se o Ministro que tutela a área em causa.

Mas o problema, tendo a dimensão que tem, é bem pior do que parece. Não é uma questão de pessoas, deste ou daquele Director ou Ministro, mas sim de políticas (ou da sua ausência) de e para o País.

Cabo Verde encontra-se numa total dependência energética do exterior e sujeito às alterações e/ou oscilações de mercado no que concerne ao valor do petróleo nos mercados internacionais. Essa dependência, necessária nalguns sectores da economia nacional, não é uma fatalidade no que concerne ao consumo de energia para fins domésticos e/ou comerciais de natureza não industrial.

A afirmação recorrente de que «o País não tem recursos energéticos» é uma falácia. Não tem crude, é verdade; mas tem vento e sol capazes de fornecer energia eólica e solar para satisfazer grande parte das necessidades dos cidadãos cabo-verdianos. O que, naturalmente, também ajudaria a proteger uma das nossas riquezas naturais: o ambiente.

É de perguntar, reflexivamente e sem atentar na globalidade das questões, três coisas simples.

1. Por que se insiste em deixar entrar em território nacional veículos automóveis (alguns reciclados e reformados) que consomem produtos poluentes e caros para o País no seu todo? Existem alternativas, neste particular, e deveriam ser incentivadas.

2. Por que os empreendimentos turísticos e habitações construídas de novo, v.g., não são construídos na sua base para suportar energia solar? O que, a médio prazo, tem um custo real – económico, social e ambiental - menor para os proprietários e para o País.

3. Por que não se criam sistemas de autonomia energética de natureza eólica e solar – a começar pelas ilhas mais pequenas; libertando-as do jugo das noites escuras dos meados do Séc. XX a que a ELECTRA insiste em remeter as cidades e lugares de Cabo Verde?

Na verdade, o País pode e deve – até por uma razão de racionalidade económica (veja-se o peso que a importação de energia tem na economia do País) – criar um sistema de produção de energia que aproveite o que temos. Estamos a falar de uma prioridade! Gerir a coisa pública é isso mesmo: maximizar o que se tem e neste aspecto não se tem feito nada de relevante. Mesmo países com recursos naturais energéticos, nomeadamente petróleo, usam energias renováveis e limpas – é o caso paradigmático da Noruega que utiliza a energia das ondas, a solar e a eólica. É um bom exemplo, uma referência a considerar.

Cabo Verde, porque não tem petróleo e por maioria de razão, deve usar o que tem em abundância. É evidente que os sistemas de energia eólica são caros – variando em razão da dimensão da sua construção –, mas é um elemento incontornável para o desenvolvimento do País e um factor de segurança para o País. Na verdade, o petróleo é bem mais caro, considerando os custos presentes e futuros da sua utilização

Em caso de grande crise – como quase acontece hoje com a escassez de produtos refinados (matéria final que Cabo Verde consome) – o País pode ficar paralisado e remetido, em termos energéticos, à situação dos países europeus no período anterior à revolução industrial. Em suma: o País, com a estrutura que tem neste momento, pode ficar paralisado se não tiver autonomia energética. Resolver este problema estrutural, além de ser uma necessidade dos cidadãos cabo-verdianos, é, também, um problema flagrante de soberania…

Para se ter uma ideia de como têm evoluído os preços do Petróleo nos últimos trinta anos, em apertada síntese:

Entre os anos de 1974 a 1978, o preço do crude (petróleo em bruto) variou entre 12.21 USD e 13.55 USD. Em 1981, aquando da guerra entre o Irão e o Iraque, o preço disparou e chegou aos 35 USD. A intervenção da OPEP, através da manipulação do mercado via oferta/procura, fez baixar o preço para cerca de 18 USD em 1986. A guerra do Golfo (1991) fez disparar o preço do petróleo, tendo a manipulação do mercado (ao nível da oferta forçada) feito com que até o ano de 2000 tenha existido uma banda de referência ou espaço de flutuação do preço do crude de 22 USD a 28 USD, fixado pela OPEP. Sendo certo que o preço de referência, controlado, raramente foi além dos 23 USD.

Actualmente, com alguns países produtores de petróleo em conflito patente (Iraque e Nigéria – com produções em baixa) ou latente (Irão – país que se encontra com uma capacidade reduzida de produção desde a deposição do Xá Reza Palevi e a emergência da revolução islâmica dirigida por Khomeini em 1979 e que provocou a destruição de grande parte das reservas do país) e a falta de produtos refinados no mercado fizeram disparar os preços para a ordem dos 70 USD. Muitos países terão de recorrer às suas reservas, quem os tiver, para evitar a compra em alta – Cabo Verde, porque compra material final, comprará sempre mais caro. Uma perspectiva que se adivinha é se aumentar a produção para diminuir os preços do produto bruto (crude), mas isso não resolve nem resolverá o problema dos produtos derivados do crude adquirido em alta e que entrará no mercado a esse preço. Nem resolve o problema inerente aos conflitos que decorrem e que podem despoletar-se a todo o momento.

Em suma, no que concerne à energia petróleo os países como Cabo Verde estão totalmente na dependência de outros – e de quem controla a energia… Mas por que tem de ser assim? Afinal, somos ou não capazes de controlar, na medida do nosso possível, o nosso futuro?

Tudo indica (espero estar sinceramente errado) que Cabo Verde não é pensado em termos de futuro. Pelo menos, nesta questão da energia não é; e o povo é que sofre. Quem governa, gere o bem comum sob a reserva do possível. E nesta matéria é possível fazer-se mais e melhor. A responsabilidade primeira é do Governo, mas é também da Oposição que deve fazer fiscalização política – isto é, verificar a cada momento se o País está a ser governado por artistas verdadeiros ou por verdadeiros artistas.

De uma coisa sei que estou mais do que certo: todos os males de Cabo Verde podem ser curados com mais e melhor trabalho. E quem não acha que isso é possível?
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-------- Prima forma: Liberal on line de 29 de Maio de 2005 (2006?).

Imagem: Porcos – Alexander Gidulyanov

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