- A AMIZADE IDEOLÓGICA NA WEB SOCIAL
Cresce por aí uma coisa nova, sim, nova. A culpa é do amor, de uma das formas de amor. Falo da Philos – da amizade; uma das quatro formas maiores de dizer Amor no grego: Eros (sexual), Philos (amizade), Storge (familiar), e Ágape (amor incondicional ou do tipo de Deus – como dizia S. João [João III.16]: "Deus amou o mundo de tal maneira que sacrificou o seu filho…"). Este tipo de amor também se encontra no plano político: há quem ame a ideologia do seu partido de tal forma que o coloque acima do país e de todas as outras formas de amor, em particular da phileos, da amizade. E mais: há quem chegue a matar por ele, pelo Partido. Não é, como se pensa, tão incomum.
Comum é a phileos, a amizade. Esta, a amizade ou a fraternidade, vê os defeitos do outro, percebe as suas fraquezas e as suas limitações; mas, no entanto, respeita-o. Entende que a diferença é da essência da humanidade; que ser igual no sentido naturalístico não existe, que é uma ficção justificadora da opressão da maioria e que degrada a força motriz da humanidade: a diferença.
Ser diferente do outro, discordar dele pelo seu pensamento ou acções divergentes, tem uma acção transformadora, no outro e em nós. Por vezes não somos capazes de perceber esta realidade; mas um dia, cedo ou tarde, todos acabam por perceber isso. René Cassin e Carl Schmidt eram grandes amigos, foram-no até a morte. E que diferença os separava na forma como viam o mundo… A diferença – um pouco como encontramos na macro física – deveria atrair as pessoas, para serem capazes de confrontar as suas certezas com as certezas do outro; e delas emergir a diferença da síntese que os humildes – só os sábios sabem ser humildes a saber – são capazes de percepcionar e entender.
Por essa razão, ao longo de anos, envio um abraço fraterno às pessoas que vou conhecendo à distância e trocamos opiniões e perspectivas de e sobre o mundo e tudo o que o conforma. (As circunstâncias da vida permitem uma maior ou menor aproximação mas nunca uma maior ou menor qualificação.) Mas, pela liberdade de pensamento que detenho e não abdico – assim como dos princípios de que não transijo – lá vou criando (i) inimigos ideológicos, (ii) de Síndroma de A Velha e (iii) por tendência de razão, além de, numa nova categoria, (iv) «não» amigos.
Quem são estes? – perguntar-me-á. São aqueles que, (i) na social web, deixam de ser «amigos» porque eles – ou os seus familiares, amigos, gatos ou papagaios – foram objectos de crítica justa e fundamentada; (ii) assim como os que, mesmo sendo figuras públicas e do Estado, para evitarem serem objectos de escrutínio e, logo, de crítica, são «não» amigos. (alguns excluem dos «amigos» até colegas de infância, de "banquim d’Escola", por, tão-somente, apoiarem um adversário politico nas eleições.) A final e entre estes, existe uma última categoria – e at last is last at all – que (iii), para não poder ser "fiscalizado" no que diz (e poder dizer as aberrações que quiser sem poder ser vista – torna-se invisível como a mulher de Reed Richards) bloqueia o cidadão que não é soldado ou militante digital do seu partido político de eleição e demais extensões.
Existem outros, piores ainda. Seres hediondos mas que se perdoa a maldade. (Que seres pequenos… odiar quem nunca viram – e que não pertence a sua cadeia alimentar –, por razões políticas. Tenho, por elas, profunda misericórdia pois não são capazes de saber o que fazem.) São aqueles (iv) que dizem: "deixa-o pôr os pés na terra que tratamos dele, e deixará de falar demais." E só por não aplaudir o seu messias no erro, e não me calar perante a injustiça e ao mal.
A phileos, a amizade ou fraternidade, é, assim, ideológica e condicional. É gente que mata a democracia e o amor; a fraternidade. Porquê? Porque não penso como eles; porque nunca pensei – nem penso – que bota é caviar, leite condensado ou pau de bater bolo natalício. Até familiares, e não poucos, colocam os interesses pessoais e políticos acima da phileos ("somos família, não podes escrever essas coisas sem antes falares comigo" – anotei, como se a razão, o erro ou o tort deixassem de o ser só por ser praticado por familiares…).
E o que escrevo não são nada mais do que isso: opiniões e perspectivas que que emergem dos valores que partilho e me identifico. Não são baluartes e bombas H de verbo, não. São um mero e simples exercício de liberdade. Não pretendo, com as minhas opiniões, fazer inimigos; pelo contrário, pretendo tão-somente ser cidadão e levar as pessoas a entender que o mundo da cidadania está fundado na liberdade, na igualdade e na fraternidade. E mais: que não devemos ficar calados perante o mal que se causa a um povo, à uma sociedade. Não importam as consequências, a boca do cidadão não deve ser a boca de Judas. Será isso algo tão difícil de entender?
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