terça-feira, 20 de dezembro de 2011


  • IN DIVUS RELATUS EST. AVE CESARIA
É assim o destino de alguns: na morte acrescentar beleza aos céus enquanto a subtraem ao Mundo. A final, é o fado; é como é: todos somos abraçados pela terra morna, a única coisa realmente nossa e que nivela todos os humanos; a única coisa que, também, nos desafia à eternidade. É uma selecção natural de almas; o que se pode chamar – pelas pessoas conscientes desta existência – de consciência ou sentimento trágico da vida. Este connatus essendi aeternae é a única coisa que suplanta o amor à vida, às riquezas e a todos os prazeres que se podem gozar. Alguns são escolhidos, por particularidades da humanidade, da existência ou até por acidente genético, para viverem depois da vida.

A vida – mostra agora a Cesária Évora – não tem uma só vida; pode ter mais de uma vida; e esta outra vida é uma conquista, uma recompensa da vida em si, da que vive só a esculpir de dores a eternidade. E esta, a eternidade, conquista-se com duas armas: o génio ou a beleza. Em regra esta suplanta aquela, pois a beleza é universal – democrática, direi mesmo… – e perdura para sempre; enquanto o génio se apaga, por obra humana até, no sentido de ver as coisas que muda. A beleza é mais funda; é o amor do tempo cristalizado.

Cesária Évora, num tempo e num mundo cheio de fealdade, embelezou a vida de muitos – e conseguiu transcender a sua dor com as armas que tinha: a simplicidade de não querer parecer o que não era e a beleza da sua arte de Serafim. E, ao transcender-se, ao renascer das cinzas da terra da Luz, do Mindelo – como verdadeira Fénix – conseguiu o que os doutos e putativo Enéas da terra hesperitana jamais conseguiram: colocar Cabo Verde no mapa do Mundo – na moda –, no coração das pessoas, e, ao mesmo tempo e sem o procurar, transcender a mera condição humana. Colocou-se, com a simplicidade e a beleza da sua voz, entre os imortais, entre aqueles que, estando mortos, viverão para sempre.

Ave Cesária, in Divus relatus est.

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