- NÃO HÁ DITADURA, PEDRO PIRES?
O ex-Presidente Pedro Pires afirmou que «É preciso cuidado, é preciso evitar taxar este ou aquele como ditador, ou como ditador perigoso, ou como ditador que não aceita mudanças. Acho que é preciso cuidado porque, além da ditadura, há um elemento importante que é a estabilidade e mais o Estado. Precisamos de estabilidade para, na estabilidade, construirmos então as instituições do Estado de Direito» e que as «soluções externas» -- isto é, a defesa dos Direitos Humanos no quadro dos valores do Direito Internacional Humanitário, do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Estado de Direito Democrático, constituem uma «má teoria».
Como é que um cidadão que, enquanto Presidente da República, permitiu –assistiu em silêncio ensurdecedor – a violação (analogia: como de uma criança por um dos gigantes da WWE) e a mutilação violenta da Constituição de Cabo Verde, numa clara desconsideração da soberania nacional, pode vir dizer que as «soluções externas» são uma «má teoria»? Fecha-se os olhos por um prato de lentilhas portuguesas e europeias, e agora, a força dos milhões da Fundação Mo Ibrahim, temos uma ferrugenta teoria africanista saindo da cartola pirista: de um Estado de Direito pragmático e sem democracia efectiva. Nada de novo; só o temos verbalizado.
Pergunto: – A lógica subjacente ao TPI é o quê? Não é uma «solução externa»? Será que estou a precisar de colírio ou não é uma solução interna africana? Se verificarmos o quadro de membros do TPI, chegaremos à conclusão de que Pedro Pires era e é contra a adesão de Cabo Verde ao TPI. Mas, note-se, não por ser feito a revelia da Constituição e a custa da soberania nacional – e neste aspecto teria razão, mas nas consequências e não premissas – mas porque constitui uma solução externa à Africa e ser um perigo aos ditadores. Esses que, provavelmente e segundo Pedro Pires, não existirão a não ser na imaginação de uns quantos Don Quixotes que tomam benfeitores africanos por ditadores.
Papiniano disse a Antonino Bassinano que «é mais fácil cometer um fratricídio do que justifica-lo». Também digo que é mais fácil ser ditador do que justifica-lo.
Thomas Szasz, no seu extraordinário livro «Escravidão Psiquiátrica», faz uma distinção entre uma explanação e uma justificação; entre juízos que incidem, respectivamente, sobre eventos e sobre actos/factos. E a ditadura pós 5 de Julho de 1975 não foi um evento, foi facto consubstanciado em cada um dos actos contra a vida, a liberdade, a integridade física dos cidadãos. Não se explica como o «leite derramado» ou circunstâncias da história; não.
De Pedro Pires precisava-se mais do que de uma tentativa de justificação mediata… da sua ditadura. Precisava-se de uma mea culpa, de um pedido formal de desculpas ao povo de Cabo Verde pelo que sofreu sob o regime ditatorial do PAIGC/CV. Mas não, não chega para tanto. Invoco um sábio africano, para não ser teoria externa: Humanum fuit errare, diabolicum est per animositatem in errore manere. A esta luz não se deve persistir no erro? – pergunto. Pode-se, quando o erro constitui os nossos princípios; sim, é admissível. Respeito essa dimensão da liberdade de se estar errado, mas sabendo que é errado.
É claro que, como diz Pedro Pires, se deve te cuidado em taxar este ou aquele de «ditador» (se o país for estável, não haverá ditadura… será o juízo; o que quer dizer que podemos ter uma ditadura em qualquer país africano, inclusive podemos voltar ao Partido Único em Cabo Verde, se se lograr uma «estabilbidade» politica) pois assim escapa[rá], nesta lógica peregrina, ao juízo da história. Mas não; a história não o absolverá dos factos. É como diz Thomas Szasz: «O pensamento lúcido exige mais valor que inteligência». Mas o que falta, de todo, é a lucidez. A liberdade tem destas coisas.
A liberdade plena – segundo definição das autoridades académicas da Universidade de Yale – é «o direito a pensar o impensável, a discutir o indiscutível e a desafiar o indesafiável». Somente um sistema democrático, não ditatorial, permite o exercício de tal liberdade.
O regime político que foi encabeçado por Aristides Pereira e Pedro Pires -- e dos seus congéneres em África pós independências -- não permitia e nem permite essa liberdade de questionar o inquestionável. O inquestionável, para Pedro Pires, era a «não liberdade» dos cidadãos que tinham um guia e dirigente (tínhamos uma tutela, como se fôssemos incapazes): o PAIGC/CV; e continua a ser uma realidade na mente do cidadão Pedro Verona Pires: a ditadura não deve ser questionada à luz dos valores externos à Africa. Parece que o ex-Presidente Pedro Pires (que acabou o último mandato como um usurpador da soberania popular; e, agora, fica cabalmente provado porque o fez: não se revê na Constituição e no Estado de Direito Democrático que este instituiu) tem memória selectiva.
Perante o silêncio, tenho de dizer, com Antígona: «não poderei ser acusado de traição por cumprir com o meu dever.» E este dever é, perante as feridas do mundo, não ficar em silêncio. Não ser um cordeiro mais.
PS: Não fiz nenhuma incursão na história da Política para dizer que a «Ditadura» emergiu, na antiguidade clássica, em períodos de crise: Sempre que se demandava «estabilidade política» era nomeado um ditador com poderes supremos de vida e morte para «colocar as coisas em ordem» e, depois, repor as instituições. (Péricles é o paradigma desta figura.) Hoje chamaríamos esta situação de Estado de Emergência para defender o Estado, suspensão da Constituição e/ou da democracia. Um ex-Presidente da República deveria -- também ele -- ter cuidado como que diz… é o que dizemos deixa de pertencer-nos. E Pedro Pires faz uma defesa desbragada da ditadura. Que fiz eu, como cabo-verdiano, para merecer isto, ó Deus?
Iagem: Diogenes, o Cínico -- John Williams Waterhouse
PS: Não fiz nenhuma incursão na história da Política para dizer que a «Ditadura» emergiu, na antiguidade clássica, em períodos de crise: Sempre que se demandava «estabilidade política» era nomeado um ditador com poderes supremos de vida e morte para «colocar as coisas em ordem» e, depois, repor as instituições. (Péricles é o paradigma desta figura.) Hoje chamaríamos esta situação de Estado de Emergência para defender o Estado, suspensão da Constituição e/ou da democracia. Um ex-Presidente da República deveria -- também ele -- ter cuidado como que diz… é o que dizemos deixa de pertencer-nos. E Pedro Pires faz uma defesa desbragada da ditadura. Que fiz eu, como cabo-verdiano, para merecer isto, ó Deus?
Iagem: Diogenes, o Cínico -- John Williams Waterhouse
2 comentários:
Desculpe la, mas a pergunta que tem de colocar é:"como é que me pude gabar ter votado em Pedro Pires e no PAICV?"
Je suis un dictateur convaincu qui persiste et signe ! Pedro Pires foi ditador e mais nada porque nao pode ser outra coisa que um nada de ditador. Que nao pensa convencer os Caboverdianos que foi outra coisa além desta impostura do NADA, violente, vazio e complexado...
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