terça-feira, 20 de dezembro de 2011

  • CAMPO DE CONCENTRAÇÃO OU DE TRABALHO? AMNÉSIA SELECTIVA
A propósito da atribuição do grau de Doutor Honoris Causa a Adriano Moeira pela Universidade do Mindelo, e da polémica que emergiu da abertura ou não do Campo de Trabalho do Tarrafal de Santiago por Adriano Moreira em 1961 – e o facto do mesmo dizer que o Campo de Concentração não existia no tempo em que foi Ministro do Ultramar – lavro seguinte nota.

Em ciência existe um Imperador: o facto. Não convicções pessoais ou colectivas, mas o facto. E a norma aprovada e publicada prova um facto acto jurídico que se tornou um facto iure et de iure: Adriano Moreira mandou abrir o Campo de Trabalho em 1961. E, como presunção plena, só admite prova em contrário do mesmo grau e valor. O professor Adriano Moreira está perante uma probatio diaboli; uma contra prova impossível de fazer. Como jurista sabe que é assim. O facto vale por si; não se move nem se moverá: está cristalizado pela história.

Assim sendo, quando mandou – sem razão – os cabo-verdianos estudarem a sua história foi, no mínimo, deselegante. (Senti-me ofendido... e lembrei-me de Adriano Duarte Silva a defender Cabo Verde na Assembleia Nacional do Estado Novo e dizendo aos parlamentares: "Quem não se sente não é filho de boa gente") Ando a espera de uma retractação pública do mesmo. Vou perdendo a esperança; mas quem sabe um exercício de memória de quem conhece razoavelmente a macro história de Cabo Verde ajude a clarificar as ideias, e a refrescar a memória.

Tem razão o Professor Adriano Moreira: quando se tornou Ministro a colónia penal do Tarrafal estava fechada – por ordem de Salazar e por razões conjunturais de política internacional –, mas ele, Ministro do Ultramar, mandou reabri-la em 1961 com um outro nome (uma técnica de desconstrução social da memória colectiva muito usada no Estado Novo e recorrente em sistemas políticos autoritários), mais infame do que o anterior: «Campo de Trabalho». Mais infame porquê? – perguntar-me-á

Mais infame no nome e na substância. Se antes o Tarrafal era uma colónia penal essencialmente para condenados por delitos comuns, a sua abertura em 1961 teve um objectivo claro: esmagar pela tortura e o isolamento os presos políticos ligados às lutas pela libertação nas Províncias Ultramarinas – já então não colonias –, à oposição socialista então em grande movimento no grande Portugal e na sua periferia. Era uma prisão política. Basta lermos, v.g., os discursos de Salazar à data para percebermos a dimensão da problemática.

Adriano Moreira pode ter discordado com Salazar sobre outras questões, mas não no essencial que importa à História, nomeadamente a história de Cabo Verde. A sua acção passada causou danos consideráveis a Cabo Verde; e esta história da Parceria Especial – que na opinião de José Maria Neves será uma grande ideia de Adriano Moreira – não é acção susceptível de, per si, granjear-lhe redenção… pelo contrário!

Tem razão Adriano Moreira: nós, cabo-verdianos, deveríamos conhecer melhor a nossa história que – para alguns – parece ter começado com Amílcar Cabral e o PAIGC/CV. (Se José Maria Neves conhecesse a história de Cabo Verde e a honrasse nunca teria mandado demolir a Casa de Adriano Duarte Silva e honrado Adriano Moreira pelas razões que o fez.) É dele, Adriano Moreira, a responsabilidade da abertura do Campo de Trabalho de Chão Bom no Tarrafal.

E, por ironia, esta tinha como objectivo coarctar a liberdade daqueles que em 1961 iniciaram a luta armada pela Independência – nomeadamente o PAIGC (de que o Primeiro Ministro de Cabo Verde é Presidente do ramo cabo-verdiano). E, para os que têm memória curta, lembro que Auschwitz-Birkenau tinha um lema: ARBEIT MACHT FREI: isto é: O TRABALHO LIBERTA. Querem agora dizer-me que reabrir o Tarrafal, naquele contexto político e para aqueles presos em concreto, e chamá-lo de “Campo de Trabalho” era inocente e sem qualquer conotação política? Não creio… quer pela natureza dos presos que se pretendia colocar no local quer pela dimensão intelectual de quem o mandou abrir.

Era a lógica do Gulag cabo-verdiano e que seria continuado depois da Independência pelo PAIGC/CV. Não é por acaso que é ele mesmo, Adriano Moreira, que chama ao local «Campo de Concentração»; e não é por acaso que o apadrinhamento do mesmo seja feito por homens afectos ao PAICV e tenha a chancela e o patrocínio do Governo
. (Atentai, por favor, nesta palavra… "Campo de Concentração" e no seu sentido etimológico e na teleologia da prisão dos cidadãos em causa.) Porquê… um acto falhado?

Adriano Moreira recusa a admitir a sua obra, o seu acto provado e demonstrado. Afinal – é sempre a mesma coisa – escreveu ou não escreveu? Assinou ou não assinou a Portaria abrindo o Campo de Trabalho do Tarrafal, para libertar aqueles que ansiavam a liberdade? Abriu ou não abriu o Tarrafal? É como diz Pedro Pires: "Ditaduras em África? duvido que existam." E eu sou Don Quijote e escuto Sancho Panza a dizer-me: «Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay».

Que indignidade para Amílcar Cabral e todos aqueles que lutaram pelas independências de Cabo Verde a Angola, passado por Guiné e Moçambique e por um Portugal democrático, para com aqueles que passaram e sofreram no Tarrafal. A dignidade vale mais do que o pão; é certo. Podemos viver mais tempo sem um prato de lentilhas e uma côdea de pão do que sem dignidade.

Antes do académico está o homem Adriano Moreira; melhor: a pessoa… o prosopon, a persona; pois isso de “honrar o académico” é falácia de intelectual de café e não de uma Universidade, de um centro de saber. Somente a pessoa, por ter personalidade jurídica e dimensão humana ou artística extraordinária, pode ser honrada pela Universitas ad aeternum com um grau Doutor Honoris Causa. Mas é como outro Adriano (o Mindelense, Adriano Duarte Silva, cujas ideias este Adriano Moreira plagiou e não disse que eram de outro para avançar com a ideia de adesão a União Europeia): «Cabo Verde tem a sina das pessoas obscuras».

Isto tudo pode ter uma explicação lógica, e talvez o académico Adriano Moreira precise de reforma. Talvez seja somente um problema de memória ou de não ter consciência que os tempos são outros, e os cabo-verdianos também.

Duas notas mais; pois a manhã não será eterna e faz-me falta um furacão. Eventualmente – como esqueceu que assinou a Portaria abrindo o Campo de Trabalho do Tarrafal – esqueceu também das ideias de Adriano Duarte Silva, que conheceu pessoalmente, e de que se apossou e fez suas. Isso, num académico… não é bom. Desde 2005 que que se cavalga numa ideia alheia, sem a mínima referência da sua proveniência.

Tem razão: os cabo-verdianos deveriam conhecer a sua história! Os Mindelenses e as autoridades Universidade do Mindelo em particular. Mas também esqueceu que, enquanto membro do Câmara Corporativa, chumbou o Estatuto de Cabo Verde como ilhas Adjacentes a Portugal, quando o outro Adriano, o Mindelense, propôs uma revisão da Constituição Politica de 1933 para, por via de tal estatuto, o arquipélago lograsse os níveis de desenvolvimento que precisava e que todos ansiavam desde o século XIX (lembro, v.g., António Maria Barreiros Arrobas). Não era, então, um problema político ideológico mas sim uma questão de natureza económica e de política de desenvolvimento que se pretendia para Cabo Verde. Sou Mindelense; Cabo-verdiano até à raiz… mas somos, em regra, assim mesmo: gente ingrata para quem nos faz bem, ingrata até com a nossa memória.

Sobre esta matéria, vide o «Parecer N.º 18/VII de 11 de Maio de 1959 sobre o Projecto de Lei n.º 24 para Alteração da Constituição Política de 1933. (Neste aspecto, é de anotar, o Professor Adriano Moreira também estava contra Salazar… pois este admitia este Estatuto de Ilhas Adjacentes para Cabo Verdeal project e, ele, enquanto membro da Câmara Corporativa, chumbou tal projecto) Não tivesse a Câmara Corporativa chumbado tal projecto do Mindelense – e, note-se, nessa época passou-se do Estatuto de Colónia ao de Províncias – e toda a história de Cabo Verde, inclusive a da independência nacional e os termos da descolonização, não só poderiam como teriam sido diferentes.

Espanta-me (sim, aleluia!) que os cabo-verdianos, quer a comunidade académica quer os media quer os políticos passem por cima desta realidade. Amnésia selectiva? Não creio. O que será? – perguntar-me-á. Se lhe disser… nunca saberá.

Imagem: Entrada de Auschwitz-Bierkenau: ARBEIT MACHT FREI -- O TRABALHO LIBERTA

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