domingo, 4 de dezembro de 2011

  • SER DEPUTADO É...  
1. Ser deputado não é ser um cidadão melhor que o povo, que os demais cidadãos, não. É ser representante do povo. É exercer o poder do povo, em nome do povo e no interesse do povo.

O que deputado diz, não o deve dizer «porque acha que é assim», mas porque o povo que representa quer e deseja que diga; não o que pode ser ou acha que deve ser mas o que deve ser no interesse objectivo do povo. O deputado deve estar perto do povo, e ouvir o que este espera do seu mandato. Um deputado que não diz o que o povo espera dele, é um traidor. Traidor porque trai a confiança dos cidadãos que o elegeram. O seu mandato torna-se ilegítimo pelo exercício inadmissível do direito de representação. Em direito isso chama-se abuso de direito. E abusados, não o quer o povo ou a cidadania.

2. Ser deputado não é privilégio de génio ou grandeza, é privilégio de servidão cidadã. Ter competência e ser competente é o mínimo que se exige para o servidor público, seja a que nível for.

Assim, um deputado arrogante – como qualquer governante agente do Estado arrogante – é como quem morde a mão que o alimenta. Um cidadão indigno de representar os seus concidadãos. Identificar essas pessoas, e não votar no Partido em cujas listas concorrem ou militam, é, será, uma boa terapia.

3. Ser deputado não é licença para o cidadão eleito enriquecer-se à custa do erário público. É, sim, mandato para criar leis em nome do povo e em benefício do povo. É, sim, mandato para fiscalizar o Governo e a sua administração da coisa pública em prol do bem-estar de todos e de uma forma justa e equitativa. É, sim, mandato para ser porta representante do povo e não chulo do povo.

O deputado tem competências e poderes de fiscalização constitucionais que tem o dever de usar para fiscalizar politicamente a acção governativa. Se não os usa, é um inútil. E as coisas inúteis têm um lugar natural.

4. Ser deputado não é sinónimo de inteligência e de capacidade. É, tão-somente ser um repositório de poderes de soberania do povo. Muitos, se passassem pelo crivo da aferição das suas competências, nunca seriam eleitos por um eleitor esclarecido. Bastará lembrar que Heliogábalo nomeou Hiérocles (cujo único mérito era ter um pénis descomunal) cônsul e quis fazê-lo César; assim como Calígula nomeou Incitatus, o seu cavalo ibérico, como Senador da maior instituição herdada da República – o Senado, a Assembleia representativa do povo.

5. Ser deputado não é ter um estatuto de impunidade, de estar acima das leis e dos demais cidadãos. Ser deputado é ser a voz dos cidadãos, um representante dos anseios, dos sonhos, das esperanças e, acima de tudo, da fé no bem comum e de cada um dos cidadãos da República.

6. Ser deputado – que na verdade é estar deputado – não é carreira política ou profissional, de forma mediata ou imediata. E, muito menos, não é nem deve ser segurança de emprego para ninguém. É colocar-se à disposição e ao serviço da nação, e estar disponível para tal. A nação não pode ser uma part time lover.

Quem não vê na função de deputado como um serviço público prioritário não pode nem deve candidatar-se a tal. O exercício do mandato soberano não pode nem deve ser preterido por quaisquer outras funções, sejam públicas ou privadas (o mesmo juízo se aplica aos juízes). E quem o faz desconsidera quer a função quer quem o elegeu, i.e., o povo; e torna-se, por indignidade, um representante ilegítimo da nação. Pelo que deveriam perder o mandato todos os deputados que suspendem o mandato para trabalhar para outras entidades, nomeadamente privadas, dando maior valor e importância ao dinheiro que a representação do povo.

O mandato pode ser suspenso – sem que se perca o estatuto de deputado – desde que seja para exercer funções governamentais ou outras (não electivas) de relevante interesse nacional que não sejam incompatíveis com a função e a natureza da função de deputado.

Que se altere a lei. Só deve ser deputado quem almeje sê-lo de verdade, não quem quer uma segurança salarial e uma reforma certa no futuro. A República é coisa pública, mas não é da Joana!

7. Ser deputado não é ser carneiro sob o cajado dirigente das estruturas partidárias. O deputado não representa os partidos; o deputado representa a nação e é porta-voz da cidadania. Mas o deputado só é porta-voz legítimo da cidadania quando defende a integridade nacional, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e os valores fundamentais em que se funda a comunidade social, política e jurídica. O deputado só é verdadeiro deputado quando defende os valores da Constituição.

Um deputado que defende os interesses de Partido político em detrimento dos interesses do povo é como o deputado que defende os interesses de uma entidade privada ou pública em detrimento dos interesses do Estado, dos órgãos deste e da comunidade: É um corrupto. Sim, corrupto. E corrupto porque usa os meios do Estado – que estão e deveriam estar afectos ao serviço do povo e dos seus interesses – para fins partidários, de uma entidade estranha ao Estado. De 1975 a 1992 tudo era permitido neste plano, pois Estado e Partido Único PAICV eram uma única coisa (coisa pública e PAICV eram uma e a mesma coisa), mas depois de 1992, com o Estado de Direito Democrático, a situação jurídica do Estado mudou… mas os vícios de sistema (muitos importados, de cultura) continuaram.

O Estado não é de Partidos ou dos partidos. O Estado é uma República e democrático – isto é: É do povo, da cidadania. Assim, se a sociedade (?) se organiza em partidos políticos para concorrer às eleições – com legitimidade questionável, diga-se en passant – isso não transforma estes em agentes directores do Estado e da sociedade como era antes de 1992. O Directório partidário do Estado e da sociedade acabou formalmente com a emergência da Constituição de 1992 – de notar a reforma do Artº.4º. da Constituição semântica de 1981 – mas a sociedade e o Estado continua a ser gerida pelos partidos. No plano substancial e da praxis política, essência do Artº.4º. da Constituição de 1981 sobrevive.

8. Os deputados da nação não devem ser acéfalos, meros cordeiros partidários. Devem ser homens livres, o que a lógica de Partido raramente permite. Tivemos, no plano político, duas revoluções (com, pelo meio uma regressão Constitucional e política em 1975, com uma evolução formal em 1981, uma ruptura constitucional em 1992 e uma nova regressão constitucional em 2010) na continuidade. A de 1975 e a de 1991-1992. Mas esta é uma outra questão, para o leitor reflectir. A verdade é que desde 1933 que temos uma Assembleia Nacional… nunca nos conseguimos livrar desse nome da assembleia dos pater patriae da mater lusa. Isso tem uma explicação que vai para além da política. Será que toda a nação cabo-verdiana precisa de um sofá? Não creio, até porque eu sou, também, a nação. E não preciso… e isso é bastante. Mas os deputados – desde 1975 até hoje – precisam, sim.

9. Os deputados da nação não estão inocentes. São, também, culpados do estado do país. Os deputados são guardiões políticos do Governo – fiscalizam-no. E são, também, guardiões dos valores enformadores e conformadores da comunidade; e por isso – reitero – têm os poderes e as competências para criarem leis para a realização do bem-estar de todos. E quando não o são? Quando são eles a violarem os direitos fundamentais dos cidadãos, com a aprovação de leis iniquas ou não os fiscalizando e agindo (como a aberração legal de uma mãe não poder ter subsídio de doença se o filho/a tiver mais de seis meses)? Pior: revendo a Constituição – por decisão que interessava aos partidos e às suas famílias politicas internacionais mas não à nação – em prejuízo sério da integridade do Estado e dos valores que o enformam.

Os deputados fizeram uma revisão da Constituição que é, em grande parte, nula. Nula por, essencialmente mas não só, violar ostensivamente os limites materiais de revisão da Constituição. Um jurista de segundo ano de qualquer faculdade de Direito de qualquer país que saiba o que é Direito Constitucional sabe isso. Não deveria sabê-lo os legisladores da Assembleia Nacional e os respectivos assessores jurídicos? Deveriam. Mas então, porque a barracada de tal revisão constitucional? (Compreendo, neste plano, o facto de Aristides Lima declinar ser Juiz Conselheiro no Tribunal Constitucional pois é daqueles que tem plena consciência deste erro e do caos que esta matéria pode[rá] vir a criar na justiça constitucional e mais: da desconstrução que este facto representa para o Estado de Direito democrático como configurado na Constituição de 1992).

Que fazer com tais deputados? De certeza que os cidadãos sabem.

10. Estamos perante o que Luigi Ferrajoli chama de crise de direito e da razão jurídica e em que o atentado contra a Constituição e às liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos são «coisas» (no sentido jurídico) do quotidiano, «normais». E, em toda a parte, os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos – e os próprios cidadãos – são coisas, um novo exército de escravos de uma democracia bastarda e sem vigias capazes. E tudo isso leva à desumanização da pessoa humana. E a cobra que não tem asas pode, um dia, tornar-se num dragão.

Ser Deputado não é ser manhento. Até gato "tatanha" sabe que o leite não dura para sempre, pelo menos para todos.

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