sábado, 24 de dezembro de 2011

  • IN DIVUS RELATUS EST



À Cesária Évora

Cheio de penas e dores move-se
a ilha longínqua
em terra de luz escura.
Nasce um terramoto na memória.
Um fio de sal nos olhos.

As horas, o toque do violino
e do cavaquinho, do violão e irmãos
são agora órfãos do tempo
em que a sua dor tinha nome,
a beleza passaporte de Beleza na voz
que sem letra e diploma
ensinava quem era capaz de aprender
que vaidade de vaidade
são todas as coisas que detemos hoje,
e que os sonhos são grandes…
tão grandes como bolhas de sabão e as dores,
as dores que vencemos
nas ruas secas, no silêncio das noites
sem fama, sem abrigo, sem aplausos…
verdadeiros ventres da eternidade.

Tudo o que é verdadeiramente belo dói
e sofre o cinzelo do tempo
antes de assomar-se ao Mundo
e transformar-se num vento breve,
num furacão fundo.

Duas vezes nascida, lá vai ela
com a beleza de Querubim no ar
a dizer tudo o que os poetas podem dizer
gratos pela dores de parto,
pelo pungir do tempo e alma,
pela senda reescrita da condição nossa: ser
Ilha, pedaço da terra prisioneira
que quando sente saudade nossa clama por nós
e retorna-nos ao seu ventre.

Não se pode lutar contra a saudade da Ilha,
pois ela pode parecer pequena e frágil,
pode se sentir como dor funda e raiva
mas é mais poderosa que a vontade –
é como os rios que não tem;
é como a sua natureza: terra de Mar beijado.

E um dia, com saudades de doce,

decide namorar-nos.

Nós, cobertos de vaidades, é que demoramos
a perceber que o Amor da terra
é eterno.
---- Virgílio Brandão

Imagem: Aparato e Mão -- Salvador Dalí

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