domingo, 4 de abril de 2010

| A PRIMAVERA E A MORTE DOS DEUSES

Era primavera, e Tibério sentia-se velho
e exilado de si mesmo.
Da Judeia, a sua mão tribunícia escreveu-lhe
espantado; um homem caminhava sobre a terra
e, como do Divus Vespasiano, se dizia dele
Amor ac deliciae generis humani com razão.

Cegos viam o Mundo todo e novo,
paralíticos andavam, mortos ressuscitavam
e, o mais espantoso de tudo: amava os homens
de verdade, dizia que era a verdade viva…
Tibério, escrevera um mandado ao Prefeito
— a dor roía-lhe! deveria saber o que lhe importava,
e pediu ao Senado para proclamar o nazareno Divus.

Na Judeia, o povo pedia a cruz para Deus.
Em Roma, o Imperador pedia o altar para Deus.
Na Judeia, os representantes do povo crucificavam Deus.
Em Roma, os representantes do povo negavam divindade a Deus.
Na Judeia, Pilatos perguntava: Quid est veritas?
Em Roma, o exilado Imperador perguntava ao Senado: É justo
negar-se a Deus o que é de Deus, o que é divino à divindade?
Gaio e Ulpiano, ainda não nascidos, escutavam-no da eternidade.

Era primavera. E Deus foi duas vezes crucificado,
em Roma e no Golgotha.

O Imperador, recebeu uma carta do Prefeito com a verdade:
— era Iesus Nazarenus Rex Iudarum!, Divi fili crucificado.
E viu a terra, toda a terra que os seus olhos abarcavam,
tremer de dor e vergonha, expandir-se e fender-se no breu.
No medo viu-a chorar a sua morte. Esta deu os seus cativos,
e ele, Pôncio Pilatos, mão forte do Império e da vergonha,
viu-os ressurrectos, caminhar sobre a terra,
sobre as pedras vermelhas e sangrentas da Judeia cativa.

Os deuses não morrem, mesmos crucificados.
Tibério Augusto descobriu o que procurava,
não estaria mais só,
não mais se sentiria Deus, como Deus.
E quando chegou a sua morte, morreu na primavera
— como Pôncio Pilatos, quando agarrou um punhal
e verteu na terra o seu sangue, como se fosse um cordeiro,
um cordeiro de Deus, inocente e digno como viu
sorrindo, olhando para ele e dizendo-lhe: — «Amo-te, Pilatos!».
As suas últimas palavras, um arrependimento:
Quid est veritas?

Era primavera, quando nasceu o Nazareno.
Era primavera, quando Deus e os seus algozes morreram.
Era primavera, quando os deuses nasceram.
É primavera, e não sabes…
----- Virgílio Brandão

Prima forma: Liberal
Imagem: Salvador Dali — Crucifixion ("Hypercubic Body") (1954, Metropolitan Museum Of Art, New York)

Sem comentários: