MOVIMENTO PARA A DEMOCRACIA
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO MPD, DR. CARLOS VEIGA, SOBRE A REFORMA DO ESTADO EM CABO VERDE
PRAIA, 21 DE JULHO DE 2010
1. Modelo de Estado. Regionalização
Em primeiro lugar deve debater-se a questão do modelo do Estado que melhor se adapte às realidades físicas e humanas do país, de modo a optimizar os recursos e oportunidades.
E aqui, o MpD sempre defendeu a regionalização do país assente em legitimidade política dada pelo voto popular, como realidade institucional supra-municipal
O MpD entende que chegou a hora de instituir a região/ilha como autarquia local supra municipal.
Cada ilha detém a sua própria identidade sócio-cultural. Os cidadãos identificam-se mais pela sua pertença a uma ilha do que a um concelho. A ilha, e não o concelho, constitui o caldeirão natural da cultura de interesses próprios.
A organização administrativa territorial baseada apenas em municípios, numa ilha com vários, reduz a escala e induz a uma visão fragmentada dos problemas fazendo perder a sua verdadeira dimensão e visão de conjunto, com prejuízo para a eficiência das soluções e da acção administrativa e desvantagens em termos de custo/benefício.
A integração de municípios num quadro de ilha potencia a desejada articulação e cooperação intermunicipal e permite delas aproximar mais o apoio técnico, material e em recursos que a Constituição manda conceder-lhes.
A integração da acção administrativa no quadro institucional de ilha facilita e induz o seu completo e mais racional ordenamento territorial, a sua protecção ambiental, a sua infraestruturação e o planeamento do seu desenvolvimento.
A experiência já mostrou que o poder local é factível e o pode sê-lo a nível de ilha. Quando surgem tendências acentuadas de fragmentação desse poder, com distorções relevantes de consequências imprevisíveis, o movimento de sentido oposto permitirá equilibrar e consolidar o processo de descentralização que é essencial para o processo democrático e de desenvolvimento equilibrado do todo nacional.
A Constituição reconhece expressamente a todas as ilhas o direito ao desenvolvimento equilibrado e ao aproveitamento adequado das especificidades de cada uma e declara que isso é uma condição e factor de realização de democracia económica (art. 90º 2 e).
Entende, pois, o MpD que é oportuno apostar na ilha como quadro de acção administrativa descentralizada.
A ilha como região deve ter uma assembleia eleita e um órgão colegial executivo perante aquela responsável, como prevê a Constituição.
As suas atribuições serão transferidas do Estado ou resultarão da integração de atribuições hoje municipais, devendo incluir funções de planeamento, de ordenamento territorial, de protecção do ambiente, de gestão e coordenação de serviços e estabelecimento públicos, de infraestruturação, de articulação e apoio aos municípios e de exercício de tutela sobre os mesmos.
Por delegação, os órgãos da ilha exercerão representação local do Governo prevista na Constituição.
A cidade da Praia seria excluída da regionalização por ilha, possuindo um estatuto próprio.
A existência de ilha/região deve implicar um pendor regionalizante na elaboração e uma significativa regionalização na execução do Orçamento do Estado.
2. Em segundo lugar, considera o MpD, impõe-se uma profunda reforma do Estado, abarcando, designadamente, os seis seguintes planos:
2.1. Primeiro, o plano do exercício da democracia, tendo em vista (i) dignificar a função da oposição como elemento estruturante do sistema; (ii) fazer a Assembleia Nacional partilhar responsabilidades políticas na escolha dos titulares de cargos estruturantes do Estado; e (iii) estimular o debate político.
Nesse quadro o MpD promoverá, entre outras, as seguintes medidas:
a) Possibilidade de grupos parlamentares de apenas dois deputados;
b) Assento do líder do maior partido da oposição no Conselho da República;
c) Audição parlamentar prévia de todos os propostos para Altos Cargos Públicos
d) Obrigatoriedade da presença mensal do Primeiro Ministro no parlamento para debater com a oposição;
e) Um novo Regimento da Assembleia Nacional que reforce o poder de fiscalização da oposição, seja no que respeita a tempos de intervenção parlamentar em matérias fundamentais, seja na composição de comissões parlamentares de inquérito e outras representações parlamentares;
f) Um estatuto próprio para o líder da oposição que reflicta a importância da alternância governativa para o sistema politico e para o país;
g) Debates obrigatórios na comunicação social entre Governo e Oposição e entre candidatos a Primeiro Ministro e a Presidente da Republica.
2.2. Da reforma das estruturas da Administração Central
O MpD considera que existe uma enorme multiplicidade e volatilidade de estruturas administrativas, claramente incompatíveis com os recursos do país e as necessidades de desenvolvimento.
Daqui resulta um modelo de gestão de efeitos perversos, no qual os governantes e demais políticos se ocupam em demasia com tarefas fundamentalmente administrativas, descurando o que é a sua função política própria.
Ocorre também uma grande volatilidade na configuração e designação das referidas estruturas administrativas.
Impõe-se, pois, racionalizar as estruturas administrativas do país.
Para tanto o MpD propõe-se promover a
a) Redução e estabilização do número, da configuração e designação das estruturas de nível governamental. Sua tendencial constitucionalização;
b) Separação nítida entre a função política (elaboração, implementação e avaliação de politicas e opções estratégicas), a que devem dedicar-se os membros do Governo, e as funções de direcção administrativa e operacional (a cargo das Ilhas e, a nível central, das direcções gerais);
c) Profunda reforma do estatuto do pessoal dirigente, sua tendencial profissionalização e sua qualificação – numa base de exigência, rigor e excelência, despartidarização e representação regional - por um Colégio da República;
2.3. Da profissionalização da função pública
A racionalização das estruturas administrativas, nos termos propostos, implica uma outra grande mudança na Administração Pública: a profissionalização da função pública.
Ela implica estabelecer e assumir, plena e efectivamente, o princípio de que, salvo excepções muito reduzidas previstas por lei, todos os titulares de cargos públicos devem ser profissionais e não meros agentes ocasionais, fortuitos ou eventuais, chamados para servir certos interesses.
Para tanto o MpD propõe-se, designadamente:
a) Estabelecer, de forma clara e rigorosa, uma lista curta e fechada de cargos de confiança pessoal e politica (director de gabinete, assessor, secretário) sujeitando todos os demais à meritocracia;
b) Estabelecer que, tendencialmente, todos os cargos de chefia da Administração Pública, incluindo os directores de serviço, devem ser lugares de carreira;
c) Estabelecer que os cargos de Director Geral devem ser providos, em regra, por concurso público isento e exigente, de entre quadros com qualificação pelo Colégio da República;
d) Assegurar que os processos decisórios de escolhas de certos cargos públicos de direcção sejam democratizados, abertos à participação dos interessados: serão, designadamente, os casos dos directores de estabelecimentos de ensino públicos e dos directores dos órgãos de comunicação social.
2.4. Da responsabilização da Administração Pública:
No Estado de Direito Democrático, a Administração Pública submete-se ao direito e responsabiliza-se pela ofensa dos direitos e legítimos interesses dos cidadãos e das empresas. Di-lo a nossa Constituição de modo claro.
Torna-se, pois, imperioso mudar a situação actual, em que o Estado:
• Acha normal pagar com dois ou três anos de atraso, sem juros, mas que cobra juros diários aos cidadãos e empresas;
• Não aceita compensar os seus créditos com as suas dívidas recíprocas;
• Não responde a petições e requerimentos dos particulares;
• Trata os cidadãos com enfado;
• Leva anos a decidir o que podia decidir em meses e meses a decidir o que podia decidir em dias;
• Não tem prazos, nem critérios;
• Despacha o que entrou em ultimo lugar e guarda na gaveta o que entrou primeiro;
• Complica em vez de facilitar;
• Não tem o espírito de servir adequadamente os cidadãos;
• Confunde serviço público com autoritarismo e arrogância.
Contra esse estado de coisas o objectivo permanente será assegurar, na prática (não apenas legislar, mas fazer cumprir) que:
(i) todos os cidadãos e todas as empresas têm direito a uma resolução final do seu processo administrativo num prazo razoável, como manda a Constituição;
(ii) todos, sem excepção, têm direito de resposta, num prazo razoável aos seus pedidos, pretensões, protestos e reclamações;
(iii) a Administração deve colocar-se em posição de tendencial igualdade com os cidadãos e as empresas no cumprimento das obrigações recíprocas ou conexas.
A aposta para o efeito será: (a) na formação e sensibilização; (b) no reforça da auditoria e inspecção administrativa; (c) no controlo social dos procedimentos administrativos.
O MpD adoptará, designadamente, as seguintes medidas:
a) Aprovação de uma nova lei da responsabilidade do Estado, de modo a reforçar os direitos dos cidadãos à indemnização por prejuízos decorrentes de acção ou omissão dos órgãos ou agentes do Estado, incluindo os decorrentes do incumprimento de prazos a que está obrigado;
b) Condenação do Estado em custas quando é vencido em tribunal;
c) Alargamento dos casos de deferimento tácito;
d) Aprovação de um novo Código de Justiça Administrativa que assegure aos particulares o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, como estatui a Constituição;
e) Responsabilização disciplinar dos dirigentes administrativos por falta injustificada de resposta aos requerimentos e solicitações dos particulares;
f) Responsabilização disciplinar e, eventualmente, criminal, por tratamento discriminatório nos procedimentos administrativos;
g) Conferir especial atenção e importância à função de atendimento público;
h) Promover a instalação urgente do Provedor de Justiça;
i) Generalizar medidas de controlo social dos procedimentos como a obrigatoriedade do uso de placas de identificação e das caixas de reclamações, bem como de “sites de reclamações” e de reserva de dias de trabalho de dirigentes exclusivamente para audiências ou para prestação social de contas
2.5. Terciarização de algumas actividades e simplificação administrativa
O MpD prosseguirá - e alargará com ousadia - a via da terciarização de actividades da Administração Pública, sempre que se mostre globalmente mais vantajoso, porque também considera essa via um modo de incrementar a actividade empresarial, com ganhos de eficiência e eficácia;
O MpD adoptará a curto prazo um programa permanente de desburocratização e simplificação administrativa que concretize a eliminação de formalidades inúteis e de exigências desproporcionadas, encurte tempos de resposta e decisão e imponha o cumprimento dos prazos legalmente estabelecidos, o que constitui expectativa legítima do cidadão e das empresas.
Serão estabelecidos prazos máximos rígidos que não poderão ser ultrapassados sob pena de responsabilidade disciplinar, civil ou penal, conforme couber.
Serão estabelecidos regimes com tratamento especial para procedimentos como os de avaliação de projectos. licenciamentos, autorizações para investimento, estatutos de utilidade turística, industrial e outros de acesso à actividade económica, isenções e outros benefícios fiscais e similares.
2.6. Governo electrónico
O MpD prosseguirá, alargara e aprofundará o uso de novas tecnologias de informação e comunicação num sistema organizado em rede, abrangendo a totalidade da Administração Pública (central, periférica e local, descentralizada, interna e externa) e sua interligação com outras funções do Estado, tendo em vista uma administração orientada para actividades e resultados e não para processos ou rotinas, com serviços integrados, de qualidade, centrados nos cidadãos e nas empresas, eficientes, transparentes, isentos e imparciais e racionalmente estruturados.
2 comentários:
Gostei no que toca à meritocracia mas neste momento e dentro desse grupo, há mindset para a implementação destas medidas?
E quando ele estava no poder em que apenas os filhos do MpD estavam na Administração, porque não fez ele isso? Há meses ele disse que se regressar vai acabar a obra que começou em 91: limpar da Administração todos que não sao da sua cor política. O homem não tem moral, não fez quando tinha 40 anos e vai fazer aos 60?
Carlos Silva
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