quarta-feira, 30 de novembro de 2011

  • A MULHER DO PRESIDENTE DA REPUBLICA E A ADVOCACIA
Parece coisa de lana-caprina, mas não é. Arnaldo Silva, Bastonário da OACV fala de uma incompatibilidade que pode emergir do facto de Lígia Fonseca, “esposa do Presidente da República”, exercer a actividade profissional forense. (Noto que, em rigor, não é esposa… é mulher do Presidente da República. Que mania essa, a da esposa!) Ora, sem mais: tem razão Arnaldo Silva, e tem razão não por tal incompatibilidade ser uma susceptibilidade – e muitos pensam que estamos perante uma lacuna normativa, mas não… – mas existir uma incompatibilidade patente entre a situação jurídica mulher de Jorge Carlos Fonseca, PR da República, e a de Advogada.

Sem me alongar muito. Esta questão tem três planos fundamentais: (1) ético, (2) jurídico e político e social (3). E, data vénia, parece-me que a situação é clara em ambos os planos de consideração deste facto num Estado de Direito democrático.

(1) A maioridade da democracia está – mais do que na ética normativa ou na separação de poderes mas – na sua dimensão axiológica. E é esta que conforma, em última ratio, a vida em sociedade, as situações jurídicas. Lembro o juízo dos magistrados romanos sobre a violação de Lucrécia por Tarquínio: não havia lei, é verdade, mas a natureza das coisas (a axiologia) impedia tal acção; ela ofendia a consciência cidadã. É dela que se retira o espírito das leis. E por isso nasceu a República Romana e a Lei das XII Tábuas, a primeira Constituição Republicana.

Existe uma ética democrática – plasmado num verdadeiro costume constitucional – que impede as «Primeira Damas» dos países democráticos de exercerem uma actividade remunerada. Em Cabo Verde existe um costume segundo esta ética democrática matricial e que deve ser considerada ao se analisar esta situação. Expressa, na verdade, uma dimensão valorativa. Neste plano, é evidente que a mulher do Presidente da República não deve exercer uma actividade remunerada que colida ou seja conexa – directa ou indirectamente – com a actividade do marido. Em particular no âmbito de um Órgão de Soberania como é a actividade forense e de lobbying. Existe uma incompatibilidade ex natura, não somente ética mas prática que tem relevância jurídica e sociais relevantes.

(2) No plano jurídico, e sem ir mais longe pois outros afazeres demandam a minha presença, ressalta um facto: A Dra. Lígia Fonseca é casada com o Presidente da República – ou o contrário, para outra perspectiva –, o que torna todos os bens auferidos quer por um quer por outro propriedade comum do casal (a remuneração dele e os honorários dela entram na comunhão do casal – excepto se fossem casados no regime de separação de bens).

A remuneração de Jorge Carlos Fonseca e de Lígia Fonseca têm – como é consabido por todos os que devem saber – a natureza jurídica de «direito de propriedade comum do casal». Ao receberam o valor fruto do seu labor, este não é de um ou de outro, é de ambos. Incorpora-se no património da sociedade conjugal de Jorge Carlos Fonseca e de Lígia Fonseca. Poder-se-á dizer, assim, que com a actividade forense da mulher o Presidente da República auferiria honorários. O que autoriza um sem número de especulações – que se fazem noutros quadrantes do planeta, nomeadamente em África – que Jorge Carlos Fonseca não merece nem deve ser sujeito. (E sabemos bem como e o que é a boca d’povo.)

Não é, pois, matéria de lana-caprina; pelo contrário: é de relevância extrema, como se pode ver. Assim, quando alguém a remunera a Advogada Lígia Fonseca está, indirectamente, a contribuir para o aumento do património do Presidente da República Jorge Carlos Fonseca. Se a mesma aumentar a sua actividade, por méritos profissionais e laborais, não faltará quem venha a com a acusação de «africanização» do poder, de tráfico de influências, de corrupção e outras indignidades que se deve evitar.

Nestes aspectos, v.g., a condição de mulher do Presidente da República é, manifestamente, incompatível com a actividade forense numa sociedade como a cabo-verdiana. Aliás – e sabendo que a mulher do Presidente da República é, por natureza e como o mesmo reconhece, um dos seus conselheiros – fácil é verificar que os conflitos de interesses seriam recorrentes. (e tal pode, inclusive, comprometer a imagem de isenção da Presidência da República) caso a Dra. Lígia Fonseca decida continuar a sua actividade profissional em termos normais. Tenho de dizer, como o Imperador marco Aurélio disse a Faustina a Bela – sua mulher – e a Lucilla Augusta, sua filha casada com o co-Imperador Lúcio Vero: «A mulher do Presidente da República não basta ser séria; tem, também, de parecer que o é». É um juízo ético, condicionador da acção social e profissional da mulher do Presidente da República.

(3) Ao ouvir alguns dizerem – como Germano Almeida, ex-Conselheiro de Estado – que «nunca ninguém se lembrou de criar o estatuto da Primeira Dama…», tenho de sorrir livremente. Basta atentarmos na história cabo-verdiana – e portuguesa, já agora… – e do Constitucionalismo [ao nível da matriz] para percebermos as razões e fundamentos de tal estatuto e da sua existência. (Quem foi que disse que as normas jurídicas têm de estar todas escritas no papel e que têm de emanar da Assembleia Nacional? Quem? Sabemos.)

A demais, o Presidente da República sempre foi visto como o primeiro homem político, e um bonnus pater familias – o provedor da família. Daí a natureza jurídica de «património comum do casal» da remuneração do Presidente da República e do Pedreiro, do Professor e da Advogada, do Polícia e do Soldador, do Estivador e da Jogadora de Basquete, do Consultor e da Ministra, do Fiscal de finanças e do Electricista, do Juiz e da Dona de casa, da Rabidante e do Deputado, da Esforçada nacional que ganha 12 contos por mês e do Reformado do Estado Consultor do Banco Mundial, do Embaixador e da Doente Evacuada para o estrageiro, do Ministro e da e da Vendedeira de peixe, da Engenheira e do Barman, da Arquitecta e do desempregado…etc., etc., malagueta que é tudo uma beleza! E no plano político a mulher do Presidente é vista – feminismos a parte – como elo de equilíbrio político-social da imagem do Presidente da República: o «Presidente junto das pessoas», de forma mediata, através da mulher. Antes de o ser já era dito, caso para dizer.

Ser mulher do Presidente da República não é uma função menor; não. Pelo contrário… é uma função política a outro nível, de lobbying social. Poderoso, talvez até excessivamente poderoso, num mundo em que a imagem tem peso político por si mesma e que realidade se constrói, na verdade, na intimidade (pelo menos começa nela).

A dissolução externa do papel social da mulher pela mulher do Presidente da República não, bem analisada, um bem para a nação. As mulheres dos chefes de Estado de referência sempre compreenderam isso. Temos o exemplo de Eleanor Roosevelt – que se dedicou aos Direitos Humanos e tornou-se uma referência na história da defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana no Século XX; falando de exemplo que nos é estranho no plano da ética política. Mais próximo estará Maria Barroso que fez um extraordinário trabalho de lobby social e político (por vezes subterrâneo) na sociedade portuguesa, nomeadamente com a criação da Plataforma das ONG’s – que, sendo inicialmente uma organização não-governamental não reconhecida, acabaria por ter um papel fundamental no movimento cívico institucional, e no próprio modelo institucional das ONG’s em Portugal, ao ser reconhecida em letra de lei não somente a sua existência institucional mas, também, como matriz constitucional das demais.

Se atentarmos na história das ONG’s – e do seu núcleo essencial – na segunda metade dos anos oitenta, veremos a influência de Maria Barroso Soares e perceberemos a «cidadania» de, v.g., Fernando Nobre e a génese da sua recente candidatura presidencial. A mulher do Presidente da República é muito mais do que eram e foram as figuras aparentemente decorativas de, v.g., Soraya Bakthiari (a princesa do silêncio), Jacqueline Kennedy ou, hoje, Carla Bruni.

Em Cabo Verde, Adélcia Pires teve um papel relevante na defesa da infância – talvez as circunstâncias não a tenham ajudado a universalizar a sua acção social a todo o país, mas é de assinalar. Esteve, na verdade, mais próxima do cidadão do que o próprio Pedro Pires que, enquanto Presidente da República, refugiou-se no Palácio do Plateau.

Entendo a dificuldade, particular, diga-se, da mulher do Presidente da República desligar-se da sua actividade profissional, mas é chamada a algo maior, que exige sacrifícios – o Presidente da República sacrifica, ele mesmo, outras coisas para exercer a função de rosto da República. Lígia Fonseca sabia ao que vinha. Ela sabia, ao apoiar a candidatura do marido, que teria de enfrentar esta situação. Situação que não é inédita… mas a solução é simples e imperativa no plano profissional. Os danos colaterais são ultrapassáveis. No demais… Deus! O país precisa de quem se lance na defesa de quem precisa de ser defendida: as pessoas mais vulneráveis; dos mais pobres aos injustiçados, passando pelos meninos de rua, os órfãos, as mulheres maltratadas, o ambiente desprotegido, a cidadania refém, as artes e os artistas, a juventude… há tanto que curar, e a precisar de um Patrono, de um mecenas, de um Defensor do Povo que pode em estar na Presidência da República, ali mesmo, ao lado do Presidente.

Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos para ter acção relevante em prol da nação. Espero que Lígia Fonseca perceba que não é a coisa patética que chamam de «primeira-dama» – como o damo da Sopeirinha –, não. Espero que entenda que a sua função é, ex natura, a de mulher do Presidente da República, o seu companheiro, o seu adjutor; o primeiro de todos os seus conselheiros. Se isso de ser mulher – e ser marido – já não significa o que é… então vou mesmo é morrer solteiro.

Mas como isso não é coisa de lana caprina, a mulher do Presidente da República, com o conselho deste – as coisas, aqui, invertem-se –, saberá o que fazer, e isso é tão óbvio que dispensa ou dispensava qualquer pronunciamento publico de um dos vigias da democracia. E, neste ponto, anoto um facto agradável: o Bastonário Arnaldo Silva prestou, com a sua opinião (que não coumungo na totalidade, como referido supra) um serviço público e muito relevante à nação. O meu aplauso público. Grato. Mas como gostaria de ouvi-lo falar assim de outras coisas… que afligem a nação. De falar e de agir.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tem toda a razão, mas não é apenas a mulher do presidente que tem de entender; é o proprio presidente que tem de entender que ele não pode ter uma mulher advogada defendendo casos onde pode ganhar (podem portanto os dois) milhares de contos. Estamos perante uma caso de trafico de influência e diria mesmo de corrupção. Não sei se chegou a ouvir a entrevista do presidente à RFI onde o "caso da mulher" e ja agora do seu chefe da casa civil, foram questionados de maneira muito pertinente pelo jornalista. Oiça aqui:

http://www.portugues.rfi.fr/africa/20110916-jorge-carlos-fonseca

Virgilio Brandao disse...

Sim... ouvi a emissão da RFI, a data da edição.

Grave, grave... é uma outra situação. O presidente da República não avisa por "Nota de Imprensa" que sai do país: o Presidente da República só pode sair do país depois de (i) Comunicar à Assembleia Nacional que vai sair do país ou (ii) ser Autorizado pela Assembleia Nacional a sair do país, consoante o tempo da ausência do território nacional.

Não existe vida privada e vida pública do Presidente da República. E, sobre esta matéria que apoda de de trafico de influência e de corrupção... poderá configurar, em casos concretos, tais situações. Não neste momento, pois certamente que chegaremos a tal.

Eu entendo que as imcompatibilidades do Artº.129º. da CRCV aplicam-se, também, a mulher do Presidente da República.

O PR está a expor-se demasiado aos media, e isso irá dar-lhe muitas dores de cabeça.

Ariane Morais-abreu disse...

O PR vai cometer muitos erros derivados da grande emoçao da sua eleiçao.

Sobre esta questao da "mulher do presidente" poderiamos também pensar e fazer de uma outra forma que seja adaptada a realidade propriamente cv para nao prejudicar sistematicamente a carreira e liberdade desta em favor do marido. Nao vejo incompatibilidade se se respeita as leis.
En France, (contrairement à ce que tu laisses entendre) la femme de Sarkozy ne s'encombre pas de moralité car tout semble bon pour se faire un maximum de fric et de pub du fait de la chose présidentielle. Elle joue parfaitement le jeu de l'épouse aimante (conditions contractuelles!) jusqu'à la naissance très énigmatique du bébé présidentiel qui a été fabriqué pour l'échéance des présidentielles 2012, tous les moyens sont bons pour accéder et conserver le pouvoir. De mon point de vue, ce mariage n'a rien d'un mariage d'amour mais bien d'un contrat (de type "gagnant gagnant", parafraseando a ideologia mentirosa deste) qui garantit au président français la plus glamour et parfaite image matrimoniale. Sera o complexo "Kennedy" que se pretende reproduzir nessas latitudes... Cada um o seu bastardo complexo!! Lol