sexta-feira, 2 de abril de 2010

| Mob Justice in Burundi — Official Complicity and Impunity

Lia o Relatório da Human Rights Watch sobre a justiça popular no Burundi, e não resisti a partilhar o texto com os leitores de Terra-Longe. A violência das sociedades emerge de causas profundas, e como doença social tem tendência a agravar-se, quer pelo efeito de multiplicação via imitatio quer pela resistência que, cedo ou tarde, os cidadãos acabam por reagir por via da retração popular.

O descrédito de uma justiça lenta e, na percepção popular, injusta leva a que a violência passe de latente a patente. Esta, por vezes, é potenciada e promovida na obscuridade; pois é: há sempre uma mão a embalar o berço. A circulação na web — ainda há pouco tempo — de um conjunto de fotografias identificando os denominados thugs foi, na minha perspectiva, um ensaio de medida extrema que, ao que parece, não teve os frutos desejados. Uma forma de alguém lavar as mãos ou de se devolver o poder Judicial ao povo num momento particular, uma forma de "suspensão" da democracia e do Estado de Direito para o povo se livrar dos thughs? Pensar nisso é horrível, mas é dever de todos cogitar em tudo, em todas as possíbilidades; é que ninguém age por agir, existe sempre uma razão para a acção politicamente relevante.

A inércia (por vezes inépcia) das autoridades, a falta de visão política e, não raras vezes, a ausência de meios [materiais e humanos] para fazer leis adequadas e tomar-se as medidas devidas no quadro de uma terapia social contra a violência e a cultura da violência são, em si mesmas, um perigo social. Já nem falo nas condições de aplicação da lei penal. Em Cabo Verde temos algumas leis que são boas, e tão avançadas no plano civilizacional que acabam por se demonstrar "demasiado boas" para o contexto social do país — o "espírito da lei" é bom, no plano da ética teórica com vocação universal; mas o universal é uma falácia no contexto particular da sociedade cabo-verdiana. Mas isso é um outro problema, conexo com esta, mas uma outra questão.  

A paz social e a sua manutenção não se improvisam. O Governo, de repente (?) desperto está na fase do diagnóstico [e também passa a ideia de que numa fase primeira desta], quando já deveria ter ultrapassado o diagnóstico e a prognose e estar, neste momento, ao menos, na fase da determinação prescritiva, na precrição da terapia  necessária e adequada — se é que não deveria estar, já!, a aplicar os remédios sociais para travar a violência e algumas das suas causas. Mas não! Show off não resolve nada; não se governa para o povo saber que se vai fazer o que se não pode fazer. Cedo ou tarde o povo acaba por ver. Mas, ao caso, só pode ser tarde... pois as eleições estão à porta e não se tem tempo para remédios estruturantes, só para terapia de choque. Percebo, e entendo tal estratégia no quadro de uma dada forma de ver a política — no sentido próprio e mais nobre.

Tudo isto, todos estes paninhos quentes para curar um cancro, só podem ter um resultado. Não levam a nada de verdadeiramente sustentável; a nenhum bem social objectivo. Assim como a ausência de uma Justiça justa, célere e humana mas igualmente severa! leva, por vezes, a atrocidades inomináveis. Aprender com os outros é o que diferencia o sábio dos aprendizes de feiticeiro. Os senhores da Praia deveriam ler este Relatório, é um alerta de como os cidadãos podem reagir ao crime de uma forma criminosa, como um gigantesco sociedade de vigilantes.  Os Senhores de Bujumbura, da política ao sistema judicial, parecem caucionar a lógica do «cometes um crime? morres já, sem julgamento» (ainda que o crime seja o furto de 60 Kilogramas de feijão ou meia dúzia de bananas).  Anda por aí uma humanidade muito, mas muito desumana!

2 comentários:

Amílcar Tavares disse...

Excelente texto. Duas notas:

- Também em Moçambique há uma preocupante onda de linchamentos de ladrões.

- Aquelas fotografias que mencionas parecem 'mugshots' o que pode levar à conclusão de que elas vieram dos ficheiros policiais, o que seria gravíssimo!

Virgilio Brandao disse...

Acho que foi propositado, para provocar uma onda deste género... e deveria ser investigado. E a PGR poderia, querendo, ter a identificação de quem as enviou para a net... bastava fazer um track dos IP's até chegar ao IP de origem...

E se calhar anda a fazer isso e não sabemos, pois está-se em sede de crime, e muito grave do meu ponto de vista, e tal, a ser assim, estará sob segredo de justiça. Vamos ver...

Ah, isso dos thugs estarem "identificados" pode trazer alguma luz, no plano das conjecturas, ao que dizes sobre a origem das fotos.

Abraço fraterno