sexta-feira, 12 de outubro de 2007

MENINOS DE RUA, ALMAS NA RUA

Esta noite vi na RTP – África uma reportagem sobre os «meninos de rua» em Cabo Verde e adormeci no sofá.... Acordo, de alma cansada. Confesso que fiquei perturbado com tal calamidade – não somente por causa do desespero que se podia ver nas vozes de muitos, mas também no indisfarsável orgulho de outros que, necessariamente, desembocará num ser humano sem respeito pelo valor da vida alheia; como acontece em muitos bairros de Lisboa...

É uma intolerável vergonha nacional. O país não tem problemas sociais que justificam a dimensão deste opróbrio – pobreza sempre houve e numa escala ainda maior do que hoje; basta um exercício de memória colectiva... Acontece que esta vergonha sempre foi escondida; e os problemas não encarados acabam por se tornar maiores do que são ou deveriam ser.

Lembro-me de, em 1998 – aquando do «II Congresso de Quadros da Diáspora» em S. Vicente – o Presidente da Câmara Municipal, Onésimo Silveira, ter mandado prender todos os meninos de rua do Mindelo por causa de um jantar de gala que iria ter lugar no Hotel Porto Grande com a presença dos «quadros» – como se esses não soubessem o que é/era a pobreza – e de membros do Governo, nomeadamente do então Primeiro Ministro, Carlos Veiga que não deveria se afrontado com essa realidade do paraíso.

Os meninos foram escondidos nos calabouços da esquadra do Mindelo durante o tempo do jantar; para ninguém os ver ou não incomodarem nenhuma eminência nacional ou da diáspora pedindo uns escudos para comprar algo para comer... Como o menino que – escapando do zelo imposto à polícia – me pediu dinheiro para comprar comida e depois, no dia seguinte, esperou por mim para convidar-me a ir comer spaghetti na sua casa; o que fiz com prazer.

Sabendo todos a verdade ninguém a conheceu ou quis saber dela. Não aconteceu nada, pensaram muitos; somente se acrescentou rejeição e exclusão à alma dos meninos que foram crescendo – hoje, pergunto-me, que tipo de homens são? Não dará para nos esquecermos quando, um dia, aparecerem à nossa frente com uma faca ou uma pistola a reclamar a nossa vida ou património; mais, as dos nossos filhos. Então, será tarde demais...
  • Aplaco a minha alma escutando «Triangular Situations» de Vasco Martins e «The Ashokan Farewell» de Jay Ungar & Molly Mason.

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