quarta-feira, 19 de maio de 2010

O MEU POETA, O BOM GOVERNO E A BATOTA ESTATÍSTICA


O Governo de Cabo Verde, presidido por José Maria Neves, tomou umas boas medidas na semana passada, e deveria ter anotado o facto — diz-me o meu poeta. Mas eu atentei nisso, só não me pareceu o momento adequado para falar daquilo que ainda irá dar muito que falar.

Todas as flores têm o seu tempo, e existem vários tipos de abelhas; mas não tantos como os comedores de mel — anoto eu ao meu poeta. E não me percebe, o meu poeta… e perco o meu tempo a fazer-lhe notar que os técnicos do Instituto Nacional de Estatística foram aos manuais de estatística e apresentam dados extraordinários, segundo "métodos novos" (!) para apresentar o milagre do Governo: em poucos menos de um mês apresentar uma taxa de desemprego a rondar os 20% para cerca de 13%. É obra! Coisa extraordinária — dirá o meu poeta. Eu direi que sim, é coisa milagrosa… descobrir-se, de repente, o conceito de desemprego e, interpretando-o, aplicá-lo no rigor aos dados do universo estatístico pré-determinado. Na Riberia Bote e em Fonte Filipe chama-se a isso de… batota! É a diferença entre Alexandre Magno e o pirata…

Já bem dizia o Benjamin Disraeli que "existem três tipos de mentiras: as mentiras simples, as mentiras terríveis e as mentiras estatísticas." O povo, que não anda atrás de coxo mas de emprego, apanha esta inverdade estatística no seu dia-a-dia com a rapidez com que os sonhos morrem nos bairros pobres e sedentos de pão.

Nenhum governo deveria dizer que é um bom governo, pois o único bom governo é aquele que governa uma sociedade de brutos que se tomam por sábios… pois governar uma comunidade de brutos-sábios ou de sábios-brutos é mais difícil do que fazer um paraplégico saltar a corda. E é por isso que o estagirita distinguia a boa e a má democracia. Os sábios que não são brutos andam a dormir, ou será que vão se tornando brutos com o silêncio que cultivam quando deveriam gritar aos quatro ventos? Ou será que é o medo que faz com que os sábios-sábios se escondam e cedam o lugar aos sábios nescafé que pululem a blogosfera cabo-verdiana? Há um connatus essendi social por aí… ai se há!

E não colocar o saber adquirido ao serviço da comunidade é, também, batota; a demissão da responsabilidade intelectual é, também, batota moral e uma mentira estatística. Porque? Porque os doutores não são aqueles que tem títulos académicos mas si aqueles que ensinam a aprender, a pensar, a questionar e, a afinal, a agir. Uma terra de doutores calados é tudo menos uma terra de doutores, é uma terra de vasos vazios e recolectores… até nisto a estatística mente!

O que me lembra, para o meu poeta e quem quiser, uma historia medieva. Um poeta — que era, ao que parece, saltimbanco, vaidoso, "futurista e tudo"… como diria o Almada — gritava numa feira, promovendo-se:

— Dêem-me um tema! Dêem um tema e farei o mais belo dos poemas…

Uma velha, com a sapiência ou sageza legada pelos anos a brilhar-lhe nos olhos da alam tumefacta, gritou do alto da sua provecta autoridade:

— Senhor poeta, o que o Senhor precisa não é de um tema… é de um coração!

Pois é, quem é que não precisa? O que sei é que nunca daremos um coração à estatística! À estatística e não só… não acha?

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