- O ERRO DE CONSCIÊNCIA E EXPLORADA ATÉ À TANGA
Uma mulher trabalhou para um cidadão luso, durante três meses que este esteve de trabalho, mais férias que trabalho, em Cabo Verde. Pagou os dois primeiros meses de remuneração, e gastou todos os seus tostões nas noites do Mindelo. Voltou de socapa à Lusitánia. A empregada ficou a arder! E disse a si mesma, olhando para o Monte Cara: — Só as montanhas é que não se encontram…
Teve de emigrar, e foi à procura do homem em Lisboa. Queria o seu dinheiro, o fruto civil do seu trabalho. Era pouco, mas era seu.
— Não te conheço! — disse ele.
— Ah, não! Pagarás o meu suor, ó desalmado — volveu ela.
Procurou um Advogado, e disse-lhe:
— Dr., o cidadão Sicrano Malagueta e Tal deve-me a quantia de 14.000 Euros. Quero processá-lo, e todo o dinheiro que receber é seu, não quero nada; só receber o que é meu.
— Todo o dinheiro, Sra. Explorada Até À Tanga? – volveu o Advogado
— Sim, todo o dinheiro que receber será seu. Eu não quero nada, só que o Sicrano Malagueta e Tal me pague; pois não sou parva.
O Advogado acordou com ela, e resolveu patrociná-la; assumindo as despesas do processo. O problema era que a credora não tinha nenhum documento que provasse o seu crédito.
— Ele não é homem de dizer em Tribunal que não me deve, pois tenho testemunhas – afiançou ela. Assim sendo, o Advogado avançou para o Tribunal, reclamando o que era devido à Explorada Até À Tanga.
Na sua petição inicial a Autora dizia: com os fundamentos x, y e z… o cidadão Sicrano Malagueta e Tal deve-me a quantia de 14.000 Euros. O Réu Sicrano Malagueta e Tal, recebendo a citação, deduziu contestação (pois o silêncio equivale, em processo civil, à confissão de que os factos deduzidos pelo Autor são verdadeiros – mesmo que o não sejam!) e arrazoou: não corresponde à verdade o que a Autora, o cidadão Explorada Até À Tanga diz! Não devo 14.000 Euros, o que devo é 110 Euros por ter tido uma relação laboral com Explorada Até À Tanga e não lhe ter pago.
Ao ler a Contestação o Advogado chamou Explorada Até À Tanga ao seu escritório e, com a peça processual na mão perguntou-lhe:
— Pode me explicar o que é isto que o Réu Sicrano Malagueta e Tal diz?
Sim, posso! Se dissesse ao Sr. Doutor que o Malagueta me devia 110 Euros, nem me receberia. E nem teria hipóteses de receber o devido. Além, disso, o mafarrico do Malagueta teria vergonha de reconhecer, cara a cara em Tribunal que me pagava um ordenado tão irrisório. Mas para não pagar 14.000 Euros, reconheceria que me deve 120 euros.
O Advogado riu-se. «Mas como é que uma cidadã Explorada Até À Tanga sabe o que é o erro de consciência?» — pensará ainda hoje, pois não sabe que o povo tem toda a sabedoria de Deus. Mas há quem não saiba o que é a cominação plena — que funciona, no processo político, como no processo civil.
Imagem: Kiki Bokassa
2 comentários:
És um bom contador de histórias.
As histórias, como sabes, nascem dos silêncios e das omissões. Na verdade, as histórias (ou estórias) contam-se a si mesmas...
:-)
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