sexta-feira, 8 de outubro de 2010

| O ANCIÃO DOS DIAS

Não tenho muito para dizer;
tenho é muito que escutar em silêncio.
Aprendo com as cotovias que gritar é morrer
nas mãos do predador;
com as águias formo a minha alma
e do seu planar licencio-me na cadeira alimentar
mas o quero ser é a margem do rio,
do rio do Ancião dos Dias, o Kether
que desemboca no deserto levando pedacinhos de mim.

E das serpentes, oh céus! Fere-me a sua paciência
a sua paciência ruminar e plana
que briga com a astúcia da raposa e do lobo,
do lobo das terras sedentas e nuas
das cidades de betão,
o betão dos bárbaros engravatados:
«A gravata é uma arma, uma pele, uma garra
do predador licenciado a escravizar-me,
a comer-me as entranhas…»
— cogita o meu poeta; já aprendeu…

Não tenho muito para dizer;
o rio que me toca traz-me tudo, diz-me tudo
o que não em diz às outras margens que gritam
e leva-me até onde chega com a sua voz.

E o mundo grita, pois falando
ninguém o escuta.
Todos já aprenderam a ordem das coisas:
Se falas, esmiúçam-te a alma;
Se gritas, morres… como o Mundo.

E o mundo há-de desaguar no meu rio.
E eu, as margens do rio sem nome,
perdoarei todos, não oprimirei ninguém;
assim como não oprimo o meu rio e deixo-o passar,
deixo-o passar com pedacinhos de mim.
Pergunta-lhe! Eu respondo…
E sou a voz do Ancião dos Dias.
------ 2-10-2010
Virgílio Brandão

Imagem: O Ancião dos dias, William Blake

Sem comentários: