| MUTAÇÕES
Como dizia Heraclito, depois Severo, depois Petrarca, depois Camões, depois Lavoisier — num outro sentido… «todo o Mundo é feito de mudança». Mas será que é mesmo todo o Mundo? O quanto é que mudamos, e porque mudamos? Não nos damos ao trabalho de fazer isso, de sermos críticos e polícias de nós mesmos – a sombra das palavras dizem muito do que somos de verdade, do nosso imutável. O tempo somente nos revela o que somos, mostra-nos as rugas, as cavernas da nossa alma — diz-me o meu poeta.
Podemos tentar mudar, mas se formos escorpião seremos sempre escorpião — lá ensina a consabida fábula. O historiador judeu Yosef Ben Matityahu, ao adquirir a cidadania romana, tomou nome latino de Titus Flavius Josephus; mas seria sempre um judeu; o mesmo se diga de Saulo de Tarso, que tomou o nome de Paulo, fez amizade com Séneca (também ele um naturalizado da Hispânia) e escrevia em grego como os romanos cultos do seu tempo – mas continuou sendo um fariseu convertido ao pensamento de Jesus Cristo. Para não falar de Antonino Bassiano, cujo pai mudou-lhe o nome, mas não a natureza. Sim, há coisas que não mudam, o interesse espúrio, o oportunismo, a maldade e a sede de glória, as raias do mal.
«Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele» — dizia Henry Ford com razão. Mas quem se dedica a isso, ou pensa que se dedica, não pode pensar que tem o monopólio de pensar, ou de criticar. Pensar assim, é não pensar! — é estar-se, ainda, nas coisas de menino, a discorrer como menino sem a idade adulta de uma estrada de Damasco qualquer. Mas o Mundo é feito de mudança, sim. Da pedra à flor. E (eu que és tu) posso mudar, também. Mas nunca para menos livre do que sou. Mentes autoritárias grassam na garrafa, na pedra ou na rede, e precisam olhar para cima — ou para dentro. Não importa: opinar é preciso! Mas coragem, coragem de cara e de verbo é preciso, também.
A filosofia faz mal? A poesia corrompe? Bem, mate-se de fome a filosofia! Desterre-se a poesia! Cicuta legionária, vá! Voltemos a Stoneange, queimemos os computadores e quejandos! Transformemos as canetas em picaretas, pedras lascadas e facas homicidas! E os livros… Ah, os livros! Que sejam companheiros calados para caiszinho y rotcha nu! Ou fiquemos entre o óbvio e o obtuso! O certo é que, como dizia Spinoza, «quanto menos liberdade de opinião se concede aos homens, mais nos afastamos do Estado [...] e mais violento é o poder» (Spinoza, Tratado Teológico-Político, Lisboa, 1988, p. 372). Mas pior que o Leviathan colectivo é o que transportamos na alma – sim: em todos os homens reside um ditador adormecido a querer despertar. Isso é mudança? Não, é natureza! E por alimentamos esta natureza é que nos queixamos, do que temos e do que não temos e poderíamos ter. A mudança, sendo natural, é o instrumento maior do bem comum. E por isso o Mundo, e nós, somos feitos de mudança — o connatus essendi ou a morte física ou moral.
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Imagem: As Termas de Caracala — Lawrence Alma-Tadema
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