sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

| A PROPOSTA DE CAÇA ÀS BRUXAS DE MÁRIO MATOS

Li, segundo publicado na FORCV on line, o comunicado de Mário Matos, Membro do Conselho Nacional do PAICV e Coordenador das Estruturas da Europa do PAICV e a que se seguiu o Comunicado da Região Política de Portugal do MpD, subscrito por Emanuel Barbosa (textos publicados aqui neste blog) e tenho, telegraficamente, de dizer o seguinte:

Mário Matos tem razão: as afirmações de Carlos Veiga, a serem verdadeiras, são graves — sendo certo que, também, provam que o então candidato presidencial teve bom senso em agir de acordo com o quadro constitucional e legal do país. É uma matéria para a história, em particular a história política do país e para a compreensão da dimensão da democracia cabo-verdiana. Mas os políticos colocam-nos demasiado no passado, e fazem-nos esquecer o futuro, tão distraídos que, como sociedade, ficamos no passado. E o que isto tem a ver com o futuro? Sim, o que Mário Matos pretende quando «exorta as instituições da República, nomeadamente o Governo e a Assembleia Nacional, a tomarem as medidas para esclarecer os fundamentos dessas graves afirmações do Líder do MpD, que podem manchar a imagem e o prestígio de duas importantes instituições republicanas e minar a confiança dos cidadãos nas mesmas»? Não escreveu o que escreveu, e na condição em que o fez, só por fazer.

Da acção do Governo, das suas «medidas», só quererá dizer a instauração de inquéritos — eventualmente a descambar em processos disciplinares — sob a égide do Ministério da Defesa e do Ministério da Administração Interna para saber quem se prontificou para «sair à rua» com Carlos Veiga e, assim, se proceder à uma caça às bruxas no seio das instituições cuja honra Mário Matos se faz paladino mas que é, em última análise, uma defesa boomerang que, a final, só prejudicará os defendidos? A utilidade, de todo, só poderia ser essa.

O mesmo se diga da intervenção da Assembleia Nacional. Quererá, como sugere subliminarmente, que se faça uma Comissão Parlamentar de Inquérito para sindicar as palavras de Carlos Veiga e, assim, condicionar, no plano do discurso e da acção, o Presidente do MPD neste período pré eleitoral e, ao mesmo tempo, procurar caçar aqueles que terão — muito provavelmente como cidadãos e não como militares e agentes de autoridade — se solidarizado com o candidato presidencial derrotado nas circunstâncias consabidas.

E o Mário Matos tem razão, e concordo com ele na plenitude das suas palavras: devemos defender as instituições da República de quaisquer ataques à sua probidade. E, como o mesmo diz no seu artigo no ASemana on line, «No nosso sistema político, fundado num sistema de partidos, são eles a formar a vontade política.» Isto é, os partidos políticos, enquanto instituições, são fundamentais para a nação. Assim, não percebo porque o mesmo Mário Matos não apareceu a defender a honra dos partidos políticos quando o Presidente do PAICV e actual Primeiro Ministro, José Maria Neves, disse que os partidos políticos em Cabo verde estavam ligados ao narcotráfico. Se o tivesse feito, podendo e devendo fazê-lo — até porque era Secretário Geral do PAICV por essa altura —, perceberia a sua indignidade e a dimensão ética da mesma.

Isto sim, foi uma ofensa gravosa às instituições que, do seu ponto de vista, estão destinadas «a formar a vontade política». A vontade política da nação, para que se saiba, é formada pelas instituições democráticas da nação — o Parlamento, o Governo e o Presidente da República democraticamente eleitos. Os partidos políticos são meros mediadores institucionais, e não criadores da vontade política do Estado — deixou de ser assim com a revisão da Constituição formal de 1980 em 1990, mas o Mário Matos ainda continua a pensar pela mesma cartilha ideológica do Estado/Partido, sendo este o órgão dirigente da nação. Fica claro, e compreensível.

Pelo que, neste plano discursivo, a resposta constante do Comunicado da Região Política de Portugal do MpD é inócua do ponto de vista político. Todos os planos — os verdadeiros — têm, ao menos, um plano dentro do plano. E não me parece que se deva procurar vítimas entre as Forças Armadas e a Polícia Nacional, e se se deve procurar responsabilidades, as competências de tal empresa não são nem seriam do Governo e da Assembleia Nacional mas sim do foro judicial pois estar-se-ia — na mente dos agentes de autoridade e dos militares — uma subversão do regime democrático. A questão é bem mais complexa e está ser vista com demasiada leveza.

Esta nota é mero exórdio do que está em causa no plano político, mas agora tenho de prestar atenção ao programa Palavras Cruzadas da RCV. Talvez volte à esta questão…

Imagem: Ambrogio Lorenzetti — Alegoria do Bom Governo (A Magnanimidade, a Temperança e a Justiça), Siena, Palazzo Pubblico, Sala dei Nove.

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