terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

| O SILÊNCIO VOLUNTÁRIO E OS INOCENTES

Ouvia as convidadas do programa Espaço Público da RCV, Carmelita Santos — Directora Geral da Administração Pública, e Filomena Araújo, da UNTC-CS, a dissertar sobre o horário de trabalho único  da função pública quando um ouvinte do Sal entra em linha a queixar-se do trabalho escravo que acontece, segundo o mesmo, na Ilha do Sal e da necessidade de se investigar tal fenómeno. Terminada a sua intervenção, as convidadas, instadas a comentar o apelo emocionado e desesperado do ouvinte, limitaram-se a dizer, em voz comprometida — como Pilatos no feminino —, que «não ouviram bem» o que o ouvinte dissera. Mas ouviram bem, ambas as convidadas, o que os outros disseram. Azar, muito azar o do homem que se sente escravizado, e queixa-se de haver outros concidadãos na sua situação.

Eu ouvi. Pena é que as convidadas, com responsabilidades acrescidas no plano laboral nacional, não tenham ouvido. Espero que quem de direito tenha ouvido, e faça o que o dever impõe. O autismo voluntário ao mal dos outros é um mal, e bom seria que as pessoas — todos nós — tivessem consciência disso. Ignorar o mal alheio é uma acção contra a humanidade, uma profunda indignidade que empobrece o olho que não vê, o ouvido que não ouve, a mão que não ajuda e, a final, o todo social. Não se pode ver e ouvir a sociedade com palas nos olhos e com cera de conforto nos ouvidos. Uma denúncia como a de escravatura, uma queixa como a de escravidão não podem passar assim, ao de leve — a não serem escutadas, ainda que fossem ou sejam um fumus malus.

O princípio da humanidade demandava, ao menos, uma atenção ao denunciante e não um «não ouvi bem» — e razão tinham as convidadas do Espaço Público, pois bem é que não era a causa da queixa do homem. Como disse a ouvinte Helena Fontes, no mesmo programa e a propósito de outra questão, “falta humanidade”. Ah, falta sim! Falta uma humanidade activa, desperta para a dor do outro. Falta de sensibilidade, ou excessiva conformação social da liberdade das pessoas gritarem não à afronta? Dizem que as mulheres são “mais sensíveis do que os homens”, e eu até acho que, em regra, assim é. E se assim for… é só seguir a argumentatio, como diria Santo Isidoro de Sevilha.

Imagem: Gennady Shlykov

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