sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

| CUNNUS — A PORTA DO PARAÍSO E A CULTURA

A cultura dominante amordaça a alma e a voz. A cultura encontra-se capada do que é o mais essencial da alma humana: o erotismo e a sexualidade. Sem estes dois aspectos a pessoa humana é um ser menor, menos do que a sua aproximação divino. Incomoda, para muitos, dizer cunnus — cona. Os japoneses chamam-na, à cunnus, de «guokumon» — «porta real» e, por vezes e no plano poético, de «Princesa das flores». No oriente médio a dimensão cultural e exotérica do erotismo e da sexualidade era um factor central da vida, até o islão e as práticas sociais repressivas sobre as mulheres transformarem as sociedades islâmicas numa castrato voce global da beleza e do prazer (situação emergente essencialmente depois das “guerras santas” e passar a haver a necessidade dos homens casarem com as viúvas por razões de solidariedade e de prevenção de alguns “males” sociais, como a prostituição) e os radicalismos religiosos esconderem a mulher e tudo dela, em particular o seu oriente.

A hedionda prática da excisão feminina é uma das expressões maiores desta realidade, assim como a instituição da plurigamia fora do contexto social em que apareceu e foi instituída: institui-se uma repressão cultural sobre a mulher, castrando a sua sexualidade, escondendo a sua beleza e, na prática, tornando-a um objecto, um não ser. Na modernidade, até a imagem da mulher nua é proibida em tais sociedades. Mas nem sempre foi assim. Na conhecida obra de Al-Nafzawi, O Jardim Perfumado do Prazer Sexual encontramos quarenta e dois nomes para a nomear, e que o autor explica profusamente.

Os sumérios, v.g., usavam o mesmo nome para a cunnus e para rio – provavelmente pela dimensão fecunda de ambas. E não é despiciendo pensarmos que é os rios que circundavam o Jardim do Éden, nomeadamente o Tigre e Eufrates, eram o centro de vida da sociedade do seu tempo. O Éden, também chamado o Jardim das Delicias, pelos hebreus foi o local, na perspectiva bíblica que o homem recebeu o primeiro mandamento: “frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Génesis I.28). E assim fizeram, nascendo primeiro Caim, Abel e, mais tarde, já fora do Jardim das Delícias, tiveram Seth e outros filhos e filhas. E nasceram, segundo determinação divina de parto de dores – como todos os homens: da Porta do Paraíso, ainda que, ao contrário de Caim e Abel, não entravam no Jardim do Jardim mas sim na terra espúria do exílio do Jardim, i.e., da Terra.

Eva e a sua Porta para o Paraíso tornavam-se a mãe e seiva do sentir da humanidade, na fonte da primeira criação depois de Deus dar comandos de vida à natureza. A vulva, segundo Santo Isidoro de Sevilha diz nas Etimologias, procederá de valva — porta de dupla folha. Isso porque é a entrada do sémen de vida e a saída do feto para tornar-se pessoa. No entanto, se se ler o poema «La Puerta de Venir al Mundo» de Giuseppe Giacchino Belli, chegamos à conclusão de que existiam razões sociais de ordem cultural – até de distinção do plano discursivo das pessoas em razão da sua cultura — para a utilização de determinados nomes, da dimensão destes e do foro que têm ainda hoje. Para além desta dimensão cultural do mundo das coisas, da matéria. A cunnus tem uma dimensão sagrada e que vai para além do plano meramente físico e estético: até os deuses são agentes da acção sexual (do hinduísmo e povos de cultura religiosa análoga, aos panteões egípcios e greco-romanos, passando pelas primeira civilizações conhecidas e ainda animistas puros, há, sempre, uma referência: a sexualidade da Mãe Terra), pois dela emerge a vida, e por ela todos entramos na existência, o “caminho de nascer”.

Compartilho o poema «La Puerta de Venir ao Mundo», Giuseppe Giacchino Belli que tem uma dimensão antropológica considerável e não despicienda:

«El que hable del coño de Catalina,
para hacerse entender de docta gente
deberá pronunciar vulva o vagina,
o parte o vergüenzas, igualmente.

Pero el pueblo común dice chumino,
cosa, chupa jornales, cueva, raja,
cañon, embocadura del pepino,
almeja, traga leches, caja, chocho, don Peluquín, quisquilla, seta,
castaña, hazanacuecos, tete, guapo,
conejo, guardapolvos, chichi, grieta,
tragón, boca sin dientes, barbas, papo,
camino de nacer, cuestión, maleta,
jaula del pajarito, pasarratos,
breva, higo, fresón, asa boniatos.

Y mientras para pocos es natural,
en muchos balla sepultura.»

Interessante será verificar que alguns destes nomes metafóricos de Nossa S’nhora d’boca v’rod pa txom, coligidos pelo autor em finais do século XVIII e início do Século XIX, ainda têm foro social em Cabo Verde, como é o caso de, v.g., “caxa” ou “quexinha”, “boca sem dent”, “grêta”, «pôpe d’quexinha” ou “ratcha”, tendo outros mutado, como é o caso de “chichi” que adquiriu dimensão funcional. De uma forma ou de outra, estamos sempre a ser condicionados, a ser normalizados, formatados socialmente pelo sistema, nomeadamente pelo educativo e pelos puritanos. Mas coisas há que, por maior conformidade que se procure para elas, sobrevivem. Felizmente, pois o caminho é, na modernidade, muito mais do que um “caminho de nascer”, mas também um caminho de viver, de prazer.

A ordem e a natureza das coisas. Assim foram gerados deuses e deusas, até mesmo os deuses da luz — os salvadores, como Mitra e Hórus. A excepção destes é a concepção imaculada de Jesus de Nazaré por Maria — a cunnus desta era a porta de entrada do Messias no Mundo, a abertura das portas do paraíso, não para José mas sim para a humanidade.

Existe uma crença, na verdade uma profunda e arcana convicção, que compara a mulher à porta. E se é porta, é porta do Jardim (i.e., da Terra, da existência), num sentido, e do inferno noutra — para aqueles que pensam que estamos no inferno, em transição existencial (v.g., racionalistas cristãos e hinduístas). É a raiz do prazer. Assim, a cunnus é, em sentido naturalístico, a fonte, a mãe e o fim de todos os deleites da humanidade. E se estamos no Jardim ou Inferno — dependendo do ponto de vista — bom será procurarmos a porta do paraíso e, aberta a porta, que deixe entrar o rei da glória. A cunnus é a essência da cultura, pois dela emerge o seu objecto estrutural — e sem o seu conhecimento o homem é um ai desavindo de todas as coisas, quase acéfalo. E, como dizia um antigo Juiz de Santiago: «dá-lhe metáfora, dá-lhe metáfora…» pois em metáforas vivemos, gente douta em docta ignorantia.
___________

Prima forma: Liberal

7 comentários:

Anónimo disse...

Quando era pequenina me ensinaram a dizer "pumbinha"... :op

Brassa forte

C.

Virgilio Brandao disse...

Pombinha é de um momento pós moderno, pois no passado sempre esteve ligado à uma dimensão religiosa. Sempre te tentou evitar os eu uso no contexto das sociedades cristãs pois pomba é o Espírito Santo de Deus (que tem, ao nível da construção psicológica, características femininas).

Bom fim de semana, ó Brasa forte (o é "C"?).

(Seja como for, que nome! neste contexto. Leia as duas primeiras quadras de "El Golem" de JL Borges... irá achar graça.)

Jonas disse...

Brandon tu achas mesmo que logo à noite quando for sair e disser aquela babe que mais me agradar "deixa entrar o Rei da Glória" ela vai pereceber o que eu quero dizer?
lol
És um porco do caraças meu só que com classe!
rsrsrsrsrsrsrsr

Virgilio Brandao disse...

Ictus,
dependendo da circunstância... acho que sim. E ela vai querer, com o jardim das flores, ir contigo e mostrar-te o Paraíso que terás a obrigação de enriquecer.
lol
Good luck, Ictus.

Anónimo disse...

Merci pela referência...

Bom fim de semana. ;o)

C.

Nita Faria disse...

Obrigada, Virgílio

Um texto esclarecedor sobre a "PoRTA DO PARÍSO de nós. mulheres.
Ainda bem que é mais do que somente "um caminho pra nascer"... mas " A MAIOR FONTE DE PRAZER E DELEITE" - é verdade.
AH! Se os homens a vissem e pensassem como tal, saberiam nos amar e respeitar doutra forma e com outros modos.
Bom domingo.

Jonas disse...

Nita minha lindinha tantas saudades...
Ai se eu fosse homem...