sexta-feira, 17 de setembro de 2010


| PROSLOGION

Vou dar de beber ao mar,
o mar da saudade que me afronta de ti.
Está sedento, coberto de sal e dor
da Noite de afrontas: o mundo está pejado
de excrementos humanos.
E o mar; é o Mar sedento…

Vou dar de beber à praia,
a praia testemunha dos gemidos do mar,
do que me afronta de ti: mundo sujo,
omnimundo pardo, venal…
Ó praia de excrementos inconscientes!,
só podes ser o que és.

Vou dar de mamar à Via Láctea
depois de parir a luz do teu beijo de tarde
e emoldurar o sonho de π
e do teu suor de chocolate de avenida curva,
ossatura prima, raiz da espera.

Na estrada, na chegada
escuto o povo que sou eu a gritar:
«Quero mais água!
Quero mais luz no meu céu…
o pão-nosso de cada dia não dado,
e o leite e o mel prometidos;
tudo o que têm os teus amores negros…»

Nunca chegarei, ó amada minha.
Se proslogionares-me à chegada, que farei
eu que só posso dar-te a água pura da tua fonte,
o leite dos teus forçados esforços,
e o mel gerado por ti nos meus olhos?

O esgoto aéreo já não tem latas…
a água que bebo mata-me em silêncio
e tenho o inferno no estômago a gritar: civilização!
----- Lisboa, 16.09.2010
Virgílio Brandão

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