quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA EM 21/09/2010
Maurino Delgado

O objectivo desta conferência é reagir contra a demolição da Casa do Dr. Adriano Duarte Silva, lançar o grito de revolta face à destruição do património histórico de São Vicente e pedir a todos os cabo-verdianos dentro e fora do país para promoverem manifestações de protesto contra a destruição do património histórico e em defesa da democracia.

O Movimento para a Salvaguarda da Casa do Dr. Adriano como património Cultural, começa por manifestar a sua profunda indignação pela demolição desta Casa na fatídica manhã de 18/09/2010 por decisão do Governo e da Câmara Municipal de São Vicente.

Lamentavelmente, a prepotência e a irresponsabilidade do Poder sobrepuseram à opinião pública esclarecida.

Quando o Governo ignora a vontade expressa do Senhor Presidente da República e da Assembleia Municipal de São Vicente que a nosso lado se posicionaram em defesa desse património, estamos perante uma situação política grave e preocupante que interpela todas as pessoas que desejam viver em paz e em democracia em Cabo Verde.

Por esta razão, com a experiência da vida e dos anos por factos vividos, queremos pedir a todos os cabo-verdianos, dentro e fora do País para connosco reflectirem sobre esta decisão que foi fortemente contestada pela sociedade civil num processo que se arrastou por mais de um ano.

Fazemos esse apelo porque há momentos especiais que decidem positiva ou negativamente o destino das pessoas ou dos povos.

Vivemos um desses momentos. Infelizmente, nem sempre temos a consciência exacta da natureza dos factos ou a coragem suficiente para agir no momento certo. Estamos num desses momentos em que temos que agir para dar resposta firme a esse acto de tamanha afronta para defender a nossa democracia.

Em 1980, eu, Maurino Delgado, com o meu voto, na qualidade de deputado do PAICV, foi aprovado o tão falado artº4º da Constituição da República que consagrava o PAICV em partido único.

Com este acto político atrofiamos o desenvolvimento intelectual e político do povo de Cabo Verde, o desenvolvimento económico e social destas Ilhas e criamos as condições para que em determinados momentos fossem cometidos os maiores abusos e atrocidades por parte do Poder. ( Deixando uma pequena nota para dizer que o padre Fidalgo também deputado foi o único que pôs em causa a proposta do artº4º, porque nessa altura ele já era uma pessoa politicamente mais avançada).

Os acontecimentos trágicos da reforma agrária em Santo Antão, em que várias pessoas foram barbaramente torturadas, conforme relata o livro de Onésimo da Silveira, a “Tortura em nome do partido Único” é um exemplo disso. Foi um acto propositado do Poder para reprimir e servir de exemplo aos que ousassem exprimir as suas ideias contrárias.

Poderão perguntar por que trazer aqui esse facto? É que temos que conhecer os factos históricos para em cada momento orientarmos a nossa vida.

Estamos a viver um momento desses. As pessoas que de facto dominam o poder não aceitam ser questionadas nas suas decisões e estão a agir autoritariamente.

A nivel do Governo e da Câmara Municipal alguém decidiu que a Casa do Dr. Adriano devia ser demolida para dar lugar a construção da Sede da Delegacia de Saúde de São Vicente. Pretensiosamente, querem apagar parte da nossa história para fazerem a sua numa atitude de arrogância sem precedentes.

Esta decisão foi fortemente contestada pela opinião pública esclarecida através de documentação histórica e depoimentos de pessoas abalizadas. O Senhor Presidente da República também se posicionou a favor da preservação desse espaço. A Assembleia Municipal de São Vicente deliberou a sua preservação. Qual foi a resposta das pessoas que dominam o poder? Demolir esse património sem dar cavaco a ninguém. Este acto é um exemplo acabado da cultura anti-democrática daqueles que dominam o poder.

Trata-se de um acto grave que ultrapassa os limites da boa convivência democrática e do respeito das instituições. Trata-se de um acto repressivo exercido conscientemente, tal como na altura da reforma agrária, que tem por objectivo amedrontar e desencorajar a sociedade civil de exercer a sua cidadania. A democracia foi posta seriamente em causa. Isso envergonha o povo de Cabo Verde. Isso é um mau exemplo para a nossa juventude que precisa de referências e de conhecer os nossos homens ilustres.

Recorrentemente, diz o Senhor Primeiro - Ministro, que em democracia as instituições têm que funcionar.

Contrariamente, as nossas instituições não funcionam na normalidade. Num Estado de Direito de facto e num País de desenvolvimento Médio a sério, seria inimaginável a demolição da Casa do Dr. Adriano.

Aceitamos que muitos não estejam de acordo com o que acabamos de afirmar porque, infelizmente, em Cabo Verde tudo é partidarizado, o que tem prejudicado a discussão das ideias, a democratização e o desenvolvimento do País.

No entanto, admitimos que haja pessoas que ainda não tiveram oportunidade de interiorizar a importância do património histórico na vida dos povos, sendo-lhes portanto indiferente que esse espaço seja utilizado para a construção da Sede da Delegacia de Saúde. Porém, outras há, que sabendo perfeitamente o valor do património histórico, este país não lhes diz nada, não têm orgulho nacional, estão apenas preocupadas com o poder e é por isso que a Casa do Dr. Adriano começou a ser demolida.

É inaceitável que os Governos, tanto a nível do poder Central como do Poder local, estejam a destruir ou a deixar destruir, gratuitamente, o património histórico desta Ilha.

Voltando à questão da Casa do Dr. Adriano Duarte Silva, não vamos entrar em detalhes do processo da salvaguarda da referida Casa porque muito já se falou sobre o assunto e sem margem para dúvidas ficou demonstrado que ela era um património histórico, dos mais emblemáticos desta Ilha e deste País.

Mas, se outros argumentos não houvessem, bastava o facto do Senhor Presidente da República se ter pronunciado a favor da salvaguarda desse património e de ter, no dia 2 do passado mês de Agosto, no acto da condecoração de cidadãos residentes nesta ilha que se distinguiram no domínio da cultura, ter lançado o apelo aos artistas e a todos os cabo-verdianos para não deixarem destruir o património histórico, bastava esse apelo e essa vontade do Senhor Presidente da República, que é o garante da unidade da Nação e do Estado, que vigia e garante o cumprimento da Constituição, para que o Governo e a Câmara Municipal repensassem a sua propositada intenção de destruir esse valioso património cultural.

É muito preocupante o facto do Governo ter ignorado uma deliberação da Assembleia Municipal que recomendou a salvaguarda desse património e a construção da Delegacia de Saúde num outro espaço, através de uma deliberação com votos favoráveis das bancadas da UCID e do MPD e a abstenção da bancada do PAICV, abstenção que nessas circunstâncias equivale a um voto favorável, pois em nenhum momento defendeu o projecto do Governo.

È preocupante o facto do Governo ter ignorado as recomendações de destacadas personalidades da Sociedade Civil e de especialistas que vêm recomendando a necessidade de dar maior atenção às questões de defesa, conservação e reanimação dos nossos testemunhos histórico-culturais.

É preocupante o facto do Governo ter ignorado as disposições da carta de Washington sobre cidades históricas promovida pela Unesco.

É preocupante o facto do Governo fazer tábua raza do seu próprio Programa de Governação aprovado pela Assembleia Nacional.

É preocupante o Governo agir contra os pareceres dos seus próprios serviços.

Lembramos que na reunião no Centro Cultural do Mindelo para a apresentação pública do projecto da Delegacia de Saúde de São Vicente, com a presença do Senhor Ministro da Saúde, Drº Basílio Ramos, perante os argumentos daqueles que diziam que a Casa do Dr. Adriano não era património histórico porque não estava classificado, o Presidente do Instituto de Investigação e do Património Cultural, Dr. Carlos de Carvalho, na presença de mais de duzentas pessoas, foi peremptório: - Levantou-se da cadeira e disse em alto e bom som para toda a gente ouvir, inclusive o Senhor Ministro da Saúde que se encontrava presente: – “Aquele espaço, para todos os efeitos é património histórico”. Uma nota curiosa nesse encontro- o Senhor Ministro não disse uma única palavra e agora se percebe que a decisão de destruir a casa já estava tomada.

O próprio Ministro da Cultura, ao tempo, Dr. Manuel Veiga telefonou para o Movimento e disse: “eu, como Ministro da Cultura só tenho que felicitar-vos por esta iniciativa e vou fazer aquilo que estiver dentro das minhas possibilidades para defender esse património”.

É preocupante que o Governo e a Câmara Municipal de São Vicente ignorem a Constituição da República que no artº 79 da Constituição: “ diz que incumbe especialmente ao Estado - promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, histórico e arquitectónico. O Estatuto dos Municípios, Lei nº 134/IV/ 95, no seu artigo 36º, diz que uma das atribuições do Município é proteger e conservar o património histórico, cultural e artístico de interesse municipal”.

No entanto o Miradouro Craveiro Lopes já foi destruído, o Fortim d’Del Rei, está em perigo, o Clube de Golfe de São Vicente está em perigo, o cinema Éden Park está em perigo, a construção do Ponte de Agua não teve em conta os aspectos históricos daquela praia. Tudo isso vem acontecendo porque a Constituição e demais leis do país não estão a ser respeitadas, o Governo e a Câmara Municipal de São Vicente não têm uma política conjunta de protecção e salvaguardar do património cultural desta Cidade.

No entanto, o Sr. Primeiro-Ministro farta-se de fazer discursos a favor do património histórico, e diz a toda a hora “Vamos desenvolver a indústria da cultura;” “Elegemos o turismo como motor de desenvolvimento do país” e, no entanto, o nosso património cultural que é um elemento importante para a concretização desta política está a ser destruído.

Há uma falta de coerência entre o discurso e a acção governativa.

Continuando: - Desde o mês de Abril deste ano tudo fizemos para que o Senhor Primeiro-Ministro nos concedesse uma audiência. Esteve quatro vezes em São Vicente, nunca teve tempo para receber o Movimento para a Salvaguarda do Património histórico, porque trazia sempre a agenda sobrecarregada, era desculpa, quando o Senhor Primeiro-Ministro teve tempo para se deslocar a São Vicente para assuntos muito menos importantes. Disponibilizamo-nos para deslocar à Cidade da Praia, não recebemos nenhuma resposta. Fomos desrespeitados e enganados. Isso é ofensivo e não fica bem a um Primeiro-Ministro.

Por isso, protestamos e denunciamos a atitude discriminatória do Sr. Primeiro-Ministro porque governar um país é uma grande responsabilidade que começa em saber ouvir toda a gente sem descriminação.

No tocante a Assembleia Nacional: Em princípios do mês de Janeiro deste ano, um grupo de cidadãos deu entrada na Assembleia Nacional de uma petição a favor da salvaguarda da antiga residência da Família Duarte Silva, ameaçada de ser destruída por decisão do Governo com a cumplicidade da Câmara Municipal de São Vicente, pedindo que a questão fosse discutida.

Nunca recebemos qualquer resposta. A petição foi feita nos termos Constitucionais, nomeadamente na parte que diz que todos os cidadãos, individual ou colectivamente, têm o direito de apresentar, por escrito, aos órgãos de soberania ou do poder local e a quaisquer autoridades, petições, queixas, reclamações ou representações para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e bem assim o direito de serem informados em prazo razoável sobre os resultados da respectiva apreciação.

Insistimos junto do Senhor Presidente da Assembleia que o Governo não podia avançar com o projecto enquanto a Assembleia não se pronunciasse sobre a petição. Nunca recebemos qualquer resposta. É sabido que a Assembleia Nacional não dá atenção às petições dos cidadãos. São metidos na gaveta.

Quando quisemos exercer o direito de acção popular junto dos tribunais nos termos constitucionais que diz que é garantido, nos termos da lei o direito de acção popular, designadamente para a defesa do cumprimento do estatuto dos titulares de cargos públicos e para a defesa do património do Estado e demais entidades públicas, no caso concreto da Casa do Dr. Adriano, os juristas nos dizem que existe a norma constitucional, mas não há lei a regulamentar a norma e consequente a norma não tem eficácia.

Falemos dos Deputados nacionais: Num universo de setenta e dois deputados apenas quatro levantaram a sua voz para defender a Casa do Dr. Adriano como património histórico. Destaca-se o Dr. Lídio Silva que tem sido incansável na sua luta. O Engenheiro António Monteiro, o Dr. António Pascoal Santos e o Dr João Medina. É lamentável o desinteresse da nossa Assembleia numa questão tão importante. A Assembleia faz muito barulho mas produz muito pouco. Os deputados na sua generalidade tratam dos assuntos dos partidos políticos na sua luta pelo poder mas omitem os interesses dos cidadãos que os elegeram.

Falemos dos nossos Vereadores: Não se nota a existência deles.

Referindo de novo ao Senhor Presidente da República: Depois de nos ter dado o seu apoio e toda a força nesta luta, muito recentemente veio a S: Vicente e atráves dos Órgãos da Comunicação Social lançou o apelo aos artistas para não deixarem destruir o património cultural de São Vicente mas, infelizmente, estes até então não reagiram.

A Assembleia Municipal, sob a presidência do Dr. João Gomes, deliberou pela preservação desse património. Comunicou a sua deliberação ao Senhor Primeiro Ministro, ao Senhor Ministro de Estado das infra-estruturas, ao Senhor Ministro de Estado da Saúde e nenhum deles se dignou reagir, o que é uma atitude de grosseria e que evidência que a decisão para demolir a Casa já estava tomada e não havia satisfações a dar a ninguém. Demonstra a falta de respeito pela instituição eleita democraticamente pelos munícipes de São Vicente para defender os seus interesses. Isso é um acto de violência contra as regras da democracia e contra os interesses de são Vicente. É urgente tomarmos consciência do rumo errado que as coisas estão a tomar.

Concluíndo: - É mais do que evidente que o nosso sistema democrático está com muitas fraquezas, não se auto-controla, favorece os abusos do Poder. É a democracia que está seriamente em perigo.

Nestas condições é mais do que evidente que o país não pode estar bem governado. E a Sociedade Civil deve agir para evitar males maiores.

A destruição da Casa do Dr. Adriano, ocorre na sequência dessa fragilidade.

As forças políticas bem como a sociedade civil saberão extrair as devidas ilações desse acto e agir em conformidade para corrigir os erros.

E finalmente e em particular, ficam como os maiores responsáveis pela destruição desse património, filhos de São Vicente: a Drª Isaura Gomes que como Presidente da Câmara, para além de ter posto esse espaço à disposição do Governo para a construção da Sede da Delegacia de Saúde, também, no acto oficial de inauguração das jornadas de enfermagem luso-caboverdianas promovidas pelo IESIG (Instituto de Ensino Superior Isidoro da Graça), espicaçava o Governo da seguinte forma: “ Ou o Governo avançava com o projecto ou dava esse espaço ao IESIG para construir o seu centro de enfermagem”. Infelizmente! Faltou-lhe a idoneidade e o orgulho nacional para ter a consciência de que o património cultural da sua Cidade não deve ser destruído para além do dever institucional que ela tem de respeitar a Constituição e o Estatuto dos Municípios sobre esta matéria, na sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal de São Vicente.

Quanto ao Ministro das Infra-estruturas e Transportes, engº Manuel Inocêncio - é estranho e incompreensivel que um filho de São Vicente e deputado por esta Ilha com pretensões a outros voos, não tenha o orgulho de preservar a identidade da sua Ilha. |

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