sexta-feira, 17 de setembro de 2010

  • PROSOPON DOS DIAS
          «Todas as coisas humanas têm dois aspectos, à maneira dos Silenos de Alcibíades, que tinham duas caras(i) completamente opostas . Por isso é que, muitas vezes, o que à primeira vista parece ser a morte, na realidade, observado com atenção, é a vida. E assim, muitas vezes, o que parece ser a vida é a morte; o que parece belo é disforme; o que parece rico é pobre; o que parece infame é glorioso; o que parece douto é ignorante; o que parece robusto é fraco; o que parece nobre é ignóbil; o que parece alegre é triste; o que parece favorável é contrário; o que parece amigo é inimigo; o que parece salutar é nocivo; em suma, virado o Sileno, logo muda a cena. Estarei falando muito filosoficamente? Pois vou explicar-me com maior clareza.
          Todos vós estais convencidos, por exemplo, de que um rei, além de muito rico, é o senhor dos seus súbditos. Mas, se ele tiver no peito um coração brutal, se for insaciável na sua cobiça, se nunca se mostrar satisfeito com o que possui, não concordareis comigo que é miserabilíssimo?
          […]
          Que é, afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. O mesmo actor aparece sob várias figuras, e o que estava sentado no trono, soberbamente vestido, surge, em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o facto é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma.»
---- in Elogio da Loucura — Erasmo de Roterdão
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         (i) Assim como Janus Bifrons: este olhava o passado e o futuro.

Imagem: Os Amantes, Milo Manara

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