segunda-feira, 12 de maio de 2008

  • HUMANA CONDITIO

1. A CULTURA E O HUMANISMO LIGHT

A cultura estética e a liberdade de expressão artísticas são, sem dúvida, direitos humanos: direito e liberdade fundamentais – pena é, nem sempre, serem, também, garantias para muitos.

Daí as censuras, as fathas, os falsos pudores, o tabelamento e universalização dos sistemas de ensino – tipo linhas de montagem – que castram o desenvolvimento humano, social e espiritual da pessoa. Os custos desta opressão cultural estão patentes em todos os quadrantes das sociedades modernas – são geracionais e transversais à comunidade humana.

Desde os primórdios da humanidade que o homem procura formas de representação estética da sua existência, procurando o mais humano da humanidade no que chamamos, hoje, de arte. Procura, na verdade, libertar-se de um jugo imposto por regras emergentes de almas caducas, míopes e com palas em redor do olhar.

Vivemos num tempo de abundância de tudo, até de uma abundante menoridade humana, de um humanismo light, fast e assente não na razão mas sim na lógica do coitadinho que só se vê e se escuta na tragédia.

Quando é preciso, não há problema: estamos preparados – dizem sempre. Para comboios humanitários ou pílulas de cultura, como se assim se resolvesse a falência cultural em que caímos como espécie socializada. Desde o poder usado – a revelia de todo o bom senso e com sacrifício da verdade – para satisfazer interesses laterais à lógica policial assente na magistratura do interesse, vale tudo.

O homem, sim, Ortega y Gasset, é ele e a sua circunstância, mas esta deve ser da sua razão esclarecida, de uma razão assente na cultura para o humano e que devia dizer, sempre, como Terêncio: Homo sum et nihil humani alienum me puto – “sou homem e nada do que é humano me é estranho”. É a razão que nos torna humanos e é a razão sustentada na cultura do humano que nos faz pessoas.

A falha cultural sustenta o humanismo fast e este vai, aos poucos, expurgando-nos da nossa humanidade, vai nos tornando cada vez mais alheios ao humano, ao sofrimento alheio, à solidariedade sustentada. Estamos a sujeitar-nos à uma forma sub-reptícia de Darwinismo espiritual invertido que nos estão a conduzir para uma espécie de Imperium das coisas sobre o humano e os valores que o sustentam.

Lembro-me – sempre que sou objecto de injustiça ou incompreensão – das palavras finais de Candido ao mestre Pangloss: “[…] continuemos a cultivar o nosso jardim” (Cândido, Voltaire). Então, perdoo a quem me faz o mal e me afronta; retribuir o mal seria ser duplamente vítima. E o nosso jardim é a nossa razão, a nossa alma ou espírito individual e/ou colectivo.