terça-feira, 6 de maio de 2008

  • O MAL E A HUMANIDADE COMO ESCOLHAS
O sono fugiu-me e refugio-me na leitura. Releio-o passagens de Radical Evil on Trial do Professor Santiago Nino. Percebo agora – depois de alguns anos –, porque escrevia compulsivamente quando soube que ia morrer.

Atento nas suas ideias em torno dos princípios da autonomia, da inviolabilidade e da dignidade humana com os olhos de sempre, mas, agora, não deixo de questionar a dimensão do mal, do mal concreto, não do abstracto – o mal que se veste com as ideias e que raramente ganha contornos concretos – mas daquele que afecta o dia X, Y ou Z.

A ideia de autonomia expressa a lógica de Carlos Santiago Nino de que existe um bem, valorado pela pessoa e que esta o persegue como fim objectivo, sentido de vida. O problema é quando, no âmbito da autonomia da vontade a pessoa escolhe não o bem mas o mal.

[…] Que fazer?

É que quando assim acontece, os outros dois princípios – da inviolabilidade e da dignidade humana – são prejudicados: as limitações deonticas e a perspectiva do outro emergentes não funcionam como limitações à acção maligna e promotoras do bem mas ganham a dimensão de catalisadores do mal.

O bem subjectivo – a busca da felicidade – esbarra no outro e na sua dimensão subjectiva, na inviolabilidade da sua esfera de existência. O que cria(rá), naturalmente, um conflito de direitos ou uma colisão de interesses. É aqui que funciona uma ideia de bem objectivo – de bem que satisfaça as dimensões objectivas: os direitos humanos.

Então, usando a autonomia da vontade, convenciona-se – na verdade infere-se da natureza das coisas, como os magistrados romanos disseram a Sexto Taquínio, no caso da violação de Lucrécia – um bem objectivo que seja capaz de salvaguardar ambos os bens, com a restrição de um ou de outro. Procura-se, em suma, uma concordância prática entre esses bens ou direitos. Os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade são os aferidores da medida dessa realização.

O Carlos Santiago Nino tinha u
ma visão do homem e dos direitos humanos que partilho – teimo em partilhar – mas uma coisa é certa: o que fazer perante o mal gratuito, a mentira orquestrada e a vontade de prejudicar? Responder na mesma forma, com o mal?

Pouco ou nada se pode fazer contra o mal ou a mentira; uma é combatida com o bem, a outra com a verdade e a sã consciência. Agir da mesma forma é sucumbir ao mal, não é ganhar nada; é perder para o mal. Não existe nenhum dever de retracção, diria o Prof. Santiago Nino, pois existem valores maiores e o de salvaguardar a nossa humanidade – que devemos ter como um espaço inviolável – é, sem dúvida um desses valores. Mas que o mal confronta-nos e coloca-nos perante o maior desafio à nossa existência e à nossa humanidade, é um facto.

Seja na escolha de responder ou não ao mal com um mal maior, seja na desconsideração dos interesses do outro – tal pode ser, desde usar milho, grão ou cana do açúcar para fazer combustível a mentir para conseguir um fim injusto, passando pelo enriquecimento à custa da necessidade ou empobrecimento do outro, como aumentar o preço do arroz para se ganhar mais do que é devido – estamos sempre perante um desvalor da humanidade.

O mal é sempre uma opção, mas a humanidade também é. Cada um escolhe o que valora mais, o que é mais valioso para si, como diria Prof. Santiago Nino (no contexto de Radical Evil on Trial diz-nos é salvaguardar a democracia no contexto de uma sociedade pró direitos humanos).

E, porventura, existirá algo de mais valioso do que a nossa humanidade?