quarta-feira, 21 de maio de 2008

  • O VALOR COMO CRITÉRIO DE ESCOLHA POLÍTICA
No dia 16.05.2008 o calendário anunciou duzentos anos sobre o dia em que Abraham Lincolm fez o seu mítico discurso A House Divided (Illinois Republican State Convention, Springfield, Illinois); revisito o texto: «If we could first know where we are, and whither we are tending, we could better judge what to do, and how to do it. […] A house divided against itself cannot stand», não poderia estar mais de acordo com o estadista.

Já cansado de um dia inusual, agarrei na Historiae Augustae. Reli, então, Aelius Spartianus e a sua narração da trágica morte de Papiniano – um dos maiores juristas da história e, com Thomas Moore (morto por razões análogas por Henrique VIII), patrono dos Advogados.
Depois de matar o irmão (Antoninus Geta) nos braços da mãe (Júlia Domna) – com a ajuda por omissão da guarda pretoriana – pediu a Papiniano para ir ao Senado defender a sua acção homicida.

O Advogado então Magister Liberum de Roma, consciente da injustiça de tal defesa, disse ao Imperador que «é mais fácil cometer um homicídio que justificá-lo» e declinou o convite imperial. Caracalla, desagradado disse-lhe que entendia a sua posição, pois era um homem de honra. Pelo que convidou-o a passar pelas ruas da cidade na sua companhia, como da sua amizade.

Assim fizeram: passearam por Roma como se fossem unidos por uma fraternidade maior que a biológica. Depois de voltar ao palácio imperial deu ordens a um soldado para matar o ilustre Papiniano. O pretoriano foi ter com o jurista e, a golpes de machado, executou-o. Voltou ao palácio e deu a notícia ao Imperador; este, desagradado, matou-o, dizendo que um homem de honra como Papiniano não merecia morrer pelo machado mas sim pela espada.

Isso porque Caracalla cometeu o erro de incumbir um soldado de fazer algo que somente um oficial deveria, pois saberia fazer bem, com dignidade e honra. É que, como bem diz Tito Lívio na sua História de Roma, “os talentos de um soldado são diferentes dos de um general” (Tito Lívio, XXV.19). E sabia o que dizia, pois foi mentor de Cipião que, com Júlio César e o Optimus Princeps Trajano restam como as grandes glórias militares de Roma. Viu o seu pupilo escapar do massacre da batalha de Canas – a maior derrota militar da história de Roma e infringida pelas hostes africanas de Aníbal – e da derrota junto ao lago Transimeno às mãos, também, de Aníbal.

Foi testemunha da capacidade de aprender de Cipião e viu-o usar as técnicas do seu inimigo para o vencer. Assim, quando Cipião alcançou a glória de vencer Aníbal – com técnicas pouco ortodoxas para as legiões romanas – e de derribar a cidade-Estado de Cartago estava ao seu lado no acampamento romano. Diz-nos que Cipião chorou com a destruição que fez à portentosa cidade africana que queimou até às fundações durante setenta dias e setenta noites.

Por essa razão – essencialmente – é que em Roma não se podia chegar a Imperador, a não ser por sucessão, sem passar pelo Senado (legislador, muitas vezes incumbidos de gestão militar) ou pelo consulado imperial (dois cônsules nomeados por um ano e que detinham poderes análogos aos de um Rei); partia-se do princípio de que eram precisas determinadas qualidades, nomeadamente o valor militar e a honra no exercício desta, nomeadamente na vitória.

Havia, no entanto, algumas formas de ultrapassar isso; mesmo entre os romanos. Júlio César, por exemplo, concedeu todas as honras militares a Octávio Augusto – seu sobrinho neto que viria a torna-se o primeiro Imperador de Roma – sem que este tivesse participado em nenhuma batalha. Como aconteceu, agora, com um dos sucessores ao trono do Reino Unido que passou fugazmente pelo Afeganistão.

No entanto a qualidade do melhor homem, o critério do mais capaz sempre foi o critério usado em Roma para escolher os seus líderes. Foi o que aconteceu no Século dos Antoninos – Nerva, Adriano, Trajano, Antoninus Pio, Lucius Verus, Marco Aurélio e Cómodo – e que Cómodo foi excepção, por decisão do seu pai, Marco Aurelio. O primeiro soldado ou Imperador soldado do Império romano – o mauritano Macrinus – aconteceu num momento particular. Estando ausente quem pudesse preencher os critérios vigentes no Império, as legiões atentaram no critério que restava – que terá sido o primeiro a ser usado pelo homem: o valor.

As capacidades de um líder devem ser sujeitas a escrutínio antes da assunção das suas responsabilidades; senão não será capaz de cumprir com a sua função ou fá-lo-á com prejuízo considerável para o bem comum – como é exemplo acabado George Bush ou Jaime I.

Quando se faz uma escolha política – como as que fizeram Poncio Pilatos, o General que apontou o soldado da Maratona como mensageiro, ou qualquer cidadão ao ajuizar votar G. W. Bush, Hitler, Berlusconi ou de não votar Lincolm (perdeu um eleição inicial que poderia ter terminado a sua carreira política), Churchill depois da guerra ou Barack Obama – temos de ter consciência de que tal tem consequências.

Assim como aceitar as decisões democráticas é, de todo, um exercício de humildade perante os decisores – um juiz pode cometer erros de julgamento, involuntariamente ou até para favorecer amigos ou grupos de interesse ou prejudicar alguém, o que acontece por ser ser humano falível e sujeito à essas fraquezas, mas o povo não erra: escolhe o que acha ser o melhor homem para conseguir o que é melhor para si. É um juízo sublectivo, falível, mas é o juízo do povo. É um dos grandes problemas da Democracia, desde Platão.

O político não pode esquecer o que Luís XVI disse a Malesherbes, sobre Turgot – que pensava poder fazer o povo francês feliz – e a sua acção política: não se pode obrigar um povo a ser feliz quanto este não o quer. Uma leitura da correspondência do Rei francês não faria mal a ninguém…