quinta-feira, 8 de maio de 2008

  • A CIRCULAÇÃO DO EURO EM CABO VERDE

«Com as cautelas técnicas e políticas, estamos a estudar a possibilidade de circulação do Euro em Cabo Verde. Trata-se de uma questão de grande alcance técnico e político que deve merecer a necessária ponderação, mas constitui um caminho possível no quadro da parceria especial com a União Europeia” – disse José Maria Neves, Primeiro Ministro de Cabo Verde.

Anotei. O chefe do Governo falava a propósito do 10º. aniversário do Acordo de convertibilidade entre a moeda cabo-verdiana e o escudo português – sucedido pelo euro. Aproveitou a ocasião e elogiou quem, há dez anos, foi o arquitecto do acordo cambial de convertibilidade e paridade – isto é, Gualberto do Rosário durante o consulado ministerial de Carlos Veiga. Fica bem, como dizia o meu Mestre, dar a César o que é de César, pois o país sofre do mal crónico de não reconhecer o mérito alheio, como se isso fosse demérito de quem o faz; pelo contrário: revela grandeza de alma e, no caso dos homens de Estado e em qualquer lugar, dimensão de estadista. O contrário, a antítese disso, também é verdade.

É, por inusual no país, de aplaudir. Talvez a oposição ao Governo deva aprender alguma coisa com essa atitude, pois todos ficariam a ganhar. Só espero que seja postura sustentada no tempo e não uma livre necessidade. O país só tem a ganhar com isso.

Agora, uma coisa resulta certa: não pense a sociedade cabo-verdiana que, à boleia da anunciada Parceria Especial com a União Europeia (que ainda falta concretizar a sua dimensão e extensão política, económica e social), vai ou possa vir a ter uma nova moeda. Até porque é impensável que o país, fora de um quadro de integração política e monetária, possa deixar de ter a sua moeda e prescinda de tudo o que a ela subjaz (nomeadamente das politicas monetárias). Isso seria, sem dúvida, alienar parte substancial da independência do país – no caso da independência económica, na sua perspectiva monetária.

Não é, certamente, o que pensará o Primeiro Ministro. Ainda que não tenha muitas dúvidas de que aja – no Governo e fora dele – quem assim pense. Serão os pragmáticos do Mundo novo, alheios às ideologias e arautos de uma ideia de “nação global” e/ou de uma magistratura dos interesses conjunturais.

Os emigrantes, certamente, ficarão satisfeitos com essa possibilidade – pois poderão ver, pensarão, o seu «poder de compra» reforçado com a eventualidade da circulação do Euro em Cabo Verde. Mas tal resultará do facto de não consideraram as razões macroeconómicas que estão na base da actual política monetária do país e que o acordo de convertibilidade de 1998 veio dar maior sustentabilidade ao nível dos mercados internacionais.

É essa política que permite ao país, por exemplo, aguentar algum embate do aumento dos preços dos produtos energéticos e alimentares nos mercados internacionais e ter, ainda, algum espaço de manobra para evitar aumentos imediatos ou sustentá-los com algum “jogo de cintura”. O dólar, verdade seja dita, tem dado uma ajuda substancial com a sua crescente e substancial desvalorização face ao euro (logo, da moeda cabo-verdiana).

A moeda cabo-verdiana não desaparecerá, não. Nem o seu valor actual será, certamente, revisto como sonham (legitimamente, mas que o país – para manter a sua sustentabilidade económica – não pode responder positivamente) os emigrantes. É que essa política, quer se goste dela ou não, é um dos pilares da economia nacional. Mas é possível a circulação simultânea do Euro e do Escudo cabo-verdiano no circuito económico em Cabo Verde; como, aliás, já acontece a determinado nível de negócios e circuitos comerciais nacionais.

É possível ter as duas moedas a circular ao mesmo tempo – só a modernidade é que tem esta ideia de monolitismo monetário –, mas isso não pode querer dizer que se prescindirá da moeda nacional nem do seu valor facial ou fiduciário.

Angola, por exemplo, há anos que tem uma dupla moeda – o Kwanza e o Dólar americano; ainda que seja uma circulação oficiosa. De tal modo que em determinados locais ou circuitos comerciais praticamente só se use o dólar; o que tem contribuído não somente para o aumento do mercado paralelo, da fuga de divisas (em aplicação da “Lei de Gresham”) e a lavagem de dinheiro ilícito, assim como para uma maior desigualdade social de facto.

Isso para não falar de outros efeitos perversos que, por exemplo, a introdução do euro teve na Europa e em Portugal em particular – nomeadamente ao nível da inflação que prejudicou em muito o poder de compra dos mais pobres ou socialmente desfavorecidos.

É, na verdade, uma matéria importante – mas há que ir com calma e «estender a perna de acordo com o tamanho do nosso lençol», como diria Rabindranath Tagore.

Depois de concretizada – e o país ainda não sabe em que termos é que essa parceria está equacionada (e é bem mais complexa do que parece e/ou se quer fazer crer) – a dimensão da Parceria Especial com a União Europeia o país poderá pensar na eventual utilidade substancial ou não da introdução oficial do euro no país. Até lá, qualquer decisão política nesse sentido será prematura e até contraproducente. Até por razões de estratégia no âmbito da negociação política com a União Europeia.

É que tal tem custos económicos e políticos consideráveis e que não são despiciendos. O país tem de ter a noção exacta da sua capacidade de resposta aos problemas que daí emergirão; e tem de ter, claramente, mais benefícios que dissabores. O povo agradece.

  • Publicação originária: Expresso das Ilhas