- PERPLEXIDADES
INJUSTIÇA SALARIAL EM CABO VERDE
O JORNAL Expresso das lhas entrevistou o empresário Andrea Stefanina (Expresso das Ilhas on line, 11.05.2008) e, entre outras coisas, perguntou-lhe:
EXP. – Há desenvolvimento económico, mas os pobres estão cada vez mais pobres, quer comentar?
AS. – «O salário é objectivamente injusto. O aumento do custo de vida ao longo dos anos não tem sido acompanhado integralmente por um realinhamento do rendimento líquido dos trabalhadores. Como disse antes é possível fazer mais se for criado um quadro de incentivos aos investimentos, se for desagravada a fiscalidade, directa e indirecta e se encararmos definitivamente os problemas que afligem os sectores produtivos do país. É necessário reduzir a pobreza e promover a equidade social e acertar os mecanismos que vão distorcendo a economia, criando assimetrias e condicionando a competitividade e o crescimento económico de Cabo Verde».
Ao ler isto, o que dizer? O que pensar? Apetece-me bradar aos céus e gritar: Deus!, se é objectivamente injusto, porque não aumenta o salário dos seus funcionários?! Sim, porque não lhes paga um salário digno e que corresponda ao produto do seu trabalho? Sim, um salário objectivamente justo. O que será um salário subjectivamente justo para o Senhor Stefanina?
O empresário respondeu, pedindo mais incentivos ao investimento, benefícios fiscais e o Céu e a Lua da praxis capitalista e do desenvolvimento na óptica empresarial. Isso para dizer que os salários só serão dignos quando o dinheiro sair não da justiça da relação laboral: salário correspondente ao trabalho produzido, mas sim quando o Governo der mais e maior margem de lucro aos empresários…
O jornalista coloca, com pudor, o dedo na ferida.
EX. – Quanto aos salários praticados na indústria hoteleira, são justos?
AS. – «O mecanismo é sempre o mesmo, embora sejam diferentes os factores que estão na origem das desproporcionalidades. A questão salarial não pode ser analisada de modo isolado. É preciso ter em conta o contexto económico em que operam as empresas e a conjuntura do mercado».
É, o mecanismo é sempre o mesmo, sem dúvida. O maior factor do empobrecimento do trabalhador cabo-verdiano, nomeadamente o da hotelaria, é o facto de receber um salário inferior ao produto do seu trabalho.
A questão salarial tem uma base: o trabalho e o produto desse trabalho, e esses é que devem ser os determinantes do salário. Existem factores condicionantes, sim. São de ordem meramente conjuntural e devem ser consideradas, mas será que o país vive em crónica conjuntura desfavorável?
Não, é claro que não. Se a conjuntura económica do país tem sido boa – a passagem a PDM é prova disso mesmo – e os investimentos do empresário em causa revelam que, pelo menos para ele, a conjuntura tem sido boa; então, porque não aumentar o salário dos seus empregados para níveis dignos?
Era uma pergunta a ser feita a um empresário que encontrou no país um El Dorado e deve, tem o dever de retribuir com justiça a todos aqueles que o ajudam a aumentar a sua fortuna.
O país precisa de um salário mínimo, já! E deveria começar na indústria hoteleira. Ah, já agora, sabe quanto é que custa uma noite num dos hotéis do grupo Stefanina? Sim? Então, pergunte lá a quem sabe qual é o valor dos salários dos empregados do mesmo grupo…
Ah, a minha perplexidade estendeu-se ao sentido ou não sentido das perguntas do jornalista; isso por não ter feito ao empresário uma pergunta simples e necessária (em substância):
– Os empregados do Stefanina têm salários justos?
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Quem é que perguntará isso ao Stefanina e a todos os empresários em Cabo Verde? Sim, temos de nos habituar e atrever a ser incómodos, a questionar as coisas e as causas das coisas. Só assim o país poderá abrir os olhos para algumas realidades que empobrecem não somente o trabalhador mas o homem, a pessoa.
Note-se que não é a pergunta em si, é o dever de ir-se mais além no exercício da actividade jornalística, de ser uma espécie de pedra no sapato do poder – de todo e qualquer poder, do político ao económico, passando pelos pequenos e aparentemente adormecidos lobbyes sociais.
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Agora, uma coisa seja feita justiça ao empresário: admitiu a injustiça dos salários dos cabo-verdianos. E se é o próprio empresariado que o assume – o que quer dizer que a realidade é de modo gritante que não se pode negar sem ser-se não sério – onde pára o Governo, onde pára a oposição para, de uma vez por todas, pôr-se cobro a esta injustiça? A justiça social é feita pelos Governos, esta deve ser feita agora. Sim, salário mínimo já!