sábado, 3 de maio de 2008

  • COLÍRIO IMPREVISTO

Passeava pelas sete colinas desta cidade descuidada de tudo quando vi um velho cego sentado numa dessas escadas de xistos que branqueiam as avenidas ermas de alma e, sem dinheiro, disse-lhe:
– Boa tarde!...

E ia seguindo o meu caminho, quase envergonhado por estar teso, quando escutei um murmúrio:

– … Boa tarde! Obrigado…

Intrigado, voltei atrás e perguntei-lhe:

– Porque me disse obrigado? Não lhe dei nada…
– Pensa que não – respondeu com os olhos da escuridão brilhando como uma super nova –, mas deu-me uma boa tarde, viu em mim uma pessoa…

Fiquei, nessa tarde, redimido dos meus silêncios e as minhas trevas ganharam sentido.

Junho, 1981

  • Wolf attacking centaur, Boris Vallejo