sábado, 10 de maio de 2008

  • O QUE ACONTECEU À «CIDADE ESTADO» DE S. VICENTE?
Ainda estávamos nas primícias do processo eleitoral autárquico em curso e Onésimo Silveira anunciou a ideia de construção de uma «Cidade Estado» para a Ilha de S. Vicente.

Passou já algum tempo, aproxima-se o dia das eleições e parece que a ideia soçobrou sem ter sido “oficializada” ou chegado ao escrutínio popular e dos adversários políticos.

É legítimo, então, perguntar: Será porque os autores da ideia chegaram à conclusão de que era politicamente sofrível e com perigos imanentes e latentes, além de promotora de um ilhismo básico e desnecessário? Ou terá o Primeiro Ministro e Presidente do PAICV – que esteve na Ilha do Monte Cara dias depois desta ideia vir a público – colocado “água na fervura” de antigos entusiasmos e esclarecido às bases do partido em S. Vicente que a pátria cabo-verdiana é una, que está junta sob o mesmo céu, sujeita às mesmas adversidades, às mesmas glórias da sobrevivência e que não existe espaço para cisões nacionalistas ou ilhistas?

Existem outras hipóteses, menos edificantes e serenas em termos de vida partidária interna. É estranho, mas o silêncio sobre esta matéria – de todos os candidatos – pode ter muitas leituras. Soa a tácito (?) pacto de silêncio, como se fossem obrigados a não falar por uma razão qualquer.

Ocorre-me a razão mais óbvia: a de que o povo de S. Vicente pudesse, de algum modo – principalmente os mais carenciados, isto é, a maioria – ser tentado e levado por essa ideia. O partido no Governo, o PAICV, não pode(ria) sustentar esta ideia de Onésimo Silveira e alguns dos seus militantes; por isso não pode dar-se ao luxo de discutir isso. Os custos de sustentar essa ideia (ainda que aparentemente benéfica em termos dos eventuais resultados imediatos) são/seriam politicamente incomportáveis para o Governo – mas nem por isso muito benéfica para a oposição.

As demais candidaturas também não têm interesse nesta discussão. Assim, a ideia, aparentemente, caiu no esquecimento – com a fugacidade de um pequeno meteorito. Será assim?

Não ficaria surpreendido se a ideia de Cidade Estado renascesse e, à última hora, fosse repristinada para as últimas alegações – quando os demais candidatos não puderem responder ou o próprio PAICV puder se demarcar da mesma, imputando-a à conhecida irreverência de Onésimo Silveira. A ver vamos… Mas uma coisa é certa: é, no mínimo, intrigante o porque da bandeira primeira da candidatura do ex-Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente ter caído no esquecimento de todos.

É uma ideia da qual discordo de todo – como disse a seu tempo – mas que gostaria de ver discutida. A democracia é isso mesmo: discutir e confrontar ideias, concordemos ou não com elas. Silenciá-las não é a melhor forma de construir um futuro melhor; o tal “poema” novo para o povo das ilhas…

Ah, o défice de discussão pública – nomeadamente na comunicação social – destas eleições é um mau indicador da qualidade da democracia cabo-verdiana e da sua capacidade de promover a discussão de ideias e projectos perante os eleitores que não vêm, assim, a sua capacidade critica e de julgamento posta à prova.

Mas, afinal, de que têm medo os políticos e/ou as entidades promotoras de debates televisivos e radiofónicos? Que o povo saiba o que pensam ou não pensam os políticos e quais os seus projectos ou falta deles? A democracia de caciquismo e de campanhas de comícios armados de classe é coisa da pré-história (ainda que arma política considerável) – é preciso ir-se mais longe.


Colocar ideias sobre a mesa, mesmo que sejam sofríveis e coloquem em causa alguns paradigmas políticos e sociais é um passo em direcção ao futuro de uma sociedade mais aberta. O Futuro espera por nós – governados e governantes – estejamos ou não preparados para ele.

The ruins of Chichen Itza, Yucatán, Mexico

Chichen Itza, Yucatán, Mexico

  • Fotos: A antiga Cidade-Estado de Chichen Itza, Yucatán, Mexico.