quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

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Democracia, Estado de Direito, Estabilidade Política, Segurança e Desenvolvimento

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A Democracia Cabo-verdiana e o Estado de Direito, perante a Segurança Constitucional e o Desenvolvimento[1]

Eminências,

Exmos. representantes dos partidos políticos e das instituições,

Exmas. Senhoras, Exmos. Senhores,

Caros compatriotas.

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Foi-me dirigido o amável convite para vos falar da Democracia cabo-verdiana, a estabilidade política, a segurança e o desenvolvimento. O tema é assaz extenso, pelo que decidi delimitar o tema e falar-vos-ei da “Democracia Cabo-verdiana e o Estado de Direito, perante a Segurança Constitucional e o Desenvolvimento”. Tentarei, dentro do tempo disponível, ser o mais breve possível.

Nas suas origens, a democracia era o pior dos sistemas políticos. Assim o entendiam os gregos, os criadores do conceito. Hoje é o melhor dos sistemas, dizem todos e com uma quase unanimidade. O que aconteceu para que tal acontecesse? A resposta é simples: (i) a cultura e (ii) a consciência do homem da sua condição de cidadão e do seu papel no Mundo.

.A democracia é um dado de cultura, um sistema de valores que tem o homem no centro da acção política. A Europa, berço deste conceito, levou séculos a sedimentar e a compreender o seu verdadeiro sentido. Ainda está a aprender, e a Democracia, ou as democracias, melhor dizendo, ainda enfrentam muitos inimigos – quer externos quer internos.

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A Europa, até chegar ao actual modelo democrático, passou por várias rupturas epistemológicas e sociais. Das Assembleias gregas da Ágora e os Comícios romanos ao 25 de Abril de 1974, passando pelo Parlamentarismo Inglês emergente da Glorious Revolution de 1668, a instauração da Assembleia Nacional francesa em 1789, a Revolução russa de 1917… encontramos sempre um factor comum a estes acontecimentos: uma revolução ou uma luta dos cidadãos pela sua liberdade e pela segurança das suas vidas e dos seus bens. A busca do bem-estar, ou do desenvolvimento económico e humano se assim o quisermos chamar.

A ideia de que somente o poder limita o poder, é uma ideia que emerge do povo, do povo a exigir a sua participação na gestão da coisa pública: o direito de ser livre e a não oprimido ou maltratado. A Lei das Dozes Tábuas da República romana e a Magna Charta Libertatum de João Sem Terra – as primeiras Constituições materiais do Mundo – são a prova do poder ou da sociedade civil quando se une em reivindicação do que lhe é devida: uma boa governação.

A democracia é, assim e antes de tudo, um sistema político com uma dimensão ética: limita o poder do detentor do poder. Se estes limites não existem – e estes limites são conhecidos como Direitos Humanos ou Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais – não estamos perante uma democracia. É célebre o Artº.16º. da Declaração Universal Direitos do Homem emergente da Revolução francesa de 1789: «qualquer Estado onde a garantia dos direitos se não ache assegurada, nem a separação de poderes determinada, não tem Constituição

Esta ideia limitou e conformou a ideia de Estado de Direito, até hoje.

Em 1975, quando Estado Cabo Verde emergiu no concerto das nações com Estado independente, vivíamos num Mundo de clivagens políticas e ideológicas acentuadas. Este facto, aliado ao nacionalismo e ao pan-africanismo, determinou a estrutura política e social que duraria até 1992. O Estado de base popular era, na verdade, uma democracia mono partidária com raízes ideológicas bastante sedimentadas no marxismo e outros ismos socialistas que tiveram maior visibilidade por causa morte de Amílcar Cabral.

E qual era o pensamento de Amílcar Cabral?

O pensamento de Amílcar Cabral não era muito diferente dos demais líderes africanos de então – queriam ver-se livres do colonialismo e afastar-se da sua esfera de influência, mas também não queriam ser reféns do marxismo ocidental, queriam um marxismo africano. Uma utopia serôdia que está na base da ditadura de partido que houve em Cabo Verde e de muitos regimes autoritários africanos.

À margem do II Congresso de Escritores e Artistas Negros, Roma, 25 de Março a 1 de Abril de 1959, Aimé Cesaire, reuniu-se com um grupo de marxistas negros para discutir a sua atitude perante o comunismo à luz da situação dos países subdesenvolvidos, especialmente em África. Dessa reunião saiu uma moção que é um dos documentos com maior actualidade da imensa produção intelectual dos pan-africanistas da época. É um texto cujo conteúdo, além da actualidade, vem ao encontro daquilo que é o meu pensamento – exceptuando a assunção do marxismo – sobre o estado actual da democracia.

Diz o texto, junto à declaração final do Congresso:

«We, African Marxists,

Recognise that the evolution of Societies, the steady improvement of technique, recent discoveries , and the consequent emergence of new economic links and new social relationships make the enrichment and effective broadening of Marxism both possible and desirable.

The analyses of Western society worked out by Marx, although linked to the interpretation of a specific system of production, namely capitalism, enable Marx to describe the feudal (pre-capitalist) forms of society, forms whose equivalent can be found today in the regions which are called underdeveloped.

The economic situation with which Marx found himself faced at the time he was explaining the laws which govern society led him to advocate some forms of action.

It is nevertheless clear that in the particular case of underdeveloped countries and, more precisely in the case of Africa, the original form of struggle take on specific dimensions; already at grips with colonialism, African leaders must further take into account their need to promote a programme of technical modernization with the maximum speed and efficiency.

African Marxists, in their reflections and in their practice, must look strictly, not only at general economic problems, but also and especially at the facts of economic underdevelopment and the cultural configurations proper to their regions.

African Marxists must also drawn inspiration from current experiments in others underdeveloped countries which have already attained independence.

In consequence, considering that,

1. The cultural references in Marx´s thought are nearly all drawn from western experience;

2. The economic situation of the western proletariat cannot be strictly identified with that of the underdeveloped people;

3. A doctrine is all the more universal so far as, in the one hand, it takes into account all experience, historic, economic, etc., and the diversity of the cultural genius of peoples, and on the other hand, its application is controlled by a really representative,

We invite African Marxists to develop their doctrine on the basis of the real history, aspirations and economic situation of their peoples and to build and found it on the authority of their own culture.»

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Esta moção merece ser revisitada. É a base de parte substancial do pensamento de Amílcar Cabral – como se pode verificar de uma leitura de Unidade e Luta, em particular no capítulo II. Está a meio século de distância e os problemas continuam sendo os mesmos. Pode-se dizer que, também, as soluções propostas para ultrapassar-se o subdesenvolvimento continuam as mesmas então propostas por Aimè Césaire e os companheiros? Não irei tão longe, mas a verdade é que o mimetismo cultural – não raras vezes também político –, uma incipiente industrialização e uma cultura de dependência dos subsídios e/ou ajudas ao desenvolvimento não têm ajudado o continente africano a alcançar um outro estágio de desenvolvimento.

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Kwame Nkrumah, ciente desta realidade, fez um grande esforço para industrializar o Gana e levar o país a alcançar uma independência real do ocidente, assim como procurou assentar as bases de um socialismo africano arrastando o continente para a ambiciosa ideia de construção dos Estados Unidos de África. Não logrou os sucessos esperados, mas tentou. O legado do que viria a ser a Organização da Unidade Africana – hoje Unidade Africana – dá-nos a ideia de um projecto que, desejando ser um projecto africano abrangente, acabou por se ancorar nos Estatutos do Conselho da Europa. Por esta e muitas outras razões que Kwame Nkrumah acusava alguns dirigentes africanos de se sujeitarem a um novo colonialismo – o colonialismo cultural.

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Mas é natural que as coisas tenham evoluído nesse sentido.

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O Nkrumahismo – alicerçado no socialismo africano –, o Nasserismo e outros projectos políticos de ordem pessoal de outros paters do nacionalismo africano e arquitectos das independências, como Houphouët-Boigny, Kenneth Kaunda, Sekou Touré, Julius Nyerere, Kenyatta, Modibo Keyta, Olympio, Hastings Banda, Leopold Senghor... foram das razões maiores do falhanço da unidade africana e a não instauração de um verdadeiro sistema democrático em África. O efeito de imitação do socialismo democrático, da democracia do timoneiro, de uma utopia ideológica no plano discursivo e semântico, aliados ao deslumbramento do poder e da riqueza fizeram o resto...

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Leopold Senghor não tinha dúvidas: os presidentes dos Estados africanos personificavam as nações do mesmo modo que os antigos monarcas os povos: eram eleitos de Deus através dos povos cujas massas populares reviam essa realidade neles. Isto é, a crer-se em Senghor, estava-se perante a defesa de um iluminismo político africano sustentado na democracia popular que se revia pelo exercício nos seus presidentes-reis ou homens iluminados e esclarecidos que levariam as nações africanas ao objectivo do desenvolvimento e da felicidade.

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Houphouët-Boigny, da Costa do Marfim, ao chegar ao poder em 1960 não teve dúvidas em criar uma Constituição à sua medida e objectivos – um pouco à imagem da Constituição da V República francesa de 1958. Não se coibiu de dizer que a democracia é um sistema de governo para pessoas virtuosas e que um país novo como o seu deveria ter um líder todo-poderoso durante algum tempo. O argumento parece colher alguns apoios – mesmo ente os defensores da democracia –, e é repristinado de tempos em tempos.

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A este propósito lembro-me de, aquando dos meus estudos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ter participado numa conferência em que se discutia as Constituições dos países africanos de língua oficial portuguesa e, a propósito da Constituição da República de Cabo Verde, ter perguntado ao Professor Jorge Miranda – autor da Constituição cabo-verdiana de 1980 – pela razão de ter criado um sistema de fiscalização da constitucionalidade tão sui generis (fiscalização feita pela Assembleia Nacional[2], tipo interpretação autêntica) a resposta que recebi foi surpreendente: os países eram novos e ainda tinham de aprender a viver em democracia. Não esperava, então, encontrar um “discípulo” de Houphouët-Boigny na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. O argumento era o mesmo. Algo análogo pode ser encontrado no Artigo XXVII da Carta da Organização da Unidade Africana de 25 de Maio de 1963, aliás, no Jornal Voz di Povo de 26 de Março de 1977 encontra-se uma referência ao “inconveniente” político de se elaborar uma Constituição por falta de experiência...

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Esta era a senda do poder político emergente dos nacionalismos africanos, e as circunstâncias históricas comungavam com tal forma de pensar. A ditadura do proletariado aliava-se à lógica do despotismo esclarecido, e a democracia pluralista era, ainda, frágil, demasiado frágil para ser uma influência catalisadora ou determinante nas opções.

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Cabo Verde teve uma contrariedade que acabou por demarcar o país dos demais: a morte de Amílcar Cabral. Se Cabral não tivesse sido assassinado, o caminho da União de Estados entre a Guiné e Cabo Verde seria o mesmo: um despotismo esclarecido africano. Na ausência de Amílcar Cabral – o único líder incontestado e o verdadeiro mentor ideológico do PAIGC – Cabo Verde foi sujeito à uma ditadura colectiva ou ditadura de Partido. Era o nacionalismo africano de Houphouët-Boigny, Leopold Senghor e demais pais do nacionalismo africano, um nacionalismo de base essencialmente marxista mas construída e fundada na autoridade cultural africana, como diria Aimé Cesaire.

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Note-se que a Constituição política de Cabo Verde, quer a Lei de Organização Política do Estado [LOPE][3] de 1975 quer a Constituição de 1980 tiveram – assim como aconteceu em muitos outros países – a aprovação unânime da Assembleia Nacional. Assistiu-se então a instauração de sistemas de partido único; em alguns casos aconteceu simplesmente, noutros ocorreu o desmembramento da oposição por absorção das mesmas e, em outros casos, a supressão pura e simples da oposição – como aconteceu, nomeadamente, no Gana, na Mauritânia, na União de Estados Guiné-Bissau e Cabo Verde, Burkina Faso, Togo, Níger...

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.Assim, é evidente que a democracia representativa, na origem dos estados emergentes dos movimentos independentistas, foi rejeitada pelos líderes dos Estados africanos. E o PAICV, herdeiro directo deste ideário do PAIGC, não desejava uma democracia pluripartidária mas sim um pluralismo mono partidário que garantiria o poder do partido num quadro formalmente democrático. A dinâmica da história, e o papel fundamental da diáspora cabo-verdiana, acabaram por ditar a emergência do Movimento Para a Democracia e Cabo Verde passou a sua segunda grande ruptura política e social: emergiu uma nova forma de ver a sociedade.

.A democracia multipartidária e representativa nunca foi um horizonte político sério para a África que emergiu com as independências. E não o era para Cabo Verde, quando houve lugar à abertura política em 1990 e que determinaria a emergência da II República. Mais uma vez foi uma ruptura epistemológica e social que a determinou.

Mas poderia ter feito outra coisa? A meu ver não, foi mais um imperativo, uma livre necessidade e não uma escolha livre do poder político de então.

Cabo Verde, até a Constituição de 1992, não tinha um sistema de separação de poderes e os direitos fundamentais da sociedade cabo-verdiana não eram respeitados segundo os cânones e os valores do Estado de Direito Democrático. Por isso, mais do que dizermos que a Democracia pluripartidária ou o Estado de Direito Democrático começa em 1992, podemos dizer que Cabo Verde só teve uma Constituição democrática a partir desta data.

E podemos verificar que o desenvolvimento de Cabo Verde encontra-se, histórica, política e economicamente, ligado à instituição da democracia no país. Este facto é uma evidência: quando maior é a maturidade democrática de um país, maior é o seu grau de desenvolvimento económico e social.

Os ganhos económicos e sociais de Cabo Verde devem-se ao sistema democrático instaurado em Cabo Verde com a Constituição de 1992. Sem um sistema democrático, o país seria mais pobre do que é hoje. Sem a democracia Cabo Verde não seria um país com futuro e acarinhado pela comunidade internacional. A diferença fundamental entre Cabo Verde e as outras nações que emergiram das lutas pela independência encontra-se num facto: na democracia, e nos valores da transparência da gestão da coisa pública e da segurança jurídica que emerge do respeito pelos direitos, liberdade e garantias individuais.

Uma realidade é clara. A relação entre os direitos humanos e democracia é uma relação mediata que emerge de uma outra – a relação entre o desenvolvimento económico e a democracia como capital de estabilidade do bem-estar e das suas virtudes na resolução de conflitos entre os cidadãos, entre estes e as pessoas morais, entre os particulares e o Estado.

A evolução da ideia de Estado de Direito Democrático entronca-se nesta realidade. A evolução da concepção de Estado entronca-se nesta realidade – e tenho de dizer-Vos, caro compatriotas e amigos de Cabo Verde, que a nação cabo-verdiana, com a Constituição de 1992, deu um salto político que levou séculos a ser dado pelos europeus: uma Constituição baseada em valores fundamentais da pessoa humana.

Este é o ganho fundamental que a democracia pluripartidária trouxe para Cabo Verde: um poder político controlado pelo povo que, deste modo, garantia e garante os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais. A questão fundamental que o cidadão deve perguntar a si mesmo é: temos uma democracia com um poder político com legitimidade política quanto ao seu exercício?

E hoje, perante a globalização e um Mundo onde o pragmatismo e os valores fundamentais da Democracia são cada vez mais postas em causa e se encontram em perigo, como se coloca a questão da democracia para Cabo Verde? O país deve sacrificar os seus valores e adaptar-se à lógica que impera hoje? Devemos, como Estado e como Nação, sacrificar os direitos, liberdades e garantias fundamentais à segurança que, dizem-nos, devemos salvaguardar face aos novos perigos que o Mundo enfrenta, nomeadamente o terrorismo?

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Caros compatriotas, amigos de Cabo Verde,

A estabilidade política e social do país passa, necessariamente, por isso? A meu ver não. A estabilidade democrática de um Estado está:

(1) No respeito pelo regular funcionamento das instituições democráticas; e

(2) Pelo respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

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Estes são os valores fundamentais da Democracia – nomeadamente a instituída pela Constituição de 1992 – num Estado de Direito Democrático. São o último bastião da soberania popular, daí a Constituição estabelecer limites materiais para a sua revisão.

Estes limites têm, além de outros fins e objectivos, duas finalidades:

(a) A estabilidade do sistema democrático e dos seus valores;

(b) A garantia qualificada dos direitos, liberdades e garantias, isto é: a segurança jurídica dos cidadãos e das pessoas morais.

Tal status negativus é dos maiores ganhos da humanidade e o triunfo da cidadania e da razão sobre arbitrariedade do poder político e do estado de barbárie política. Atentar contra o seu núcleo essencial é desconstruir o Estado de Direito Democrático, é atentar contra as garantias da cidadania e o fundamento da soberania nacional: o povo.

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A segurança constitucional desaparece, os limites materiais da Constituição são desvirtuados para passarem a ser semântica jurídica, típicos dos Estados autoritários e da democracia mono partidária. Fazer isso é, do ponto de vista do ideário democrático, ilegítimo no plano do exercício do poder político.

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E que estado se atreveria a fazer isso aos seus cidadãos? – perguntar-me-á. Bom seria que nenhum Estado o fizesse. Mas é o que se encontra no Projecto de Revisão da Constituição do PAICV e que o MPD – para surpresa minha e certamente de muitos – deu aval com o Memorando de entendimento sobre a Revisão da Constituição. É um projecto que enfraquece a democracia cabo-verdiana e fá-lo no seu âmago.

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As garantias fundamentais dos cidadãos existem em benefício do povo cabo-verdiano, de cada cidadão individualmente considerado. O que importa não são os interesses dos representantes, mas sim os dos representados: os cidadãos. Por isso é que existem estes limites materiais da Constituição que não podem ser ultrapassados por nenhum acordo político, seja entre os partidos políticos, os seus líderes ou os sujeitos parlamentares.

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São limites ao poder no seu todo!

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Caros compatriotas, cabo-verdianos,

O Acordo de Revisão da Constituição é, em muitos aspectos, um atentado ao Estado de Direito Democrático e aos seus valores fundamentais, nomeadamente a segurança jurídica dos cidadãos.

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Num momento em que se deveria primar pelo cumprimento da Constituição – nomeadamente com a instalação do Tribunal Constitucional e da Provedoria de Justiça – e o fortalecimento da nossa democracia, os políticos fazem um atentado contra os direitos fundamentais de cidadania e à Constituição. Em nome de uma Nova Ordem Global e da luta contra o terror que o terrorismo e o crime transnacional representam, o poder político decide sacrificar a segurança jurídica constitucional dos cabo-verdianos à segurança dos parceiros do país.

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A lógica é: menos garantias e mais segurança. O que é uma subversão da lógica da segurança jurídica, pois quando maiores forem as garantias, maior será a segurança e a estabilidade constitucional, logo, do Estado de Direito Democrático. Abrir brechas na Constituição material e nos seus limites é uma regressão democrática, é hipotecar os valores que têm sustentado o desenvolvimento do país.


Imagem: Les Compagnons de la peur, Rene Magritte
Prima forma: Liberal
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[1] Texto de Conferência convertida em Alocução proferida no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa no dia 9 de Janeiro, a propósito da Comemoração do 13 de Janeiro de 1991 em Conferência promovida pelo Movimento Cabo-verdiano para a Cidadania Activa em Portugal e sob a temática «Democracia, Estado de Direito, Estabilidade Política, Segurança e Desenvolvimento».

[2] Atribuindo o poder de fiscalização da constitucionalidade ao poder político esvaziava o poder judicial das suas competências de fiscalização e garantia o controlo efectivo da mesma e da sociedade pela força dirigente da nação: o PAICV que detinha, como partido único, o poder representativo na Assembleia Nacional. Era um reino, não pessoal – como acontecia os dirigidos por Houphouët-Boigny, Sekou Touré, Modibo Keyta, Nasser... – mas do Partido no poder. A lógica era a mesma, a prática também.

[3] Declara no seu Artº.1º. que o PAIGC era a «força política e dirigente da sociedade.»

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