segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

  • REALIDADE ECONÓMICA

«Outra realidade que temos de considerar é a realidade económica. A nossa realidade económica principal é que nós somos colónias portuguesas, porque ao fim e ao cabo a situação política é uma consequência da situação económica. Nós, a Guiné e Cabo Verde, somos um povo explorado pelos colonialistas portugueses, o nosso trabalho é explorado pelos colonialistas portugueses. Isso é que é importante. Essa é que é a realidade económica.

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Mas nós somos uma terra desenvolvida? Não. Somos atrasados economicamente, sem desenvolvimento quase nenhum, tanto na Guiné como em Cabo Verde: Não há indústria a sério, a agricultura é atrasada, a nossa agricultura é do tempo dos nossos avós. As riquezas da nossa terra foram tiradas, sobretudo, do trabalho do homem. Mas os tugas não fizeram nada para desenvolver qualquer riqueza da nossa terra, absolutamente nada. Os nossos portos não valem nada, tanto o de Bissau, como o de S. Vicente. Poderiam ter feito bons portos, mas fizeram uns cais acostáveis que não valem nada. Quando vemos o porto de Dacar, ou mesmo o porto de Conakry, que são bons portos, e melhores ainda os de Abidjan ou de Lagos, na Nigéria, podemos verificar como é que os franceses e os ingleses fizeram grandes portos, onde vinte e tal barco ou mais podem atracar. E vemos quanto tempo o tuga perdeu a gozar - nos, a tomar, a levar e a brincar connosco. Não fizeram nada para a nossa terra.

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Portanto, a nossa realidade económica é essa, e seja para a paz, seja para a guerra, nós somos um povo economicamente atrasado na Guiné e cm Cabo Verde um povo cujo principal meio de vida é a agricultura. Cultivar a terra para tirar o necessário para comer e nem sempre tirar o necessário para comer, como em Cabo Verde, por exemplo. Mesmo na Guiné, nalgumas áreas, se não houver muita chuva, há sempre falta, pelo menos enquanto o fundo não amadurecer. Tantos anos de presença dos tugas e a situação sempre na mesma, atrasados economicamente. Não podemos nem falar de indústria a sério, nem na Guiné, nem em Cabo Verde. Na Guiné temos a chamada fabricazinha de óleo de descasque de arroz, isso não é uma fábrica, isso é um grande «pilon»; a fabricazinha de preparar borracha (maná), uma pequena fábrica de farinha de peixe nos Bijagós.

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Em Cabo Verde três fábricas de conserva de peixe, em que os tugas trabalham o tempo que querem, enchem os bolsos de dinheiro, fecham a fábrica e vão descansar. E para conhecerem melhor a pouca vergonha dos tugas, eu lembro - me, por exemplo, que quando eu estava no liceu, a minha mãe foi para Cabo Verde, empregou - se na fábrica de conserva de peixe, porque a costura não dava nada. E sabem quanto é que ela ganhava por hora? Cinco tostões por hora e se houvesse muito peixe, podia trabalhar 8 horas por dia, ganhando 4 pesos (escudos). Mas se o peixe fosse pouco (era preciso andar muito para chegar à fábrica), trabalhava uma hora e ganhava cinco tostões.»

------- Amílcar Cabral, Unidade e Luta, p.26

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Imagem: Vertumnus, Archimboldo

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PS: Lembrei-me de editar este texto de Amílcar Cabral, numa pausa de leitura de La Esclavitud Femenina de John Stuart Mill para ouvir (!?) Nuias da Silva e Miguel Monteiro na RCV.

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