sábado, 6 de fevereiro de 2010

  • AS CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS DA REVISÃO CONSTITUCIONAL NO SISTEMA JUDICIAL
A revisão da Constituição – com os seus méritos e deméritos – vem repristinar uma questão que fez correr muita tinta no ano que passou: o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Sou da opinião de que a proposta do PAICV de que somente os magistrados judiciais (admitia, em dado momento, mas mal, que também os dos Ministério Público pudessem aceder ao STJ) devem aceder a esse órgão supremo do poder judicial comum é a mais adequada.

O limite para o mandato do presidente do STJ e a forma da sua nomeação faz sentido, uma vez que legitima democraticamente, ainda que indirectamente, a Presidência do STJ – essa é umas das razões pelos quais não me ofende a nomeação política de magistrados para o STJ. Mas tal pressupõe um outro modelo que, claramente, não é que o legislador propugna – a ideia do MPD aproximar-se-ia mais daquilo que considero ser o modelo mais de acordo com a democracia do sistema judicial. Mas esta é uma outra questão, e que, de momento, fica prejudicado pelas opções da Assembleia Nacional.

A instauração dos tribunais de segunda instância e a possibilidade de poderem julgar cidadãos cabo-verdianos ou não que cometem crimes no exterior e que sejam encontrados em território nacional são os aspectos mais positivos para o sistema judicial cabo-verdiano. Mas tal, em verdade, só será verdadeiramente positivo se se vier a instaurar os tribunais de segunda instância e não acontecer como o que aconteceu com a revisão de 1999 – criou-se o Tribunal Constitucional e este ainda não foi instalado. Estes tribunais, porque terão um papel fundamental na estrutura judicial e permitirão uma funcionalização do sistema – nomeadamente descongestionando o STJ e alargando o horizonte profissional dos magistrados – deveriam ser instalados o mais depressa possível.

Além  deste aspecto, o legislador deverá – segundo abertura do novo texto Constitucional – (i) reformar o Supremo Tribunal de Justiça no que concerne ao número dos seus magistrados, criando, nomeadamente, secções – o que se vem reclamando há já algum tempo e que surge, agora, a oportunidade para se pensar o sistema de forma sistemática, passe o pleonasmo necessário –, (ii) instalar o Tribunal Constitucional e (iii) os tribunais de segunda instância.

Note-se que, com a entrada em vigor do Artº.220º. da Constituição, a questão que foi suscitada pelo Procurador Geral da República, Júlio Martins, a propósito da eleição do Juiz Conselheiro Raúl Querido Varela para o STJ fica resolvido. A Assembleia Nacional, numa espécie de interpretação autêntica da questão então decidida pelo STJ/Constitucional, vem dizer que as funções jurisdicionais dos juízes conselheiros cessam com o «limite de idade para aposentação». A consequência natural, por inconstitucionalidade superveniente, é que as funções de qualquer Juiz Conselheiro no STJ/Constitucional que tenha chegado a idade da aposentação cessem. E nem o argumento de que a nomeação parlamentar ultrapassava as regras gerais pode ser aventado pois o acesso passa a dar-se no âmbito exclusivo da magistratura judicial.

Esta é, por exemplo, a prova acabada de que o sistema judicial não é independente do poder político, mas sim – por natureza – dependente dele (e a Lei de Revisão não está sujeita a fiscalização da constitucionalidade). A independência judicial tem um outro conteúdo, e esta revisão pode estimular a existência dos verdadeiros factores da mesma. Mas não basta criar-se normas, há que dotar as instituições que têm de aplicar as normas com os meios necessários.

Como estamos em ano pré eleitoral não tenho dúvidas de que, se necessário (e sê-lo-á), o Governo recorrerá à rectificação do Orçamento de Estado para poder proceder à instalação dos tribunais de segunda instância e fazer face aos gastos acrescidos e necessários com um Supremo Tribunal de Justiça necessariamente alargado. O que não é nem seria demais, e será a prova cabal de que o PAICV conseguiu uma vitória política considerável com a revisão da Constituição, até mesmo no que concerne ao Tribunal de Contas que o MPD teve alguma inabilidade negocial no desfecho da questão em torno da forma de acesso ao mesmo. |

1 comentário:

Amílcar Tavares disse...

Caro Virgílio, obrigado pela, muito competente, clarificação.