terça-feira, 2 de junho de 2009

  • ARMÉNIO VIERA LEU OS LUSÍADAS NO VERBO

O tempo é o maior julgador e, assim como não se pode esconder a candeia debaixo da mesa, não se consegue esconder o rugir do tigre na noite escura. E o que tem de ser, será… «quando for tempo disso» – diz o poeta. No outro dia o poeta José Luiz Tavares dizia, numa entrevista ao jornal A Nação, que Arménio Vieira era o maior escritor cabo-verdiano vivo. Bem, acaba de ser-lhe atribuído o Prémio Camões – o maior galardão literário da língua portuguesa, uma espécie de Nobel da lusografia. Merecido! Justo! Antes, já era merecido. Torna-o o maior escritor cabo-verdiano vivo? Os técnicos e os seus pares assim dizem...

A última obra que li dele, Mitografias, é um dos melhores livros publicados em língua portuguesa dos últimos anos. Deus tem destas coisas, um poeta quase esquecido na sua terra acaba por ver o seu mérito publicamente reconhecido no exterior. Este reconhecimento servirá para chamar atenção não para a obra de Arménio Vieria, pois os leitores que lêem conhecem-na bem, mas, essencialmente, para a literatura cabo-verdiana. Mas há quem tenha olhos e não veja.

Este Prémio Camões não é um prémio em sentido próprio, é um reconhecimento e uma merecida forma de dizer obrigado a Arménio Vieira pela sua poética que extravaza a dimensão das ilhas atlânticas e a alma das suas gentes. Amanhã todos aplaudirão o poeta, levantarão vozes altisonantes em seu louvor – mas esquecerão o ontem, quando o seu labor precisava de mais que uma não política de e da cultura. Mas o poeta esperou, o poeta sempre espera… Avé Arménio Vieira!

O tigre ignora a liberdade do salto
é como se uma mola o compelisse a pular.
.
Entre o cio e a cópula
o tigre não ama.
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Ele busca a fêmea
como quem procura comida.
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Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.
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Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.
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Ele é esquivo,
não há mãos que o tomem.
.
Não soa,
porque não respira.
.
É menos que embrião
abaixo do ovo,infra-sémen.
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Não tem forma,
é quase nada, parece morto.
.
Porém existe,
por isso espera.
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Epopéia, canção de amor,
epigrama, ode moderna, epitáfio,
.
Ele será
quando for tempo disso.
Arménio Vieira, in Vozes poéticas da lusofonia, Sintra, 1999

Imagem: René Magritte, Discovery

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