quinta-feira, 18 de junho de 2009

  • MUDAMOS MAS O MUNDO GIRA E NÃO MUDA

1984, depois de ter abandonado a escola em menino, voltei a estudar. A razão, então, era simples: queria ir para a Etiópia ou o Bangladesh ajudar a multidão que morria de fome. Queria ser missionário, mas as circunstâncias da vida por vezes conspiram contra o bem e/ou a vontade de o fazer.

Hoje, de repente, amourado no meu momento de reflexão, perguntei a mim mesmo se não deveria ter ido para missionário… se não deveria ter seguido o caminho proposto pelos missionários combonianos e ter me tornado sacerdote católico. Mas não!, "pensava de forma diferente" – era protestante/evangélico, o quadro doutrinário católico agoniava-me (não no plano social, mas estritamente doutrinário) e não me sentia capaz de um sacrifício contra a natureza que o sacerdócio católico romano exigia e exige, pelo menos sem deixar de ser honesto comigo mesmo. Pensava, então, que haveria outros caminhos… estudei Direito, especializei-me em Direitos Humanos, uma forma sucedânea do sacerdócio, pensava.

Mas ha coisas que não mudam. Há alguns anos, numa entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro para o DNA (suplemento semanal do jornal português Diário de Notícias), dizia-lhe que «um dia destes deixo tudo e vou para missionário». É uma tentação contínua, que me persegue – especialmente quando vou a Cabo Verde, passo por países com problemas sociais gritantes (evito viajar para essas zonas, pois ferem-me a alma de forma brutal – há anos que adio uma visita de estudo à Mauritánia e ao Sudão). Nestas alturas, como aconteceu quando estive em Luanda (lembras-te, meu bom amigo Pastor Victor Belo?) e no Brasil, sinto-me como que perseguido por Deus, empurrado às origens dos motivos da minha formação formal.

Azucrina-me, não raras vezes, essa coisa estranha que é (re)começar a estudar para uma missão e acabar noutra, substancialmente diferente: a defender criminosos e pessoas que, não raras vezes, são ingratas e que só podem se queixar de si mesmas. Eu não me queixo de nada – talvez de amar menos do que deveria ou de arriscar menos neste plano – que a existência me proporciona, pois tenho nos menos afortunados a minha referência de existência.

Cerca de 25 anos depois, o Mundo continua o mesmo espaço de desigualdades profundas que me moveram a querer certificar os meus conhecimentos e a saber mais de tudo. As mesmas questões me preocupam, agora numa perspectiva ainda mais abrangente e com uma outra percepção, o mesmo sentir me afronta... E me afronta mais ainda pelo facto de me sentir, de certo modo, violentamente contaminado por uma forma de viver que, no fundo, me indigna. Um dia, como dizia a Anabela Mota Ribeiro…

Bem, o melhor é ir escrever um poema...

Imagem: Crucifixo, de Kooning

1 comentário:

Marisa disse...

Que seja segunda a vontade de deus... bom fim de semana