sábado, 27 de junho de 2009

  • CIDADE VELHA – ANTES DO SER JÁ ERA E É MAIS
No outro dia, realizou-se em Portugal um concurso – análogo ao que chegou à conclusão que Oliveira Salazar é o português mais impostante da história – sobre as Sete Maravilhas do Portugal colonial e que a Cidade Velha foi eleita uma das ditas maravilhas. Fiquei, confesso, estupefacto. Não somente pelo facto de descortinar um incofessando saudosismo colonialista no dito concurso, mas porque não se pode chamar de “maravilha” a um sítio usado para o crime contra a humanidade que foi e continua a ser o tráfico de seres humanos. Mesmo no plano estético, verdade seja dita: havia lugares bem mais belos e interessantes que a Cidade Velha para serem, com razão, consideradas maravilhas pois de razão estética e não de memória se deveria tratar.

Agora, a questão do reconhecimento pela UNESCO da Cidade Velha como Património Mundial é algo de substancialmente diferente: é um reconhecimento tardio, mas de saudar por todos os cabo-verdianos que nela têm o berço da sua nacionalidade, mas também pelos afro-brasileiros e povos africanos da origem dos negros raptados e hediodamente escravizads e que têm a sua história umbilicalmente ligada à Cidade Velha da Ribeira Grande de Santiago de Cabo Verde.

O que a UNESCO fez foi nada mais do que reconhecer o que já tinha feito com Goré: reconhecer o valor imaterial da memória, mais do que o património edificado pelo colonialista – pois os lugares de esclavagismo, além da sua dureza e aspereza estétiticas, são lugares hediondos, anátemas e provas iure et de iure do maior genocídio e memoricído da história da humanidade: o colonialismo e a escravidão forçada e criminosa a ela associada. Neste aspecto a Cidade Velha é mais, muito mais do que aquilo que a UNESCO veio reconhecer: Património Mundial. Este é pouco, pois a Cidade Velha é mais, muito mais do um espaço patrimonial a ser preservado, é um espaço de geomemória a ser preserva e promovida, tendo sempre presente um discurso de resiliência: nunca mais! Neste aspecto, a memória da Cidade Velha e Goré é património-exemplo da humanidade, em particular das vítimas da maldade humana que souberam vencer o mal e contruir uma nação. Resta-nos libertar-nos do colonialismo mental e falta de ambição de sermos cada vez melhor do que somos, como pessoas e como nação; e isso é coisa que nada nem ninguém pode fazer nada por nós.

Imagens: Cidade Velha

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