sexta-feira, 24 de setembro de 2010

«De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados. Esquadrinhemos os nossos caminhos…» — Lamentações de Jeremias, III.39.
  • A RAZÃO DE SER DAS COISAS E A CASA ADRIANA
 «Odeio ter razão! O meu mundo de razões para estar errado» — digo a mim mesmo. Sinceros companheiros e ex-companheiros de caminhada em algumas lutas cívicas, estarão, a esta hora, a por as mãos na cabeça e a dizer: “Bem que o Virgílio nos avisou!” E avisei de muitas coisas, porventura demasiadas e extemporâneas ao tempo às gentes. O meu maior receio — que emergia da experiência, da compreensão das mentes autoritárias e da lógica que move as suas acções — concretizou-se: avançou-se com a demolição da Casa Adriana no fim-de-semana, quando seria impossível recorrer-se às instituições democráticas para travar a demolição e o povo mindelense ser confrontado com o facto consumado, com o “leite derramado” que o povo sereníssimo não tem o hábito de ter como pano de choro e nem sabe bem o que é em substância.

Nada de novo. Assim se faz, como o ladrão na noite: de forma inesperada, com todos adormecidos. A luta pela preservação da Casa Adriana, como é hoje patente, enformava uma realidade que vai para além da mera preservação do património histórico e arquitectónico: é uma luta pela memória colectiva da cidade do Mindelo e dos mindelenses, assim como pelos direitos políticos e sociais de cidadania e de um determinado dado sentido de cultura que os novos tempos tentam expurgar do Cabo Verde novo. Mas que fique claro, a quem quiser escutar: As maiores responsabilidades na destruição da casa do Dr. Adriano não são do Governo e da Câmara Municipal de S. Vicente, não! São do Movimento de defesa da casa do Dr. Adriano e da sua inépcia e falta de sentido estratégico; das pessoas pensarem em si mesmas, no que outros poderiam pensar disto ou daquilo, etc: os egos desfocaram o objectivo e turvaram a razão das coisas. “Onde falta o conhecimento o povo perece…” lá dizia o profeta Oseias. Mas não deixa de ser evidente que existe uma agenda política subjacente a esta questão; e que merece cuidados redobrados, no futuro imediato, por parte de uma cidadania activa.

A padronização ética e cultural do homem cabo-verdiano — que se tentou no passado e que se repristina hoje — é, além de desumano, um perigo demasiado grande para ser corrido; e Aldous Huxley dá-nos uma pequena ideia desta realidade em Admirável Mundo Novo. E o Mundo novo cabo-verdiano é, hoje por hoje, o do homem bruto, o homem sem cultura e sem memória que não seja a memória oficial dos sequazes do ideário político do PAIGC/CV que tenta — aparentemente a todo o custo — destruir a memória do país: o que não é apropriável pelo partido é destruído; quem pensa out of the box é um verme. Delenda est o ke no ê di nos! parece ser a lógica.

O mundo em si mesmo tem uma linguagem subterrânea; a modo do universo espiritual de Huxley e a teoria das cordas. A confiança do voto merece a tutela devida; e por vezes é auto tutela. Como é agora, neste momento: Com a demolição da Casa Adriana o Governo do PAICV presidido por José Maria Neves — se mais razões não houvesse — perdeu meu voto e qualquer confiança possível; e mais: ganhou em mim um opositor. Esta decisão não é inocente, infelizmente; e se o fosse, na hipótese de o poder ser, demonstraria uma extrema inabilidade funcional deste Governo. Mas não nos enganemos, pois a culpa não é somente do Governo de José Maria Neves e da sua falta de visão e de políticas da e para a cultura, não… pois um país prospera quando todos fazem o seu papel de forma devida, inclusive os cidadãos. É que, como digo, moscas apanham-se com mel…ou com mata moscas! Mas não é que existe um Mundo novo, um Cabo Verde paralelo que se revela de vez em quando e em que as moscas apanham os homens com mel?...

Virgilio Maronis dizia nas Bucólicas: omnia vincit amor et nos cedamus amori. Que “amor à terra”, a Mindelo e a todo o São Vicente venceu? A que amor cedeu o Governo de José Maria Neves neste sacrifício da cultura mindelense? (E já nem falo, v.g., (1) da insegurança nacional, (2) do desemprego galopante; (3) do escasso acesso a bens fundamentais como (4) habitação, (5) cuidados de saúde, (6) luz, (7) água [e nem me refiro à água de e com qualidade] e (8) justiça célere, (9) da massificação da corrupção e do nepotismo, (10) da ausência de uma sistema de transportes entre ilhas que liberte os cidadãos que se sentem sequestrados na sua própria terra/ilha, (12) da não qualificação do país para a competitividade económica e social no mundo global...

Estes são exemplos de algumas áreas em que o Governo presidido por de José Maria Neves falhou de forma clamorosa, e sem razão: teve condições estruturais e materiais que nenhum outro Governo de Cabo Verde teve até hoje. No entanto parece governar por reacção e não por acção, de acordo com um programa estrutural e estruturante para o desenvolvimento do país a curto, médio e longo prazo. As pessoas decepcionam-me, em regra, no plano emocional; o Primeiro Ministro José Maria Neves conseguiu a proeza de me decepcionar no plano emocional e racional.

A praxis do Governo em tantas e diversas matérias — revelando uma afrontosa insensibilidade e incapacidade funcional (a entrevista do Artur Correia, Director do Hospital Agostinho Neto, a RTC é testemunho eloquente da falta de uma visão integrada e estrutural da saúde em Cabo Verde, na Capital em particular que precisa, há muito – e epidemia de dengue foi um aviso que, ao que parece, não foi tida em devida consideração –, de um grande hospital e de recursos humanos adequados às necessidades da comunidade) — determinou por si mesmo a minha opinião de cidadão eleitor e dita o meu veredicto: este Governo não merece governar mais o meu país, a minha pátria!

E digo-o com a mesma convicção com que disse há cinco anos atrás que o Governo de José Maria Neves merecia então um segundo mandato, e que votaria no PAICV para Governo e em Carlos Veiga para Presidente para haver um equilíbrio na estrutura institucional do Estado (a fraca prestação de Pedro Pires como Presidente da República, nomeadamente no controlo político, afirma um colapso prático do modelo político cabo-verdiano). Mas hoje vejo as minhas expectativas cidadãs defraudadas; e isso é mais do que bastante para se ansiar, se desejar e se vote num projecto alternativo de governação que não esta que tem sido protagonizada pelo Governo presidido por José Maria Neves. Isto é para, ex ante, calar todos os fantasmas, anónimos e quejandos que se aprestarão a vir dizer cobras e lagartos e a etiquetar-me como militante do MPD, da UCID, do PTS ou de Djack Esquequereque ou de raios que os parta! Confiança dada, confiança retirada. Assim faz o povo, assim faço eu: não é uma questão de política partidária mas sim cidadã.

Os cidadãos precedem os partidos políticos.

Não é que não tenha havido e não haja coisas boas na governação em curso; não!, houve coisa boas sim. Mas não as suficientes para levar-me — de forma objectiva e em boa consciência — a aprovar os últimos dez anos de governação do PAICV que não conseguiu levar ao país ao nível de desenvolvimento real, económico, social e humano (neste último aspecto, avulta uma ideia errática da Cultural e uma ausência de uma política democrática da Cultura e para a cultura). Além do mais não logrou conseguir algo que era mais do que possível e estava ao seu alcance, algo que não dependia do exterior: a consolidação da Democracia no país. Aliás, este Governo falhou em tudo o que podia e deveria fazer no país sem recurso à ajuda externa.

Digam as sondagens o que disserem uma coisa é certa: o PAICV não ganhará as próximas eleições legislativas (mesmo com a inércia a seu favor e com os condicionamentos que se antevêem ao nível do universo eleitoral que determinará a composição da Assembleia Nacional e o futuro Governo); quanto muito o MPD, a UCID e o PTS poderão perder essas mesmas eleições. E uma ou outra coisa poderá ter começado aqui, na gestão desta questão Adriana…

Imagem: Moça Correndo Numa Varanda — Giacomo Balla (1912)

14 comentários:

Djoy disse...

Há duas expressões que queria lembrar ao ilustre:
-"há pessoas que não se enxergam";
-"você está se achando!"

Virgilio Brandao disse...

Troque lá por miúdos o que quer dizer… se puder.

De todo o modo posso dizer-lhe que sim, que há pessoas que não se conseguem ver como cidadãos livres; e eu vejo-me como tal. Se não consegue fazer o mesmo, lamento por si que, pelos vistos, não tem frontalidade de mostrar o nome e a cara. O que não é nada que me surpreenda, de todo.

A "liberdadi" é uma coisa bela encessária, não é uma palavra oca; e a cidadania, ao que parece, é algo que tem de aprender o siggnificado...

Deus o bendiga.

Anónimo disse...

TESE - "PAICV não ganhará as próximas eleições legislativas ;

ANTITESE - quanto muito o MPD, a UCID e o PTS poderão perder essas mesmas eleições."

Essa é boa! Mas, é um paradoxo! OU entao ha que fazer a que concluir:

SINTESE - PAICV ganhará as próximas eleições legislativas

Virgilio Brandao disse...

Com que então um paradoxo, hem? lol
Antes de ensaiar um silogismo, leia bem!

Djoy disse...

O nome e a cara?Pelo menos,desde que me conheço,lá em casa,entre amigos e conhecidos,sempre fui conhecido por Djoy...não sou anónimo nem heterónimo!Cidadania,cidadão livre,"liberdadi",é tudo retórica!!Principalmente para aqueles,como o ilustre,que acham que "criticar" o governo é um acto de cidadania...a crítica às acções do governo será mesmo um acto de cidadania ou será mais um acto interesseiro e calculista?

Virgilio Brandao disse...

E o elogio e a defesa do Governo, o que é? Interesseiro e calculista? Give me a break! Este seu comentário lembra-me uma asserção taoista sobre os homens sábios que, para mim, é puro cinismo.

A crítica é, por natureza, um instrumento da razão; é algo sustentado. Mas, pelos vistos, não sabe o que é uma crítica... enfim.

O que digo e escrevo agora, digo e e escrevo há nos! Se não notou, o que posso dizer-lhe? Eu não ando nas costas da conjuntura, e não sou lambe-botas! :-)

PS: Também desde que sou conhecido os meus amigos mais próximos chamamme de Dji... mas sabe quem é o Dji? Não, certamente.

Anónimo disse...

Com que então o MI Virgílio Brandão começou a campanha?
Voto dado, voto retirado. Até aqui nada de novo, mas espanta-me a sua desonestidade intelectual. Há quanto tempo não põe os pés em Cabo Verde, MI? Sim, porque as suas razões para retirar o voto não são tão apodícticas.
João Semana.

Anónimo disse...

O que é um paradoxo? Copiado no wikipédia:

Um paradoxo é uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, ou a uma situação que contradiz a intuição comum.

Você que sabe muito, nao pensa que fez uma contradiçao com esse trocadilho de que o paicv vai ganhar, mas que o mpd que pode ganhar vai perder? Se o mpd vai perder, é porque o paicv vai ganhar, nao é? Ou vao ficar empatados?!

Você tem um problema muito grave: sempre que é contrariado, diz que o leitor é que nao sabe ler. Você é um caso sério! Muitas vezes pergunto-me se é você mesmo que escreve algumas coisas interessantes como esse seu texto sobre Saramago.

Na verdade, o seu problema é que nao aceita criticas e sai com cada defesa que nao passaria pela cabeça de ninguém que saiba pensa. Estou a pensar na resposta que deu a alguém que assina com um nominho de casa; como se ele assinasse Rui Pedro Ruivo, e nao o tal nominho, ele passaria a ser conhecido por si e por todos!!!!

VOCE é um caso!

Virgilio Brandao disse...

Sr. João Semana…
podem não ser evidentes para si. Mas são algumas das minhas razões; ou acha que não por não estará viver em Cabo Verde não tenho direito a emitir livremente a minha opinião? Give me a break, man!

E sobre a campanha, só posso dizer-lhe que vê um rebanho de ovelhas do Monte de Gilead a voar na sua mente: sonha, e por isso diz o que diz. Mas, já agora, gostaria que me dissesse onde está a minha desonestidade intelectual, para poder fazer a devida correcção… e sobre isso: acha intelectualmente honesto discutir seja o que for com alguém, adjectivá-lo, e não se identificar de forma clara?

Problema seu, da sua consciência. Mas não é nada urbano, lá isso não é…

Eu estou onde sempre estive, como já lhe disse antes. E se decidir – note bem: se decidir! fazer campanha a favor de seja quem for, di-lo-ei e fá-lo-ei com a mesma legitimidade que o Djoy, o João Semana, todos os nomes que tiver e todos os demais cidadãos cabo-verdianos têm. Mas fá-lo-ei de peito aberto, dando a cara em defesa de ideias e projectos com que me identificar e se me identificar.

E se lhe serve de alguma coisa, digo-lhe que nunca fiz campanha política por ninguém; mas talvez venha a dar esse gozo a algumas pessoas, como é o seu caso. Já ouviu falar em efeito boomerang? É que odeio condicionamentos espúrios, por uma questão de liberdade livre.
-----------
Anónimo de 29 de Set de 2010 23:40:00:
O que posso dizer-lhe, ó ser? Eu não escrevo nada: copio-o tudo da wikipédia…

Digo-lhe e continuo a dizer-lhe: Não leu bem o texto, lá isso não leu! A iliteracia também tem graus. Sabe isso; ou não sabe? Mas, prometo esclarecer a sua alma porque é que não existe nenhum paradoxo na afirmação «Digam as sondagens o que disserem uma coisa é certa: o PAICV não ganhará as próximas eleições legislativas (mesmo com a inércia a seu favor e com os condicionamentos que se antevêem ao nível do universo eleitoral que determinará a composição da Assembleia Nacional e o futuro Governo); quanto muito o MPD, a UCID e o PTS poderão perder essas mesmas eleições.» se pensar um pouco no que está escrito…

Sobre a identificação das pessoas… lá estou eu a contrariá-lo, mas é que parece que tem uma limitação hermenêutica ex natura. Leia algo mais do que a wikipédia, alimente-se com algo de mais substancial, e pense um pouco que chegará lá onde pensa que está.

Que Deus os ilumine.

Anónimo disse...

Ó MI Virgílio,
Isso de não me identificar não é um problema, penso eu. Aliás, quando não se tem argumento pede-se o nome, temos de dar a cara etc. etc. Até Fernando Pessoa tinha lá os seus pseudónimos... Cada um com o seu motivo. Por acaso lhe ofendi? Responda às minhas questões e não venha com rodeios. Por exemplo, se é frontal por que é que não respondeu a minha questão sobre Aristides Pereira?
Há quanto tempo não põe os pé em Cabo Verde?
Ó MI isto tem uma grande importância sim senhor!
Pintas a realidade de Cabo Verde de um ângulo bem diferente, típico de alguém que desconhece a nossa realidade contemporânea. Sim, é preciso vires cá, pelos menos duas semanas e depois falares com mais segurança e honestidade. Sim, honestidade.
João Semana.

Virgilio Brandao disse...

Ó João Semana!
Não sou homem de rodeios… e isso já deveria saber. O que penso de Aristides Pereira é consabido, e público há muito. Se não está informado, isso é problema seu. E é claro: respeito e louvo Aristides Pereira, Luís Cabral, Pedro Pires e todos os que lutaram pela independência de Cabo Verde; e por não se terem enriquecido à custa do povo. Por estes factos. Mas não posso nem devo louvá-los pelo facto de terem sido os mentores e os actores do Estado Autoritário e violador dos direitos e das liberdades fundamentais dos cidadãos que instauram em Cabo Verde depois da Independência… Ah, isso não!

Quero que seja mais claro? Penso que não.

Não lhe vou responder à uma questão pessoal; é algo só a mim diz respeito e não lhe assiste legitimidade para me fazer tal pergunta, e nem tenho nenhum dever de lhe responder. Até o faria, se tivesse colocado a questão de outro modo.

A "realidade contemporânea" fala por si; não precisa da minha voz ou pena!

E sobre a honestidade. Please! Olha para o espelho ético das suas afirmações e vê onde está o decoro ou a falta dele… E já agora: não me impute acções que não pratiquei, e muito menos coloque na minha boca e pena palavras e que não gerei. E perceba, de uma vez por todas uma coisa: as minhas razões são minhas porque são minhas; têm a razão subjectiva da minha apreensão da realidade, e não me parece que esteja, com os argumentos que não apresenta em condições de me fazer mudar de opinião. E olhe que eu nunca tenho ideias pré concebidas e muito menos razões definitivas sobre seja o que for…

Mas enfim…
Deus o abençoe.
PS: Já agora, leia o que escreveu e pense que sou eu a escrever para si. Depois leia isto:

«já agora, gostaria que me dissesse onde está a minha desonestidade intelectual, para poder fazer a devida correcção… e sobre isso: acha intelectualmente honesto discutir seja o que for com alguém, adjectivá-lo, e não se identificar de forma clara?

Problema seu, da sua consciência. Mas não é nada urbano, lá isso não é… »

Pois é… pode-se ser falho em urbanidade, e não se ofender ninguém. São realidades diferentes; mas enfim… fico à espera para me dizer onde está a minha falta de segurança e de honestidade. Vá lá homem! Ensine-me; pois estou no Mundo para aprender.

Ariane Morais-abreu disse...

Essa gente sem nome (et sans couille) nunca aceita a contradiçao!! Deveria aprender com a contradiçao...

Anónimo disse...

Ó MI ilustre Virgílio,
Já sei o que pensa sobre o Aristides Pereira, obrigado!
Não me respondeu à questão sobre há quanto tempo não põe os pés em Cabo Verde, mas respeito. Portanto, acho complicado estabelecer um debate com alguém que fala de Cabo Verde sem nunca nos fazer uma visitinha que seja, so...
God Bless you too, VB!
João Semana.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.